quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Trilhos seculares - Sabrosa e Prados da Messe

 


A luz que entrava pela porta entreaberta, indicava que o dia nascera sem chuva. As previsões assim o diziam. Por entre o torpor do despertar, o calor tépido dos lençóis de estação e o conforto da Freya, correu por mim uma preguiça. Esse Adamastor tormentoso que nos faz recordar os «incómodos» da caminhada pela montanha... o cansaço, o frio, a humidade que se entranha nas roupas suadas. "Queres mesmo tudo isto?"

A luta contra o conforto e a preguiça matinal, é o primeiro obstáculo que vamos superar nestes dias em que o Sol nasce quase tão preguiçoso como nós. Pelo nosso despertar, a Freya é a primeira a enfrentar o dia. No instante seguinte, desligo o despertador momentos antes do berreiro matinal. Por entre ronronares, miares e arrepios, lá me arrasto para a realidade e início o processo de existência mundana.

Gatos alimentados, porta aberta e animais no mundo. Escolha de roupa, pequeno-almoço e mochila pronta... vamos lá!



A caminhada levar-me-ia pelas paisagens de Outono da Mata de Albergaria, Encosta de Sabrosa acima e pela beleza eterna dos Prados da Messe. Para chegar ao ponto de partida, a Portela de Leonte, evito a miserável e decrépita Estrada da Geira. Conduzir por entre buracos da chuva, evitando uns para cair noutros, torna-se já um exercício sem piada... para mim e para o carro! Assim, faço a Estrada Panorâmica das Voltas de São Bento tendo como recompensa o mar de nuvens sobre o Rio Cávado e sobre o Rio Gerês.

Carro parado, mochila às costas, pois a jornada começa (pasme-se!) sem chuva! Assim continuou até chegar à Lameira das Ruivas já depois da Costa de Sabrosa, mas por enquanto caminho sobre folhas de carvalho por entre o silêncio da Natureza. Por estes dias, o Outono apressa-se e não tardará que chegarão os dias com um prenúncio de gelo. Porém, as cores quentes do Outono ainda resistem aos dias de chuva e vento que vão despindo as árvores e preparando a paisagem para os dias de Inverno que, eventualmente, chegarão.

Após todos estes anos

Após todos estes céus

Estarás aqui

Quando o Inverno chegar




Por entre os bosques mais belos da Criação, caminho por entre memórias da tua ausência num exercício de solidão que me leva a absorver todos os sentidos. O restolhar das folhas no chão e nos ramos das árvores que dançam na brisa leve que percorre a estrada, criam a banda sonora perfeita a cada momento. "Silêncio que se vai tocar a Natureza!" Porém, em breve serão os fantasmas das horas mortas passadas ao calor da lareira, escutando a chuva nas vidraças da janela nos momentos da longa noite que se aproxima.

O passar na Água da Adega faz-me parar por alguns minutos a contemplar a bela faia que a cada dia que passa, vê as suas folhas esmorecerem. São encruzilhadas do tempo que não perdoa a sua marcha eterna. Em breve, serão sombras no vento e apenas memórias nas margens do rio Outono.



De passo certo e ligeiro, chego ao princípio da longa subida que me levará pela Encosta de Sabrosa. "As vezes que já subi isto! Não tens juízo?!" A verdade é que não tenho, mas nesta altura surge aquele segundo obstáculo que nos tenta fazer voltar atrás... "Isto vai custar!" E o coração apressa-se em batimentos cada vez mais fortes. Os músculos das pernas gritam e o casaco, tão confortável até há pouco, torna-se quente demais. Faz-se uma paragem e prepara-se de novo a subida.

A paisagem é sublime! O espectáculo de cores que embeleza o coração do nosso Parque Nacional é soberbo! É o verdadeiro «ponto de açúcar» da paisagem! A Encosta do Ranhado parece vestida para uma ocasião solene, banhada numa palete de cores de fogo com as faias a dominar a paisagem. O mesmo acontece com a Costa da Bemposta e parte do Colado Seco. Mesmo a Pena Longa parece ter um vestido de cores quentes. Continuando a subir...


O Vale do Rio do Forno faz-nos lembrar um recanto jurássico e por vezes imaginamos animais do passado nas suas profundezas. As encostas do vale elevam-se em direcção aos cumes que em breve estarão encobertos com as nuvens que se aproximam do Poente. Como um cenário para lá da Muralha de Gelo nos contos fantásticos de George R.R. Martin, uma música começa a soar. Não imaginamos mortos-vivos, mas o passo apressa-se para chegar ao abrigo dos Prados da Messe. O cenário torna-se invernal e o dia entardece em mim.

Na volta do caminho, o vislumbre das cabras-montesas que mais uma vez surgem nestes cenários de montanha... bem como a chuva que desta vez cai como neve. Caminho agora por entre o nevoeiro e passando a Lameira das Ruivas e a Lomba de Burro, desço então para os Prados da Messe onde fico pouco tempo, pois a fonte estava seca e necessitava de água. Rumei então para o Prado do Conho, onde finalmente descansei antes de prosseguir.


Ao subir para a Lomba de Pau, e numa altura em que se vislumbrava réstias de céu azul por entre as nuvens, encontrei com duas caminheiras que desciam para o Conho. Em troca de palavras, fiquei a saber que queriam ir para o Arado. Seguindo um track numa aplicação no telemóvel, certamente que não teriam tempo de lá chegar antes das 17h00, passando já das 13h30. Não tendo noção da distância e do que teriam ainda de percorrer, são estes os perigos dos tracks que se encontram em muitas aplicações de caminhadas. Tiveram sorte, recaminhando-as para a Preza e indicando o sentido do Vale de Teixeira, certamente chegariam ao carro antes das 17h00.

Passando a Preza, o resto do caminho fez-se com a paisagem a desaparecer novamente sobre um manto de nevoeiro que cobriu o cenário do Vidoal e da Chã de Carvalho, já na descida para a Portela de Leonte, onde terminaria mais esta jornada pelas serranias geresianas.

Ficam algumas fotografias do dia...

























Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

1 comentário:

Francisco Ascensão disse...

Estas descrições de caminhadas, têm realmente valor para quem lê deste lado Rui. Excelente!