Esta foi uma caminhada de montanha que nos deu caminhos fáceis, traçados épicos e paisagens únicas no Parque Nacional da Peneda-Gerês.
O longo caminho iniciou-se na pequena aldeia de Xertelo que vigia tranquilamente o Vale do Rio Cabril. José Dias Batista, no seu livro "Toponímia de Barroso" (pág. 77), refere dá-nos uma interessante explicação acerca do topónimo 'Sertelo' que deveria ser utilizado em vez de 'Xertelo'. Assim, o autor explica que "só pode ser deserto+elo. Do adjectivo latino desertus, inculto, selvagem, pelo que se subentende espaço ou 'terreno' deserto. Dado que os conjuntos silábicos soam todos surdamente não admira que acontecesse uma aférese do 'de' inicial com o consequente deslocamento da tónica após a anexação sufixal 'elo'. É difícil encontrar um topónimo aplicado com mais propriedade que este! Já tinha esta forma em 1531, mas a ignorância pretensiosa das nossas principais cartas geográficas vai obrigando a escrever Xertelo e outras barbaridades idênticas visto que os académicos não conseguem ou não querem pronunciar o nosso s! São mais que horas de lhe devolver o nome certo!"
O topónimo é aplicado tanto à aldeia como ao marco geodésico nas proximidades e, havendo vontade, talvez fosse altura de o corrigir.
A jornada fez-se seguindo o traçado do Trilho dos Poços Verdes do Sobroso (PR9 MTR) que passa junto do curioso moinho de cubo vertical à entrada da levada que nos levaria até à estrada florestal nas imediações do vale do Ribeiro do Penedo. Aqui, tomamos a estrada florestal aberta nos anos 50 pela Companhia Portuguesa de Electricidade para a construção das represas que, mediante um conjunto de túneis, conduzem a água do diversos ribeiros para a Barragem de Paradela.
A estrada percorre a encosta da Bela do Lobeiro, descendo à Ponte das Lajes dos Infernos, seguindo depois pela Corga das Quebradas até encontrar um conjunto de mariolas que nos fará subir o Peito do Galo até ao Lago Marinho.
Ao longo da subida o cenário é soberbo! À medida que a Corga de Sobroso se afunda na paisagem, os altos serranos encrespam-se, tomando o seu lugar no dicionário das exaltações que vamos procurando a cada paragem para recuperar do esforço. A parte inicial da subida mostra-nos outra perspectiva das escarpas das Lajes dos Infernos onde parecemos vislumbrar misteriosas cavernas quase inacessíveis. Os efeitos de luz e sombras, tornam aquele cenário misterioso e digno de contemplação. Lá ao fundo, a Corga de Sobroso curva-se e esconde-se para lá da Terra Brava, percorrida pelas torrentes do nervoso ribeiro que vai criando e escavando poços numa acção de milénios ao longo do seu leito. Os Chamiçais surgem como o eterno vigia de toda a paisagem numa contorção de rugas, covas e corgas que são típicas da Serra do Gerês. Subindo ao longo da crista, o nosso horizonte vai-se afundar na magnífica e profunda Corga de Pena Calva rodeada pela Ladeira de Chamiçais e pela Ladeira de Pena Calva. Estamos mergulhados nas magníficas paisagens graníticas da Serra do Gerês onde os diversos aspectos da Natureza se conjugam numa harmoniosa orquestra de emoções.
A dura subida vai terminar no Lago Marinho, local único no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Carlos M. Ribeiro (que erradamente a refere como 'Lagoa do Marinho'), o Lago Marinho está "(...) situada no sector sudeste da Serra do Gerês, dentro da bacia de drenagem do ribeiro do Couce (afluente do rio Cabril), a Lagoa do Marinho é uma área endorreica - o escoamento das águas faz-se através de uma depressão interior, sem saída para o mar.
Parte da sua área envolvente está ocupada por uma moreia terminal em forma de arco. Para os menos conhecedores da matéria, as moreias são um amontoado de sedimentos com diversas dimensões, que foram transportados e acumulados pelo glaciar à frente e aos lados da língua glaciar, até quando e onde este se fundiu. Quando observadas ao pormenor, permitem a reconstituição do movimento glaciar, e são um indicador fundamental dos limites de máxima extensão da glaciação. Significa isto que, o limite de um dos glaciares que ocupou a Serra do Gerês, foi a Lagoa do Marinho.
Com uma orientação nne-ssw, esta é ocupada por uma turfeira com cerca de 100 metros de comprimento por 50 metros de largura. A título de curiosidade, as turfeiras são habitats naturais de elevado valor biológico que ocorrem em biótopos permanentemente encharcados. São consideradas um dos maiores reservatórios de carbono do planeta, e a acumulação do CO2 é vista como uma das alternativas para atenuar o aquecimento global - na sua maioria são atapetadas por musgos (género Sphagnum), onde coexistem também bolas de algodão (Eriophorum Angustifoliumas), Urzes (Calluna Vulgaris), Tojos (Ulex Minor) e plantas insectívoras como a Orvalhinha (Drosera Rotundifolia).
Topograficamente, esta lagoa posiciona-se dentro de uma área de relevo aplanado sobre um substracto granítico a cerca de 1200 metros de altitude. (...)."
Após uma breve visita ao Lago Marinho, e de um vislumbre dos Currais de Lagoa (Para um estudo dos currais de Lagoa e do Couço em Cabril), seguimos na direcção do Abrigo de Lagoa onde se fez um pequeno descanso antes de enveredarmos pela parte seguinte da jornada: a Mina de Borrageiros.
Saindo em direcção a Norte, o caminho leva-nos por paisagens de velhos glaciares, passando por chãs e nas imediações de velhos currais. De repente, por entre a vegetação, surge-nos o vislumbre de uma velha ruína: a Casa do Padre Júlio. Hoje conhecida como a 'Casa do Padre', em Couço, Cabril, as ruínas que ali vemos são muito antigas e a sua história perde-se já na penumbra da memória, mas alberga a história de um padre que por ali andou fugido.
Nos princípios do século XX, havia um padre na freguesia de Cabril que se chamava Júlio e que era da freguesia próxima de Ruivães. Em tempos, o Padre Júlio tinha sido capelão da monarquia e como em Portugal a República tinha sido recentemente proclamada, o padre viu-se acoitado pelos repúblicanos. Como o padre Júlio era um fervoroso adepto da monarquia, passou então a ser perseguido e a determinada altura os guardas invadiram a igreja para o prender.
Felizmente, a população escondeu o infeliz padre e lhe colocou uma croça, levando-o serra a cima dissmulado por entre as escarpas e penedias, até à casa rústica que já existia então no Couço, pois nessa altura ainda não existia o Abrigo de Lagoa, somente o forno. A partir dessa altura a casa passou a ser designada pela Casa do Padre, e apesar de pertencer a freguesia de Cabril, a casa foi utilizada até meados do século XX pelas gentes da freguesia, nomeadamente pelos caçadores quando faziam as caçadas (batidas) aos lobos e aos corços.
Há já muitos anos abandonada, nos nossos dias a casa é uma ruína da memória de dias passados no isolamento da serra nos tempos onde as distâncias se mediam em saudade. Estas são pequenas histórias que a oralidade vai passando de pais para filhos, de avôs para netos, e que nos ajudam a preencher o belo quadro que é a História da Serra do Gerês. Lendas e mitos que foram surgindo nas longas noites de invernia, contadas ao calor do borralho enquanto que o vento uivava lá fora e a neve ia preenchendo os cantos dos portados (esta história foi-me contada pelo Ulisses Pereira, de Cabril.
Deixando as ruínas para trás, surge-nos então a pequena corga que desemboca no Curral do Couço e que no seu topo abriga as ruínas da mineração em Borrageriros.
O manifesto mineiro para a mina de ‘Borrageiros’ foi entregue na Câmara Municipal de Montalegre a 18 de Setembro de 1916 por José Frederico Lourenço da Cunha, de 32 anos e residente em Caminha, que descobriu naquele local por inspecção de superfície uma mina de volfrâmio e outros metais. O ponto de partida para a demarcação da concessão mineira 949 ficou definido a 300 metros a partir do alto dos Borrageiros medidos no rumo nascente, seguindo até ao Penedo Redondo, daqui até ao Ribeiro do Couce e o curso do mesmo ribeiro até à sua nascente, confrontando pelo nascente com o marco geodésico de Chamições (Chamiçais), do poente com Carris, do Norte com Matança e do Sul com Cidadelha (Cidadelhe). Por endosso, a mina seria cedida a Paul Brandt, cidadão suíço de 37 anos residente no Porto, e a António Lourenço da Cunha, de 43 anos residente em Caminha e gerente da Empresa Hidro Eléctrica do Coura, Lda. Em Outubro os vários filões são estudados pelo Professor F. Fleury, do Instituto Superior Técnico, o qual procede à recolha de amostras que submete para análise pelo Professor Charles Laspierre. Em Novembro, Paul Brandt e António Lourenço da Cunha, requerem o reconhecimento oficial do jazigo. O Engenheiro Chefe de Repartição de Minas, Manuel Roldan y Pego, emite os éditos de concessão a 17 de Novembro, sendo publicados no Diário do Governo a 22 de Novembro de 1916.
Sem meios de acesso para viaturas, os trabalhos na mina sempre foram rudimentares e inicialmente executados à superfície. O minério obtido no Verão de 1917 era transportado por muares para a casa do juiz de paz de Cabril, José Maria Afonso Pereira, onde ficava depositado. No local da mina não existiam habitações confortáveis e capazes de resistir aos rigores invernais da Serra do Gerês. Após os primeiros trabalhos no Verão de 1917 onde terão sido obtidos cerca de três toneladas de minério, os dois detentores do registo mineiro solicitam a 26 de Dezembro que lhes fosse permitida a transferência do minério para Frades do Pinhedo.
A Mina de Borrageiros tem assim uma história mais antiga do que as Minas dos Carris, porém, infelizmente, parte dela perdida para sempre.
Foi nas imediações do secular complexo mineiro onde finalmente se fez uma mais larga paragem para o almoço, antes de se retomar a marcha passando então pelo velho Curral dos Sargaços - com o seu forno pastoril alagado, chegando então à estrada florestal que nos levaria de volta a Xertelo passando pelos Currais de Virtelo e Corga das Quebradas, seguindo então o traçado de volta do Trilho dos Poços Verdes do Sobroso e terminando esta caminhada promovida por RB Hiking & Trekking.
Ficam algumas fotografias do dia...
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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