quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Trilhos seculares - Pelo Vale do Homem ao Absedo

 


Após uma jornada pelo Gerês profundo, neste dia parti um pouco sem destino ao subir o Vale do Alto Homem. Apetecia-me caminhar e respirar o retemperador ar da montanha, sem ter de pensar muito no caminho a seguir.

Assim, decidi mais uma vez percorrer as paisagens de um dos mais belos vales que o Parque Nacional da Peneda-Gerês tem para nos oferecer: o Vale do Alto Homem.

O caminho ao longo da parte superior do Vale do Rio Homem foi desde sempre utilizado para o acesso aos pastos de altitude. Inicialmente um carreiro de montanha, foi melhorado pelos Serviços Florestais em princípios do século XX e mais tarde utilizado para aceder à concessão mineira do Salto do Lobo (Minas dos Carris).


O percurso inicia-se a uma altitude de 720 metros e rapidamente nos apercebemos que não será um caminho fácil para os mais desprevenidos. A sua dificuldade vai aumentando ao longo do percurso não tanto pela inclinação, mas mais pelo estado do próprio caminho. Em quase 9,8 km de extensão, este é na sua maioria composto por pedra solta que dificulta a progressão. São escassas as extensões em que o terreno é suave.

Na quase totalidade do seu comprimento o caminho é acompanhado pelo Rio Homem e o seu rumor por entre as rochas acompanha-nos quase sempre.

O caminho está inserido num vale de extrema importância para o Parque Nacional da Peneda-Gerês e que está integrado numa das duas áreas de protecção total existentes naquela área protegida, logo, para o percorrer, convém solicitar uma autorização ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.



O percurso pode ser dividido em duas partes: uma parte «inicial» que termina na Ponte do Modorno e após se ter vencido já cerca de 300 metros de altitude por entre pedra solta e alguma vegetação, e uma segunda parte que se vai tornando mais suave há medida que nos aproximamos da Ponte das Águas Chocas, sendo um caminho mais fácil a partir daí e até ao final do planalto onde se inicia a subida final para o complexo mineiro, passando nas Abrótegas e já na Corga da Carvoeirinha. A passagem pela Ponte das Abrótegas é muito fácil e somos presenteados por uma paisagem única que nos leva desde o alto de Lamas de Homem até às alturas do Altar de Cabrões, já na raia.

No início dos anos 90 ainda era possível observar ao longo do Vale do Alto Homem uma linha de postes de madeira sobre os quais assentava o cabo metálico do telefone, que permitia as comunicações com o complexo mineiro nos píncaros da serra. Nos nossos dias são raros os sinais, ao longo do caminho, daquilo que mais tarde iremos encontrar no sopé dos Carris. Tirando os trabalhos mais «recentes» levados a cabo pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês, com o objectivo de melhorar o caminho para a reflorestação de zonas de alta montanha, é possível observar, mesmo no início do percurso, conjuntos alinhados de rochas que marcam o que então foi uma estrada em terra batida que permitia a passagem de camiões para o transporte do minério e não só. 



Ao longo do caminho vamos observando um ou outro pequeno muro, ou um ou outro alinhamento de pedras que nos podem sugerir a existência de uma rude estrada serrana. O primeiro sinal sólido da existência de algo mais complexo na serra, surge-nos junto da zona que dá pelo nome de ‘Água da Pala’. Aqui, observa-se à esquerda do caminho uma área delimitada por um pequeno e baixo muro. Em tempos terá servido de curral para abrigo dos rebanhos. Do lado direito podemos observar uma pequena construção que nos dá a ideia de ser uma pequena guarita, mas que já foi referenciada como um pequeno abrigo dos cantoneiros que mantinham o estradão em estado de circulação. Esta zona antecede uma ponte de pedra. Toda este lugar é extremamente peculiar e bucólico.

Na Água da Pala iniciava-se um trilho de pé posto que atravessava o Rio Homem e subia ao longo do rio pela sua margem direita no sopé da Encosta do Sol até atingir o topo do Cabeço do Modorno, algumas centenas de metros após atravessar novamente o rio sensivelmente à cota de 1.050 metros de altitude. Não havendo registos cartográficos deste carreiro em direcção a Carris, documentos fotográficos atestam a sua continuação para as zonas mais elevadas da serra. Quem observa a Encosta do Sol a partir da Água da Pala, terá a sensação de ainda poder vislumbrar o traçado deste pequeno carreiro que, sem dúvida, nos proporcionaria uma visão distinta do vale. Porém, e após várias tentativas de observar no terreno a sua progressão, cheguei à conclusão de que este trilho já desapareceu e será extremamente difícil tentar seguir o seu antigo percurso, senão mesmo impossível.



