domingo, 16 de fevereiro de 2025

A restauração da ermida e do culto de S. Miguel na Serra do Gerês

 


Tude de Sousa deixou-nos interessantes testemunhos sobre os trabalhos realizados pelos Serviços Florestais na Serra do Gerês, bem como de futuras propostas que viessem a melhorar a relação do Estado com os habitantes serranos.

Uma destas propostas era a restauração da ermida e do culto de S. Miguel na Serra do Gerês. O texto a seguir é baseado em textos de Tude de Sousa e em apontamentos diversos feitos pelo silvicultor José Lopes Vieira, sobre projectos e estudos culturais da Serra do Gerês.

A restauração da ermida e do culto de S. Miguel na Serra do Gerês

Pouco adiante de Albergaria e antes de se chegar à Portela, na margem direita do Homem, assenta a extensa chã a que is serranos chamam o Curral de S. Miguel.

Nessa chã, cercado de uma boa sementeira de pinheiros, que, vindo da Portela, vai pelo Penedo Redondo, Vales, Encosta de Palheiros, até à ravina do mesmo nome e por um bom maciço de carvalhos novos, ressalvados nos últimos anos, existem ainda restos de modesta construção, que a tradição diz ter sido de uma capela dedicada ao arcanjo S. Miguel, o que é de crer que assim fosse.

Pinho Leal, no Portugal Antigo e Moderno, faz referência a esta capela, que os naturais construiram depois de levantado o interdito a que o papa sujeitou o reino, no tempo de D. Afonso III; porém, os mesmos povos, "como este sítio era ermo e remoto, demoliram a capella, levando o santo para a de Nossa Senhora das Mercês, do Villarinho".


Havendo de se tratar de perto com povos atrasados em instrução e educação; convindo manter com eles as melhores relações de vizinhança, e bom êxito desse desideratum consegue-se, às vezes, mais facilmente com prudência e cativante política, cujo fim seja sempre tendente a criar, desenvolver e enraizar afeições, que de algum modo anulem más disposições e más vontades, do que pela aplicação inxerorável da força e de disposições regulamentares.

Conquistar uma regular disposição, não podendo ser uma decidida boa vontade, e ao mesmo tempo o respeito devido ao que é a propriedade e a lei, é tarefa em demasia pesada, quando uma das partes seja profundamente avessa a aceitar de boamente ideias a que não está acostumada e que o seu espírito, sempre desconfiado e por vezes mau, julga pouco, ou nada, conveniente.

O trabalho é, por isso, muito de catequese e condição importante é a de se estudar a psicologia dos povos com que haja a tratar e os seus costumes.

Na serra o espírito religioso domina profundamente a alma do habitante e a sua vontade torce-se ainda muito ao sabor das conveniências e das indicações da Igreja, que pela boca do padre lhe mostra todas as portas por onde se conquista o céu, ou se é precipitado nos infernos.




Ora, por esta orientação, parecia-me que talvez se lisonjeasse o espírito dos povos de S. João do Campo e Vilarinho da Furna, reconstruindo a capela de S. Miguel e restaurando-lhe o seu antigo culto.

Poderia anualmente fazer-se uma pequena festa, custeada pela Mata e por esmolas de ocasião.

O pregador, escolhido pela Repartição, que seria sempre quem promoveria a festa, faria versar o tema, que desenvolveria largamente, sobre as vantagens da arborização e o amor que se deve ter pelas árvores e afirmaria os bens serviços do Estado no Gerês; a festa far-se-ia coincidir com uma data especial, por exemplo, a da ida das vezeiras para a serra, no 1.º ou 2.º Domingo de Maio.

No primeiro ano, para a inauguração e bênção, convidar-se-ia o Prelado de Braga e, mais tarde, quando a serra entrasse em exploração e houvesse por lá mais numeroso pessoal, poder-se-ia mesmo na capela, celebrar missa semanal ou quinzenal, que o serrano não dispensa, e onde todo o esse pessoal, pastores e transeuntes, poderiam cumprir aquele preceito.

Parecia-me esta uma boa forma não só de conquistar as boas graças dos povos, como os de educar por meio da pregação eclesiástica, visto que em outras conferências eles não acreditam.

Pequenas seriam as despesas: a reedificação da capela e as alfaias e paramentos necessários adquirir-se-iam com 400:000 a 500:000 réis, podendo a capela ter ligada, além da pequena sacristia, uma divisão, onde, quando fosse preciso, poderia ficar um guarda que naquela zona fizesse serviço; a festividade anual far-se-ia com 60 a 70:000 réis.

Se com tais encargos se conseguissem benefícios compensadores, grande seria o serviço prestado em favor dos trabalhos florestais do Gerês.

Texto adaptado de "Mata do Gerês - Subsídios para uma Monografia Florestal" (Tude Martins de Sousa, 1926)

Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Sem comentários: