Em 1891 era editado o livro "Caldas do Gerez - Guia Thermal" da autoria de Ricardo Jorge. Esta obra aborda vários temas relacionados com o termalismo geresiano, as suas águas termo-medicinais, a sua acção hidro-termal, a clínia hidrotermal, etc. Um dos capítulos mais interessantes está relacionado com a denominada "villegiatura", isto é a "temporada que se passa fora da terra, a banhos, no campo ou viajando, para descansar dos trabalhos habituais."
Assim, Ricardo Jorge fala-nos de paisagens conhecidas e das sensações que elas proporcionam começando por uma viagem entre Braga e as Caldas do Gerês...
O texto transcrito abaixo é mantido na sua forma original e com o Português que era escrito em finais do Século XIX.
A Villegiatura e a Serra, por Ricardo Jorge
"Para as Caldas. A pittoresca e antiga Braga, estação terminus da via férrea, é ponto forçado de transito para a grande maioria dos forasteiros gerezianos. Tres comboios por dia se offerecem á opção do viajante; ha duas carreiras diarias de diligencia para o Gerez; mas o transito mais commodo e rapido nos trens fretados da Companhia Carris de Braga, que tem montado um serviço perfeito, com mudas a meio caminho, de modo a não exceder a jornada quatro horas.
Raro é aquelle que por distracção e até conveniencia hygienica não pousa á ida ou á volta na bella estancia do Bom-Jesus, a formosa collina do sanctuario, erriçada de carvalhos e capellas, com os seus parques frondosos, as suas fontes perennes, encaixilhada em soberbos panoramas. Sagrada pelo culto religioso e pela opulencia da natureza, a arte moderna do conforto veio completal-a; quem gozar da ascensão no elevador funicular e se alojar no Grande Hotel, terá com que contentar o seu orgulho nacional. D'alli saúda o viajante a serra do Gerez que lhe estendera em face a espinha anfractuosa, d'onde preminam as culminancias do Cabril e Borrageiro, como a giba d'um dromedario.
O trajecto para as caldas tem uma variante que custa apenas meia-hora, para o que desejar vêr a confluencia do Homem e Cavado na Ponte do Bico e atrevessar o sítio d'Amares. Em geral prefere-se a via mais curta, que galga o Cavado, na archi-secular Ponte do Porto, obra dos romanos.
Paysagem estreme do Minho derredor da estrada até meio-caminho, até á aldeia de bouro, onde se faz a étape de rigor. A enquadrar o largo da paragem, onde se encontra uma rasoavel locanda, ergue-se nas suas linhas de cantaria o vasto mosteiro cistercense de Santa Maria de Bouro, flanqueado pelo templo de dois campanarios. Merece uma visita o abandonado convento, construido no seculo passado, mas fundado com a nacionalidade portugueza, uma ruina vergonhosa agora. Só a egreja se mantem em regular conservação; o resto cahiu aos pedaços, soalhos e tectos; as hervas ruins tapetaram a ampla quadra do claustro; mais uns annos e até os pannos das espessas muralhas se rasgarão. Lá dentro, pela capella e sachristia, ha ainda preciosidades de talha, mobiliario rico, e azulejos panoramicos, sobre que todo o amador de bibelot passeará os olhos cubiçosos.
A estrada desenrola-se a partir d'alli pela encosta, serpenteando sobranceira ao Cavado, que espuma lá em baixo no seu leito apertado de granito.
O panorama transfigura-se; ao campo arroteado de milhaes, ao quadro agricola caracteristico do Minho, substitui-se quasi de salto a lombada agreste da montanha; apenas socalcos cultivados invadem os corregos aqui e além. Só na chapada do valle estende os taboleiros dos seus campos a aldeia de Parada do Bouro, povoados de casaes, onde se destaca a pyramide acuminada do campanario.
O principal povoado que a estrada atravessa no seu trajecto pela encosta é o de Valdozendo, com os seus socalcos em amphitheatro até ao rio. Do lado d'além continua a desfilar a lombada da serra da Vieira; a sua extensa vertente é agora um painel monstruoso de verdura, encimado pela aldeia do Penedo, antiga estação dos peregrinos do Gerez e cortada pela estrada de Chaves.
De repente ao dobrar uma arseta da montanha surge em cheio toda a cordilheira de Gerez nitidamente destacada pelos seus recortes e pela tonalidade acinsentada, coroada d'espigões em planos sucessivos, como cortinas colossaes descidas sobre o horisonte, afestoadas na franja em tintas peroladas. Lá está o Borrageiro, e o seu cortejo de collinas, a Pedra Bella a encimar a profunda ravina que descahe do desfiladeiro de Leonte e aloja a meio o casario das Caldas que mal de enxerga, e emfim o espigão bifido do Pé de Cabril, o pharol da serra.
A estrada decliva agora depressa até ao Cavado, como que a buscar a base do cone regula do monte de S. Miguel. Chegada ao rio, deixa á direita uma bella ponte sobre o Cavado, ainda desprovida da competente estrada, e corta sobre outra ponte d'um só arco o rio Caldo na sua embocadura.
Estamos na primeira aldeia gereziana, o Villar da Veiga, de casaes escalonados, entresachados d'espigueiros, dominando um plaino verdejante, que o rio fertilisa, ora represado em lagos, ora despenhado em açudes.
É o rio Caldo ou rio Gerez, nascido no alto de Leonte, que cahe em cachoeira permanente na aresta pedregosa do valle, onde forma as mais encantadoras cascatas. Costeia-o sempre a estrada pelo lado esquerdo, subindo lentamente para as Caldas. Defronte do Villar, na margem d'além, a freguezia do Rio-Caldo com a ermida do S. Bento da Porta-Aberta, uma das romagens mais concorridas do Minho.
O tom alpestre do panorama accentua-se cada vez mais; as montanhas denticuladas, arregoladas e fendidas, crescem sobre a viandante, o valle angustia-se; ouvem-se os mugidos da torrente e dos jactos d'água que por todos os lados se precipitam.
Resaltam os primeiros chalets e as cumiadas dos hoteis; estamos nas Caldas - a estação das águas milagrosas para o enfermo - centro d'excursões para o touriste, a Chamounix d'este retalho alpino.
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Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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