Após passar a Água da Pala, o caminho pelo vale entra numa zona mais plana. Até aqui, e olhando para a nossa direita, temos a oportunidade de observar os picos escarpados que delimitam os Prados Caveiros. Esta fase mais plana segue pela Ponte do Cagarouço sobre a Ribeira do Cagarouço, um pequeno afluente do Rio Homem que parece surgir das escarpas da Ravina do Cabeço da Porca. É nesta fase que o caminho se volta a inclinar ligeiramente e ouvimos o rugido do jovem rio a poucos metros de distância. Por entre a vegetação é por vezes fácil ter um olhar sobre lagoas que no Verão são sempre uma forma de retemperar forças.

O caminho ultrapassa a cota dos 1.000 metros de altitude, a poucos metros de entrarmos numa fase do caminho onde vamos superar vários metros de altitude em pouca distância, ultrapassando assim um bom declive. Em Carvalhas Vrinhas, o percurso flecte para a direita no que são conhecidas como as ‘Curvas do Febra’ e em pouca distância subimos 30 metros em altitude antes de flectir para a nossa esquerda. Nesta parte do caminho podemos ter uma imagem do Vale do Homem só superada pela paisagem que nos aguarda poucos metros após a passagem da Ribeira do Modorno. Poucos metros mais à frente entramos numa parte do caminho que é ladeado, à direita, por uma parede sólida de granito e, à esquerda, por uma queda de 50 metros que termina no Rio Homem. O declive aqui é acentuado e notório, mas o esforço para chegar à meia distância merece a pena.


Somos chegados a meio do caminho e o descanso à sombra do Modorno é merecido. A água da ribeira que corre ali perto é sempre fresca e corrente, mesmo no Verão. Ao entrar neste pequeno vale temos a visão de uma pequena queda de água por debaixo da ponte ali existente e são poucos os que resistem a uma fotografia. Situados na ponte em direcção ao final do vale, por onde vemos o Rio Homem, temos à nossa direita o imponente Cabeço do Modorno, uma escarpa granítica que atinge os 1.317 metros de altitude. Conheci todas as pontes até ao Modorno já em cimento, mas o meu fascínio por estes espaços começou a ser despertado pelas velhas pontes de madeira que antigamente permitiam a passagem célere e um tanto ou quanto aventureira.

Logo após abandonar a Ponte do Modorno e seguindo o velho caminho mineiro, vamos encontrar uma das mais fantásticas paisagens que a Serra do Gerês e o Parque Nacional têm para nos oferecer. É com deslumbre que observamos o Vale do Alto Homem e a forma como este se projecta no céu. O seu delimitar pelos picos das serras leva-nos a imaginar, sonhar um mundo antigo. É aqui que nos começam a faltar as palavras... Ao longe vemos a Serra Amarela e com bom tempo facilmente se vislumbram as antenas do Muro localizadas em Louriça, bem como o Alto das Eiras e a Cruz do Touro, já nos extremos Geresianos, ou a magnificência da Quelha do Palão e da Água dos Vidos.

Saindo do pequeno vale da Ribeira do Modorno vamos ter à nossa frente uma estreita queda de água com uma altura superior a 110 metros, a Água da Laje do Sino. Toda este zona nos dá paisagens deslumbrantes em, ou após, dias de chuva com as paredes rasgadas pelos cursos de água que se precipitam no vale, ou então nos frios dias de Inverno com a imagem das quedas de água geladas que se amarram às paredes graníticas.

Prosseguindo ao longo do vale vamos ganhando altitude, atingindo os 1.200 metros de forma suave. Nesta fase o caminho chega a complicar-se devido ao seu estado decrépito. O Rio Homem é, nesta fase, constituído por uma série de pequenos ribeiros que têm origem nos inúmeros vales que golpeiam o topo da serra. Somos chegados ao Vale do Teixo, aos 1.200 metros de altitude. Aqui encontra-se o Curral do Teixo ocupando a denominada "Chã do Teixo". O caminho vai então flectir ligeiramente para a direita seguindo um dos pequenos riachos que, juntamente com o riacho do Corgo dos Salgueiros da Amoreira, forma o Rio Homem. 

A Chã do Teixo é uma zona de interesse peculiar. Com o incêndio de 2 e 3 de Setembro de 2013 registado na zona alta do Vale do Homem e que afectou uma vasta área, muito do coberto vegetal foi eliminado deixando à vista construções e outros elementos que anteriormente estavam escondidos. Isto tornou-se particularmente evidente na Chã do Teixo onde um significativo conjunto de rudimentares construções ficou então perfeitamente visível ao longo do antigo carreiro de montanha que ligava a Portela do Homem (Curral de S. Miguel) com os píncaros serranos. Passados mais de vinte anos sobre o incêndio, o coberto vegetal voltou a regenerar-se, cobrindo as velhas estruturas.

