quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

O 'enfragar' e a história do «abafador»


Repito aqui esta publicação de 18 de Outubro de 2016 devido à sua curiosidade...

Nos nossos dias é difícil imaginar como seria a vida nas nossas aldeias mesmo na primeira metade do Século XX, quanto mais nos dias que se escondem nas brumas do tempo.

A vida na aldeia é muitas vezes representada de uma forma idílica, onde a paz e o sossego reinam nos dias vividos ao ritmo das estações. Porém, existem aspectos muitas vezes escondidos que mostram que a nossa Humanidade muitas vezes se aproximam de uma condição animalesca, mesmo tendo em conta que o comportamento dos animais é, em muitos aspectos, mais humano do que muitas das nossas atitudes.

Existem duas histórias (ou lendas / mitos) que sempre me impressionaram e que mostram que o valor do ser humano dependia da sua utilidade para a sociedade na qual estava inserido. A lenda do acto de 'enfragar' é um cruel exemplo disso mesmo.

Em certas aldeias do Gerês conta-se a história de que em dias perdidos na memória dos homens, os filhos levavam os seus pais até uma zona erma, umas fragas próximas de um abismo. Chegados ali, entregavam aos seus pais já velhos uma manta para o proteger do frio enquanto que o idoso aguardava pelo chegar da sua hora. Certo dia, um filho levou o seu velho Pai até uma fraga perto da Cascata de Leonte e ali chegados entregou a seu Pai uma manta para o proteger do frio. Quando o Pai viu o que o filho iria fazer, rasgou a manta a meio e entregou uma das metades ao seu filho dizendo-lhe, "Pega esta metade, pois vais precisar dela quanto a tua hora chegar..." Desde então, nenhum velho Pai foi «enfragado»!

Uma outra história é contada no livro "Minas dos Carris - Histórias Mineiras na Serra do Gerês" (Rui C. Barbosa, Dezembro de 2013). Esta é a história do «abafador» e é assim relatada, "...a história do Abafador contada por um vezeiro a Virgílio de Brito Murta e que dizia que “na sua aldeia, que ficava lá na Serra,”por trás do sol-posto quinze dias”, perto da fronteira (se não estou em erro chamava-se Vilarinho de qualquer coisa), não havia médico, guarda, junta de freguesia, escola, correio, nada mesmo. As doenças eram tratadas por meio de mesinhas caseiras e/ou pelas artes de Bruxaria. Se os doentes se curavam, tudo bem, se não se curavam ou já eram velhos demais, não podendo trabalhar, então “os homens bôs” reuniam-se no largo da aldeia, debaixo de uma árvore, e decidiam o que fazer com o enfermo. Se chegavam à conclusão de que o doente não tinha cura, convocavam o Abafador para resolver o assunto. Este vizinho, cujos méritos eram reconhecidos por todos, entrava no quarto do doente, conversava um pouco com ele e depois “abafava-o” com uma almofada, ficando assim a Comunidade livre de um elemento improdutivo. E a coisa ficava por aí mesmo. Claro que um dia, quando o Abafador perdesse qualidades, seria substituído por outro, que o abafaria, se ele não tivesse a sorte de morrer antes…” 

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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