quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Aniversário no Pico da Nevosa...


Esta foi uma caminhada com um toque especial. O percurso em si era apelativo, mas a razão de ser de percorrer as distâncias geresianas foi algo que nem me fez hesitar em relação ao convite. Tratava-se de assinalar uma data especial, um aniversário, de alguém especial que com a sua contribuição deu muito ao nosso país. Comemorava-se assim um aniversário e comemorar 80 anos de vida no Pico da Nevosa era algo de especial, muito especial.

Assim foi. Iniciando a nossa jornada junto do abrigo de Penedã, percorremos os suaves declives que nos levaram através do Couce por uma paisagem sempre a obrigar a paragens. Mais uma vez, a cada passo esta vai-se transformando à medida que os contrastes de luz vão mudando. Por entre paisagens e pequenas histórias de minas e de vidas, a observação da flora do local com a explicação do que víamos. Naqueles momentos mágicos, a simples urze deixava de o ser para adquirir um valor próprio muito para além daquilo que simplesmente parece aos nossos olhos. Muitas das plantas que nos passam como comuns na paisagem do Gerês, têm a sua história e o seu valor, dando um significado especial à protecção dos locais e dos habitats que muitas vezes nos esquecemos, apesar de considerarmos como lugares comuns.

Passado o Couce e o seu conjunto de currais à sombra do imenso gigante granítico do Borrageiro, passamos ao largo dos Cocões do Concelinho em direcção ao Quelhão que nos dá passagem para as Lamas de Homem com os seus seculares currais. Nesta zona húmida nasce o Rio Homem, mas a falta de chuva nas últimas semanas transformou o seu leito numa imensa cicatriz seca e pedregosa. Aqui a água não corre por estes dias e o leito vai apresentando mais à frente, na passagem das Abrótegas, pequenos charcos aos quais se agarram os pequenos anfíbios na esperança de que a meteorologia mude em breve.

Nesta altura entramos numa paisagem quase negra vítima do recente incêndio que a transformou por um longo período antes da natureza voltar a repor, se possível, o que se perdeu devido à ganância dos homens. Ao passar por aqui não se tem a noção da dimensão daquela catástrofe e da área que foi ardida na parte superior do Vale do Alto Homem.

Superada a Corga da Carvoeirinha seguimos em direcção à Represa dos Carris onde já foi merecido um descanso antes de iniciarmos a derradeira etapa da jornada. O dia estava quente, mas uma brisa fresca afastava de nós aquela sensação dos dias tórridos que certamente nos iria apoquentar se a situação fosse diferente.

Com a represa a ficar para trás, dirigimo-nos então para o nosso objectivo. Altivo nos seus mais de 1540 metros, o Pico da Nevosa perfilava-se no horizonte como um eterno vigilante das altura da Serra do Gerês. Para chegar ao seu topo, optamos pelo velho trilho que vai subindo a sua face Oeste, ignorando o recente carreiro dos montanhistas preguiçosos. Por vezes é difícil de entender como se podem criar percursos a festo por uma encosta e ignorar por completo o que a sabedoria das gentes serranas foi criando ao longo dos séculos. Não bastando o facto de a cada novo caminho se abrir uma ferida desnecessária numa determinada encosta, o esforço físico despendido ao percorrer um percurso «a direito» serra acima só para encurtar distância revela uma estupidez e uma falta de inteligência que começa a ser muito comum em quem percorre as nossas montanhas. A preservação dos antigos carreiros é, em si mesmo, uma forma de preservação de um conhecimento sobre como estar na montanha e revela uma aprendizagem que certamente será muito difícil para alguns.

O velho caminho, escondido por entre a vegetação e atravessando carvalhais espontâneos, vai subindo a encosta mas retira-nos a sensação de cansaço e preserva a energia necessária para a ascensão final ao cume. O caminho serpenteia por entre a imensidão granítica e leva-nos de volta à linha de fronteira antes de enveredar por entre os pilares graníticos que sustentam o céu naquele lugar.

Para o nosso aniversariante, aqueles metros finais antes do cume foram o cumprir de uma meta e sem dúvida uma bela forma de assinalar 80 anos de vida. Uma vida de paixão pela Biologia, pela Natureza e pela Ciência, um combate por um país melhor... talvez lutas ingratas no meio de tanta mediocridade.

O cume foi comemorado com o contemplar da paisagem que se estendia aos nossos pés e por alguns saboreando um bom tinto adoçado com chocolate...


Agradeço ao Dr. Jorge Paiva a oportunidade que me deu para lhe mostrar parte dos recantos da Serra do Gerês e de compartilhar consigo a comemoração dos seus 80 anos, mostrando-me também os segredos e as maravilhas da flora geresiana. Nem imagino como irá comemorar os 90 anos!!!!...
 A Casa do Padre no Couce
 Borrageiro e Minas do Borrageiro
 Um dos currais no Couce
 Cocões do Concelinho
  Cocões do Concelinho
 Minas dos Carris






 Pico da Nevosa


 Represa dos Carris. No meio da imagem à direita: Roca Negra e Meda de Rocalva
 Parte da Garganta das Negras e fumo do incêndio em Santo Ane















Fotografias: © Rui C. Barbosa

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