A primeira explicação que nos pode surgir estará relacionada com a exploração de volfrâmio na Serra do Gerês. No livro "Minas dos Carris - Histórias Mineiras na Serra do Gerês' (Rui C. Barbosa, 2013), o "Teixo" surge como o registo mineiro n.º 64 efectuado a 23 de Março de 1943 (ou n.º 4 efectuado a 2 de Abril de 1945) pela Sociedade Mineira dos Castelos Lda. junto da Câmara Municipal de Terras de Bouro (pág. 88 e seguintes). Outros registos (n.º 141 'Teixo 1' e n.º 144 'Teixo 2') são feitos a 5 de Abril de 1943. O facto de haver um registo mineiro não indica necessariamente a ocorrência de uma exploração mineira no local, mas sim a realização de prospecções para determinar o valor mineiro da área. De facto, nunca chegou a ser constituída uma verdadeira concessão mineira e como tal a actividade mineira na Chã do Teixo ter-se-á limitado à realização de sondagens. Nesta altura, o desenvolvimento das infraestruturas mineiras na concessão do Salto do Lobo (que daria mais tarde lugar às Minas dos Carris) encontravam-se numa fase avançada de construção o que por si não implicava a necessidade de se proceder ao dispêndio de tempo e recursos para a construção de infraestruturas (por mais pequenas que fossem) na Chã do Teixo.

Por outro lado, aquela chã foi também em tempos, local de pastagem e de abrigo dos gados. Prova disso é o pequeno curral (Curral do Teixo) que existe na margem esquerda do Rio Homem umas dezenas de metros a jusante da junção das águas da ribeira da Corga dos Salgueiros da Amoreira e do Rio Homem vindo das Águas Chocas.

Comparando o local com a paisagem envolvente, a zona é relativamente plana. A localização dos abrigos está relativamente situada em relação a uma área plana junto da margem do rio. Junto das construções facilmente se encontram restos de cerâmica e de vidro, utensílios e inscrições (Pedra do Rei), testemunho da presença «prolongada» do homem no local. Os abrigos encontram-se em óbvia ruína, com as paredes construídas em pedra solta e atingindo cerca de 0,5 a 1,0 metros de altura, em alguns casos tirando partido de rochas de maiores dimensões para a formação de uma das «paredes» do abrigo.

Por outro lado, a zona esteve sempre associada ao fabrico (utilizando furnas) e venda de carvão que era utilizado nos diversos hotéis das Caldas do Gerês. Note-se que esta actividade é anterior à exploração mineira! Além de ser fabricado no local, contam-se as histórias dos sacos de carvão transportados às costas desde as aldeias e lugares de Pincães, Cabril, Xertelo, etc. e que ali era vendido, atravessando as grandes distâncias subindo as alturas de Palma e percorrendo o Cambeiro e Corga de Valongo, passando os altos de Cidadelhe e baixando para o Vale do Homem utilizando os agora esquecidos carreiros de montanha.

Neste dia a subida do Vale do Homem fez-se ligeira e a manhã ainda ia a meio, por isso o tempo permitia que pudesse prolongar a minha jornada. Lembrando-me da história daquele local, e olhando para a Chã do Teixo, procurei as velhas mariolas que em tempos pudessem indicar por onde entrar, ou sair, da zona. Tímidas e escondidas por entre a vegetação, as mariolas e o velho carreiro lá foi surgindo encosta acima. Atrás de mim, formava-se uma perspectiva nova do Vale do Teixo - e consequentemente do Vale do Alto Homem - onde os familiares contornos do horizonte serrano conhecidos de décadas, iam tomando outras formas. Por outro lado, os altos escondidos para lá das vertentes do vale começavam a assomar-se à paisagem que aos poucos ia ganhando uma nova luz com os raios de Sol a aumentar os detalhes das rugas graníticas.

O caminho levou-me ao topo largo da Corga do Ribeiro do Modorno que por ali corre numa sucessão de minúsculas quedas de água que reflectia a luz do Sol da manhã. De facto, nestes dias de uma Primavera precoce, os pequenos regatos de água descem as vertentes da Água do Cando e dos pequenos altos que encerram o vale. Apesar de já haver caminhado nas próximidades ao passar o Curral do Pássaro e pelo (alto de) Lamas de Homem, o cenário surge-me como uma montanha desconhecida onde apenas tenho de seguir a direcção para chegar ao curral mais enigmático da Serra do Gerês. Porém, antes de seguir caminho, detenho-me por momentos e tento imaginar os dias passados em tempos idos onde a venda do carvão deveria tornar aquelas paragens num pequeno formigueiro de gente. Seria também por aquelas paragens que muito contrabando seria feito com os vizinhos galegos. Escondidos na penumbra da noite, os homens lutavam por trazer um melhor conforto às suas famílias num país onde o fascismo era inclemente e a pobreza reinava em cada lar serrano.

