O «desaparecimento» de Vilarinho da Furna conduziu ao inevitável abandono da paisagem que durante séculos foi sendo moldada pela presença da aldeia. Caminhos, construções, memórias, tudo se foi (se vai) desvanecendo da paisagem à medida que a aldeia se transforma em História e as recordações se dissipam da memória dos que lá viveram.
A Natureza foi reconquistando aquilo que em tempos dera de troca, transformando em «selvagem» um espaço onde a convivência se fez durante centenas de anos. Aqui e ali ou quando as águas retrocedem nos dias do Estio, a memória renasce por momentos, pelo menos até o regresso das chuvas.
Escondidas na paisagem, as marcas de Vilarinho da Furna ainda resistem à passagem do tempo. Por entre o matagal, surgem velhas calçadas, abrigos abandonados, silhas e casas perdidas na floresta. Gravada em palavras ou em imagens que se movem, a memória torna-se difusa. Porém, ganha vida quando se visitam os locais imersos no silêncio das serranias agrestes que lhe toldaram a maneira de ser. Um destes locais, são os Prados Caveiros e a subida através do Peito de Escada.
Neste dia fui visitar os Prados Caveiros, um local cheio de memória tão profunda como o silêncio que o abraça como uma mortalha invisível. Para lá chegar, e começando a caminhada na Albergaria, subi através do Peito de Escada, corredor através do qual os pastores de Vilarinho da Furna caminhavam para lá chegar depois de percorrer os caminhos da via romana que se alongava pelo Vale do Rio Homem. Inicialmente, e antes da chegada das águas, o caminho seguida pelo fundo do vale, mas quando o dilúvio bíblico chegou em finais dos anos 60 do século passado, o caminho fazia-se já em parte pela estrada que os Serviços Florestais abriram para a Bouça da Mó.
Assim, passando o caos arbóreo junto à Ponte Feia e seguindo até perto da Ponte de S. Miguel, derrubada em 1640, tomei um carreiro que me levou perto da margem direita do Ribeiro de Monção junto à estrada e daqui iniciei a subida encosta acima. O caminho está lá, demarcado pelo esforço que ao longo de séculos fizeram os homens e mulheres de Vilarinho. As pedras marcam as voltas do carreiro e este por vezes sente-se nas velhas mariolas que perduram. A subida, o Peito de Escada, concorre com a Costa de Sabrosa do outro lado do lave por onde corre o Monção, memória dos tempos romanos que por ali deixaram muita toponímia.
Ganhando altitude, os horizontes alargam-se; se ao princípio somos mergulhados nas copas da Mata de Albergaria, esta transforma-se numa grande mancha que cobre os vales sobranceiros. Em breve, os altos serranos desenham-se contra o céu pincelado de nuvens matinais e o Sol cria um halo que indica noites húmidas e frias. No nascente, o contraluz apenas nos mostra os contornos negros da serra; ao poente a imagem transforma-se à medida que a luz se eleva no céu. São as cores do Inverno que ainda pintam o cenário que se nos depara: as árvores despidas e os rios tumultuosos fazem-se escutar no fundo do vale. Porém, este cenário musical da natureza vai-se tornando silencioso, pois o dia não está ventoso e pouco se escuta para lá dos passos e do raspar da roupa na urze e no tojo.
Terminando a subida, o olhar abrange já as lonjuras castrejas e passeia-se pela cumeada da Amarela, mergulhando na imensa massa de água que domina a paisagem para lá da Pena Longa. Bargiela, Bemposta e os espigões do Pé de Cabril marcam a paisagem como as ameias de um castelo granítico que define o maciço Poente das serranias geresianas.
À nossa frente surge a muralha do Cantarelo encimada pelo seu cabeço que domina sobre o Vale do Alto Homem; caminha-se já nas Lamas de Escada que formam corredores que me conduzem à tranquilidade dos Prados Caveiros: "Aqui impera o silêncio e a tranquilidade, além dos ecos do passado e da sensação de se estar quase num local sagrado. Nos Prados Caveiros mergulha-se na tranquilidade da montanha! Os Prados Caveiros são daqueles locais na Serra do Gerês onde parece que sentimos uma presença para além de nós, quase como se a Natureza viva nos quisesse falar ou fazer sentir o quão especial aquele local é."
E o porquê de um nome? Por várias vezes referenciado como "Coveiros", na verdade, são "Caveiros"! Assim, "Cabeiro", o que está ao final e "cimeiro", o que está na parte mais alta. Estas expressões são de uso comum nos Ancares, Galiza, usando-se também aqui, neste lugar alto, neste lugar cimeiro da Vezeira de Vilarinho da Furna.
Apreciando e absorvendo o silêncio do lugar, e depois de contemplar o velho abrigo pastoril, segui jornada em direcção aos Prados da Messe por entre pequenos riachos, carreiros que se escondem, blocos graníticos, paredes alcantiladas e velhas mariolas que nos levam para onde a nossa imaginação quiser ir. Na volta do caminho, lá no fundo aconchegado por entre a penedia, surge como que um oásis; são os prados, os Prados da Messe.
É interessante tentar perceber a origem deste topónimo! A questão que coloco é a de tentar saber qual a sua origem temporal? O topónimo já existia antes da chegada dos Serviços Florestais ou pelo contrário, o nome surge após a construção da pequena casa da qual nos nossos dias apenas restam tímidas ruínas.
O Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora, refere que "'Messe' (do lat[im] messe-) significa «seara madura; colheita; ceifa» e, em sentido figurado, «aquisição; ganho; conquista»." Teria havido plantação de centeio naqueles prados? O mesmo Dicionário refere "ainda se trata, no âmbito militar, de «instalação onde oficiais e sargentos tomam refeições e podem dispor de alojamentos»; neste caso, messe vem «do fr[ancês] ant[igo] mes, hoje mets, "iguaria; prato", pelo ing[lês] mess, "messe"»." Alguém tem ideia de haver plantação naqueles prados?
Após um descanso e retemperar forças, o regresso fez-se pela Costa de Sabrosa, passando pela Lomba de Burro, Corga dos Vidros, Sabrosa e Lameira das Ruivas.
Ficam algumas imagens do dia...
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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