Fui buscar um texto de 2016 para descrever esta mais recente incursão pela Costa de Bargiela, através de um dos bosques mágicos da Serra do Gerês.
A Serra do Gerês é capaz de nos surpreender pelos pequenos espaços! Em cada recanto esconde-se uma história, em cada recanto abriga-se um segredo, em cada recanto mora uma memória!
Na Serra do Gerês as mais pequenas caminhadas são capazes de nos imbuir no mais fantástico dos mundos cheio de seres imaginários, aqueles que resistiram à repressão e à santa inquisição. No passado, nestas terras moravam duendes e fadas, seres mitológicos que encontram semelhança nos seus compadres da Galiza e das Astúrias. Porém, estas histórias e lendas foram-se perdendo na turvidão dos tempos e da memória dos homens. São hoje poucas as histórias que nos poderão levar a esses tempos tão longínquos. Porém, o mais atento verá aqui e ali, a passagem fugaz do Lhobero, do Papón ou do Pataricu.
A neblina e a névoa das eras passadas encheu os nossos parcos contos serranos com outras personagens que não o Pesadiellu ou o Busgosu, emprenhando-as de ladainhas tementes a Deus. Quem compreende um Deus mau e que nos castiga com as chamas de um Inferno maléfico?
A Mata de Albergaria vai escondendo algumas histórias mais recentes. Por entre as ruínas da antiga Casa Florestal, agora tristemente abandonada, e os restos da trincheira que defendeu as investidas dos franceses ou de Paiva Couceiro na reposição da monarquia, pouco resta das histórias das lendas antigas. Porém, junto à ponte sobre o Rio Maceira inicia-se um carreiro que nos leva Costa de Bargiela (Varziela) acima e que nos vai fazer entrar nesse mundo de fantasia.
A caminhada iniciou-se na Portela de Leonte e seguiu a estrada até à Albergaria. Pelo caminho, passagem pela Pala da Barrosa, agora quase imperceptível devido à estrada. Aqui e ali um olhar atento por entre o arvoredo, prestando atenção a um restolhar mais atrevido.
Por entre a velha mata, os sons do rio vão ficando mais ténues e em pouco tempo nada mais escutamos do que a nossa respiração ou o restolhar das folhas do passado que tapeteiam o chão. Por ali vagueiam as velhas histórias, os seres míticos que ainda mantêm as velhas mariolas cobertas de musgo de um verde vivo na humidade dos dias de Inverno. O caminho serpenteia encosta acima e a nossa visão é bloqueada pelo rendilhado e entrelaçado de ramos das árvores que ladeiam o velho caminho.
Faz frio e por vezes o vento faz-se notar na dança esquizofrénica das ramadas. O caminho vai desaparecendo aqui e ali coberto pela vegetação com os seus ramos tombados e quebrados pela passagem de um animal ou pelo peso dos anos. O dia surgiu com um céu azul frio e os contornos das serras delimitam-se no horizonte.
Pelo caminho, aberto pelos dias de invernia, a vegetação vai lentamente ganhando a luta, retomando o que fora seu. No Verão, a passagem por aqui é «recompensada» com as carraças e muitos arranhões nos braços e pernas.
Passando a Chã de Bargiela, chegamos ao Curral de Bargiela e o cenário é de fantasia, seja em que estação for. O jogo de luz por entre os ramos velhos, o silêncio que inunda o espaço, o balançar da folhagem por uma brisa que encontra o seu caminho pela vegetação. O velho abrigo pastoril, alagado de memórias que já não existe, dissipadas na bruma dos tempos, pois aqueles que o utilizaram já cá não estão, vai persistindo coberto de musgo, folhas e silêncio. São pedras que agora constituem paredes de memórias esquecidas, perdidas para todo o sempre.
Por entre um cenário retirado de um filme de fantasia, continua-se o percurso através do bosque, passando perto do marco triangulado do Vale dos Porcos chegando pouco depois ao topo da Corga do Mourinho e ao Curral do Mourinho, com o seu forno pastoril. Pelo carreiro, as mariolas marcam a passagem e os velhos carvalhos mostram a sua fantasmagórica presença com os seus ramos a traçar linhas negras no céu.
Em momentos ia olhando para trás, pois a paisagem que nos cobre a retaguarda por vezes guarda segredos insondáveis. Ali, por entre as memórias e as lendas, parece que nunca estamos sós e que há sempre algo que nos segue o rastro.
Passado o Curral do Mourinho, descemos para a Portela do Confurco passando pela Manga do Mourinho, surgindo a visão da grande albufeira. O Pé de Cabril mantinha-se altivo e atento, o verdadeiro farol da serra.
A certa altura, no chão humedecido e lamacento, surgiram umas pegadas, talvez de um dos Busgosus que habitam a Albergaria... pelo menos enquanto por ali caminho...
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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