Ladeando a imensa corga, o caminho ganha altitude a cada passo e a Ribeira de Modorno afunda-se na sombra projectada pelas paredes do vale. Caminhando pela Encosta dos Cabrões, o maciço rochoso do Modorno avoluma-se como um titã adormecido; o colosso granítico vigia o vale com as suas paredes nuas e alcantiladas de rocha estéril. A visão que se desenrola perante mim, é a das grandes montanhas e dos profundos vales, é a das grandes jornadas pela serra e das pinturas de sentimentos que se espalham pela paisagem, são as montanhas do Gerês em todo o seu esplendor e pujança. É a Natureza bruta, em bruto!




Serpenteando por pequenas corgas, ora subindo e descendo, o carreiro vai-me levar ao peculiar Curral de Absedo, zona de paragem das tribos que em tempos seriam nómadas na Serra do Gerês. É nesta zona onde encontramos as figuras rupestres do Absedo. Datadas entre IV e o I milénios a.C., as figuras são um dos grandes enigmas da Serra do Gerês. 





A 11 de Julho de 2012 tive a felicidade de descobrir uma série de figuras rupestres até então desconhecidas. Aqui, vivi o êxtase da emoção da descoberta e a prova definitiva que a Serra do Gerês tem muitos segredos para nos revelar.

Aquando da minha descoberta, era usual a denominação popular de 'Obsedo' para o Curral de Absedo. Posteriormente, e após a análise gráfica de um mapa de Tude de Sousa bem como dos registos existentes em Pincães, adoptou-se a verdadeira designação de 'Absedo'. No entanto, o artigo a seguir foi elaborado ainda utilizando a designação de 'Obsedo', que não é verdadeira.

O seguinte texto é da autoria de Armando Redentor, Mário Reis e Lara Bacelar Alves, e descreve a notícia da descoberta das figuras rupestres existentes em Absedo intitulada "I expedição arqueológica à Serra do Gerês no século XXI - As Gravuras Rupestres de Obsedo".

O sítio de arte rupestre de Obsedo foi descoberto ocasionalmente, em meados de 2012, por Rui Barbosa, residente em Braga e frequentador habitual das altas serranias do Gerês. Tendo comunicado aos serviços do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG), em 19 de Julho desse ano, a existência de uma gravura rupestre numa remota localização daquela serra, deslocaram-se ao local, em 21 de Agosto, técnicos do Departamento de Gestão de Áreas Classificadas do Norte (DGAC-N) do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), nomeadamente um dos signatários [AR] e o engenheiro florestal Jorge Dias, acompanhados pelo informante. O objectivo dessa visita foi no sentido de se proceder ao reconhecimento do sítio arqueológico, bem como à sua rigorosa localização e caracterização preliminar. Tendo-se constatado estar perante um motivo circular comum na designada Arte Atlântica, dessa primeira incursão resultou ainda a descoberta de outros motivos gravados em superfícies adjacentes

Em face do reconhecimento de um sítio de arte rupestre inédito, inclusive pela sua localização geográfica, e tendo-se a convicção de que a sua compleição seria mais vasta, nomeadamente quanto ao número de superfícies gravadas, tornou-se evidente a necessidade de uma avaliação mais detalhada, uma vez que os vestígios identificados apontavam, desde logo, para um sem-número de questões, concretamente nos planos interpretativo e cronológico, e configuravam um substancial interesse científico e cultural, complementares ao já elevado valor atribuído ao património natural daquela área.

A pertinência de um estudo mais circunstanciado do sítio e das manifestações artísticas associadas evidenciou a vantagem de colaboração com especialistas no estudo deste tipo de arqueossítios, ampliando-se a capacidade técnico-científica para se proceder a um estudo mais aturado.

Realizou-se uma nova incursão ao local no dia 17 de Setembro de 2012, incluindo agora a totalidade dos signatários, acompanhados pelo engenheiro florestal Jorge Dias e pelo sr. António Rebelo, igualmente afecto ao DGAC-N.

(...) Trata-se, efectivamente, do primeiro complexo de arte pré-histórica identificado, até ao momento, em todo o contexto montanhoso da Serra do Gerês. O sítio encontra-se dentro dos limites da Mata Nacional do Gerês, área de ambiente natural, com o regime de Área de Protecção Total conferido pelo Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês (Resolução do Conselho de Ministros 11-A/2011, de 4 de Fevereiro). Administrativamente, pertence à freguesia de Campo do Gerês, concelho de Terras de Bouro, distrito de Braga.




Enquadramento geográfico

A área de implantação das gravuras rupestres de Obsedo inscreve-se no troço inicial da bacia hidrográfica do rio Homem, a cerca de três quilómetros em linha recta da sua nascente, que se localiza no sector mais elevado da serra do Gerês, na zona de Carris, à cota de 1450 m.

Assumindo rapidamente uma direcção quase rectilínea de Leste para Oeste, o rio Homem rasga caminho numa profundíssima garganta aberta nos duros granitos da serra. Apenas oito quilómetros a jusante da nascente, na Portela do Homem, encontra-se já a uma cota inferior aos 750 m, configurando, assim, uma acentuada e impressionante queda de quase 100 m por quilómetro. Após a Portela do Homem, uma importantíssima via natural de acesso pelo meio das serranias que preenchem todo este território entre o Alto Minho e a Galiza, o rio dirige-se para Sudoeste, tornando-se gradualmente mais plácido.

Sobranceiro à depressão natural eleita para a construção da estrutura circular do Curral de Obsedo, o conjunto de superfícies decoradas encontra-se numa zona de declive suave, relativamente abrigada, flanqueada por uma linha de água, a poucas centenas de metros da sua nascente e, na direcção oposta, a distância similar do início do declive abrupto ditado pelo vale do rio Homem, com desnível na ordem dos 400 m. Esta linha de água corre imediatamente a Leste da ribeira do Cagarouço, entre esta e a ribeira de Madorno, integrando assim a densa rede de afluentes da margem esquerda do Homem.



As gravuras rupestres distribuem-se por um enorme afloramento granítico com perfil em forma de cunha e planta aproximadamente rectangular, com cerca de 200 m de comprimento e poucas dezenas de metros de largura. Esta vasta superfície apresenta um eixo longitudinal orientado de Sudeste (no ponto mais elevado) para Noroeste (no ponto mais baixo), acompanhando a linha de água. A sua cota média rondará os 1340 m.

O afloramento assemelha-se a uma imensa língua rochosa, composta por um contínuo de superfícies lisas e planas, dispostas em patamares, apresentando algumas irregularidades e saliências nos rebordos laterais.

As gravuras ocupam diferentes zonas individualizáveis ao longo da vasta superfície central do maciço e no seu rebordo sud-ocidental, que, mais à frente, se designam por “painéis”.

O suporte geológico, um granito porfiróide ou de tendência porfiróide de grão médio a grosseiro, biotítico, conhecido por “granito do Gerês” (MOREIRA e RIBEIRO, 1991), impõe alguma variabilidade ao aspecto e textura superficiais das rochas, que se apresentam bastante uni formes nalgumas zonas e noutras mostram irregularidades decorrentes de degradação granular superficial. São relativamente frequentes os longos e estreitos veios de quartzo e feldspato. Em certas zonas, aparecem apenas os seus negativos, indiciando que se destacaram da rocha devido a fenómenos erosivos, sendo que se apresentam nas superfícies como depressões estreitas e alongadas, muito semelhantes aos sulcos gravados. Impõe-se, invariavelmente, a observação cuidada da morfologia interna de ambos para destrinçar as irregularidades naturais das que têm origem antrópica.




Descrição e caracterização no núcleo de arte rupestre de Obsedo

A expedição realizada no dia 17 de Setembro de 2012 teve como objectivo principal o reconhecimento do terreno e das gravuras rupestres previamente detectadas e, simultaneamente, pretendia também a recolha de um conjunto de dados que permitisse consubstanciar a elaboração de um futuro projecto de investigação arqueológica. No total, foram inventariados sete painéis que se distribuem por dois grupos distintos. Os painéis 1, 2 e 3 encontram-se próximo da extremidade Noroeste do maciço rochoso, os restantes, a uma cota mais elevada, junto da extremidade Sudeste. As observações realizadas permitem apresentar um inventário descritivo preliminar de cada um deles.

O painel 1 ostenta a que podemos chamar de “gravura da descoberta”. Trata-se de um motivo de grandes dimensões e é visualmente bem perceptível. Encontra-se isolado no centro de uma ampla plataforma horizontal e rebaixada que constitui o rebordo ocidental do maciço e que é delimitada, pelo lado oposto, por uma elevada parede vertical.

Com a visibilidade assim fechada a Nascente, esta plataforma configura uma espécie de varanda sobre a paisagem a Ocidente, com um amplo domínio sobre o vale do Homem, vislumbrando-se a abertura da Portela do Homem.

O único motivo gravado neste painel é uma imponente combinação de círculos concêntricos, sem covinha central e delimitada externamente por arco(s) de círculo, com cerca de 1,80 m de diâmetro. Se a percepção visual desta grande figura circular é aparentemente fácil e imediata, os líquenes que a recobrem e o extremo desgaste de alguns dos seus traços, aliados a uma certa irregularidade técnica inerente à própria composição, dificultam a enumeração dos anéis concêntricos que a compõem, que serão no mínimo de cinco. O acesso a esta superfície faz-se pelo lado setentrional do maciço, passando-se pelo painel 2, do qual dista c. 25-30 m para Sul.

O painel 2 situa-se na zona setentrional do maciço e a partir desta superfície pode seguir-se para a direita, na direcção do painel 1, ou para a plataforma superior, a Sul, para alcançar o painel 3 e, a partir daí, os restantes. Este é, na verdade, o primeiro que se detecta no conjunto para quem acede ao maciço rochoso desde o pequeno vale que limita o afloramento a Norte.

A superfície gravada está levemente inclinada para Noroeste, detendo um campo de visibilidade similar ao do painel 1 para Oeste, mas dominando ainda o corredor natural de entrada para o amplo lameiro onde se situa o Curral de Obesdo. Apresenta também um único motivo, compósito, de difícil percepção, muito degradado, como atesta a escassa profundidade do sulco conservado (2-3 mm). Corresponde a uma figura oval que delimita uma superfície ligeiramente alteada no suporte e se encontra rodeada, por baixo e pelos lados, por um conjunto de pelo menos quatro linhas paralelas, formando cada uma um arco de círculo, parecendo arrancar, do lado Poente, de uma fissura natural do suporte. A figura tem como dimensões máximas 1,60 m no eixo Este-Oeste e 1,10 m no eixo Norte-Sul.


O painel 3 pode ser localizado por quem sobe o maciço a partir do painel 2, encontrando-se numa plataforma superior, configurada por uma linha de quebra que o corta lateralmente e forma uma parede rochosa cuja transposição não apresenta dificuldades. Este painel encontra-se no rebordo Norte da linha de quebra, imediatamente sobre o ponto natural de acesso, e apresenta unicamente três covinhas dispostas em triângulo, com 5, 8 e 9 cm de diâmetro e profundidades que oscilam entre 1,5 e 0,7 cm. A partir daqui, seguindo para a direita, alcança-se de imediato o limite superior da plataforma sobre o painel 1, tendo, desde este ponto, a melhor perspectiva sobre o círculo gravado.

Caminhando-se em frente e para cima acede-se às restantes superfícies decoradas. O painel 4 ocupa uma superfície quase horizontal, levemente descaída para Noroeste. Apresenta um único motivo de grandes dimensões, muito desgastado e de difícil visualização, consistindo numa composição formada por diversos segmentos de círculo paralelos que partem de um sulco linear superior disposto horizontalmente. Mede cerca de um metro no sentido Norte-Sul e 1,5 m no sentido Este-Oeste. Considera-se que detém algumas semelhanças formais com o motivo do Painel 2, embora se verifique a ausência da oval superfície e a existência de maior número de linhas curvas paralelas, que ultrapassa a dezena.

O Painel 5 encontra-se no seguimento do anterior, separado deste por uma diáclase. É o painel com maior grau de inclinação entre os já identificados. As gravuras consistem em três sulcos lineares, com 34 m de comprimento, dispostos ao longo da rocha e seguindo o seu declive natural, mas sem relação óbvia uns com os outros. Têm todos alguma sinuosidade, em particular o inferior, colocado de forma a aproveitar o rebordo do painel, sendo o único que apresenta um profunda covinha a interromper o sulco.

O painel 6 é, sem dúvida, o que apresenta os motivos mais originais e peculiares de todo o conjunto. Encontra-se um pouco acima do painel 5, mas lateralmente, sobre o rebordo do maciço. A superfície quase horizontal separa-se em duas partes por uma fissura e apresenta cotas ligeiramente desniveladas. Os motivos encontram-se dispostos em sequência, em grupos de dois, e alinhados sensivelmente no sentido Norte-Sul. Um grupo de motivos situa-se junto ao rebordo Poente, outro cerca de 3,5 m para Nordeste do primeiro e o último encontra-se mais afastado do rebordo. Todas as figuras apresentam idêntica dimensão e morfologia. Medem cerca de 50-60 cm de comprimento e 30 cm de largura, conformando uma oval larga, rebaixada na superfície da rocha, em cujo interior, seguindo o eixo longitudinal, foi delimitada outra oval em relevo, mais estreita. No interior desta gravura gravou-se sulco fundo e rectilíneo. Num dos casos, este sulco interno aproveita e segue uma linha de fractura natural.

Por fim, ligeiramente afastados destes motivos, e colocados mesmo no rebordo natural do maciço rochoso, encontram-se alguns pequenos entalhes artificiais de forma rectangular ou arredondada, de funcionalidade desconhecida.

O Painel 7 situa-se numa zona mais meridional do maciço rochoso, no seu sector mais elevado. Tem uma superfície quase horizontal, de textura extremamente irregular, que dificulta sobremaneira o discernimento dos contornos do motivo gravado. Este configura uma representação de contorno subquadrangular com cantos arredondados, embora haja dificuldade em compreender se se trata de uma figura aberta ou se apresentaria organização simétrica, encontrando-se o lado direito muito degradado ou apenas esboçado. O contorno, irregular, é definido por três sulcos dispostos genericamente em paralelo, embora o sulco exterior se afaste alguns centímetros dos demais no lado meridional da figura.


Considerações gerais sobre o acervo

Na sequência dos resultados obtidos nas visitas de reconhecimento é possível, aprioristicamente, tecer algumas considerações sobre o conjunto em apreço.

Em primeiro lugar, analisando a sua distribuição ao longo do afloramento rochoso, há uma sugestão de intencionalidade e relação mútua na distribuição das gravuras pelos diferentes painéis. Desde logo, pela forma como as várias superfícies decoradas surgem naturalmente aos olhos do observador à medida que se percorrer o grande maciço. A excepção é a combinação de círculos concêntricos do painel 1. A sua localização é a mais espectacular do conjunto, parecendo existir algumpropósito em tornar esta figura, de certo modo, distintiva. Pese embora se situe numa plataforma "fechada" naturalmente, com um único acesso pelo corredor Norte, é a única passível de ser visualizada de diferentes ângulos e pontos de observação, nomeadamente a partir da superfície superior, detendo-se daí uma perspectiva "aérea" do seu enquadramento e da sua morfologia.

O posicionamento das três covinhas do painel 3 precisamente no ponto específico de acesso à plataforma superior também não parece ser casual, fazendo a transição entre os dois grupos de painéis e indicando, simultaneamente, o caminho para a posição privilegiada de observação sobre o motivo circular do painel 1.



Outro factor de unidade prende-se com o facto de a maioria dos painéis apresentar um único motivo, normalmente de grandes dimensões (painéis 1, 2, 4 e 7) ou, quando há mais do que um, eles se repetirem (três covinhas no painel 3, três sulcos no painel 5, seis motivos idênticos no painel 6). Não se verifica a presença de tipologias repetidas de painel para painel, mas há um "ar de família" que parece unificar todo o conjunto, pelo estilo e técnica de execução das gravuras. A excepção estará, talvez, na ambiguidade e originalidade dos motivos do painel 6. Esta possível unidade de grupo não significa necessariamente que todas as representações sejam coetâneas em absoluto. Sugere, sim, que pertencem a um mesmo período cultural e que a sua implantação espacial poderá não ser aleatória mas estar mutuamente relacionada, embora não haja argumentos para afirmar se a sua execução perdurou no decurso de um tempo curto ou longo.

Atendendo às características estilísticas das maioria das gravuras presentes, de cariz abstracto, geométrico, com recorrência de contornos curvilíneos, e à sua técnica de execução, diríamos que esse "ar de família" se enquadra na tradição de Arte Atlântica do Noroeste Peninsular. Aliás, a Serra do Gerês posiciona-se no limite oriental da área de distribuição desta tradição, que se estende desde a fachada atlântica da Galiza à Beira Litoral portuguesa. Os sítios inventariados com arte rupestre a ela pertencentes geograficamente mais próximos de Obsedo situam-se nas faldas ocidentais da Serra Amarela, entre os quais se destaca o Penedo do Encanto / Bouça do Colado, estudado por António Marinho Baptista nos finais dos anos 70 e inícios dos anos 80 do século transacto.




A composição de círculos concêntricos do painel 1 encontra paralelos em inúmeros motivos similares em toda aquela região, embora as suas grandes dimensões sejam apenas comparáveis, no contexto dos sítios portugueses, com os que ocorrem em Monte dos Fortes I, na região de Valença, embora estes não ultrapassem 1,20 m em diâmetro, ainda que contenham maior número de anéis do que o exemplar em apreço.

Podemos assim propor uma datação pré-histórica para o sítio de Obsedo, não sendo possível maior detalhe cronológico, embora se adi ante que, em sentido lato, a tradição de Arte Atlântica, cujo enquadramento temporal é ainda tema de aceso debate, se poderá balizar entre o IV e o I milénios a.C., ou seja, abrangendo um vasto período da Pré-História Recente.

Neste momento, não será possível, em face do seu ineditismo no contexto do Noroeste peninsular, classificar com exactidão os motivos do painel 6. Mas o modo como estão representados na rocha indubitavelmente lembra a representação da genitália externa feminina. É provável que haja, de facto, um cariz sexual nestas representações, ainda que a sua intencionalidade seja enigmática.

É também difícil aferir a relação do painel 6 com os restantes: fará culturalmente parte do conjunto, ou será algo individualizável, cultural e/ou cronologicamente apartado dos restantes motivos? Estes motivos apresentam um grau de desgaste similar aos demais, mas a técnica de gravação, em baixo relevo, é distinta.

Também a sua implantação muito junto ao limite do maciço, que ali define uma quebra vertical de vários metros e condiciona o movimento do observador, é diferente, assim como a sua possível associação aos entalhes no rebordo rochoso, inexistentes nos restantes painéis.





Conclusão

Em suma, o sítio de Obsedo pode incluir-se na tradição de Arte Atlântica do Noroeste Peninsular, com a incógnita relativa aos motivos do painel 6.

Não é, no entanto, um sítio típico. Apresenta características muito próprias, quer ao nível do reportório iconográfico, quer da distribuição das figuras no suporte e relação espacial que estabelecem entre si.

Uma das suas originalidades prende-se com as grandes dimensões dos motivos gravados que parecem acompanhar e moldar-se ao gigantismo da paisagem granítica da serra.

A implantação espacial deste conjunto é também pouco usual. Os sítios de tão elevada altitude são raros ou inexistentes, embora esse desconhecimento se possa simplesmente dever à escassez de investigação realizada nestes ambientes. Talvez o isolamento do sítio no alto da serra do Gerês seja responsável pelas suas peculiaridades: uma “originalidade serrana”, poderíamos dizer.

A criação deste conjunto poderá eventualmente relacionar-se com o aproveitamento e exploração sazonal dos recursos naturais do alto da serra, talvez não muito distantes daqueles que, tradicionalmente, as comunidades locais mantiveram até há algumas décadas atrás. Apenas nos é consentido especular sobre a origem e os territórios das pessoas que criaram estas gravuras e viveram neste espaço, mas a sua implantação num maciço destacado, visualmente imponente, num local com uma tão forte relação paisagística com o vale superior do Homem, e a percepção longínqua da Portela do Homem, sugerem que possa ter sido delineado, a partir desta, o trajecto principal de acesso ao sítio. E talvez aqui possa residir a chave para uma melhor compreensão do sítio.

Entre a Portela do Homem e Absedo há um forte potencial para a identificação de arqueossítios, incluindo novos núcleos de gravuras rupestres. Obsedo pode constituir, assim, um ponto de partida para uma investigação espacialmente mais alargada, o que permitirá esclarecer se o sítio é uma singularidade ou se está adscrito a conjunto local, e se as peculiares gravuras do painel 6 são ou não únicas, e de que forma se inserem no contexto da arte rupestre da região.

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Na minha neste dia de Inverno primaveril, resolvi parar no Curral de Absedo para retemperar forças antes da parte final da jornada. Sentado junto do muro central que divide o curral circular em duas metades, muro esse orientado na direcção Nascente - Poente, senti o leve calor do Sol a aquecer a pele por entre as leves brisas de um ar frio a fazer lembrar que os dias no calendário são de Inverno. Naquele local, o silêncio aprofunda-se quando a brisa leva o cantar da Ribeira de Absedo para mais longe. Incentivados pelo ténue calor, os poucos insectos voadores dão um ar efémero da sua graça e aqui e ali, despontam por entre a erva umas precoces flores - atrevidos narcisos ou coloridas noselhas.




É então hora de retomar a marcha. Retesam-se os músculos das pernas, mochila às costas e o ar frio enche os pulmões. O caminho levou-me a passar no bordo da imensa e profunda Corga do Cagarouço (Cagarrouço) que se despenha desde a Ravina da Cova da Porca até à margem esquerda do Rio Homem. A Serra é feita de grandes espaços para os quais somos demasiado pequenos...

Passando junto (do alto) da Torrinheira - ou Cabeço da Cova da Porca - tomei um velho carreiro que me levaria pela corga paralela à Corga de Premoim, seguindo velhas mariolas, até encontrar o já tantas vezes percorrido caminho para os Prados da Messe através do Rendeiro. A parte final da jornada seria feira subindo à Lomba de Burro e baixando a Corga de Sabrosa passando pela Lameira das Ruivas.

Ficam algumas fotografias do dia...

















Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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