segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Serra do Gerês - Do Bico da Geira à Ponte Feia


Em termos pessoais sinto o Outono como a estação mais expressiva do ano. A chegada dos dias mais frios, a transmutação da paisagem e do ser, marcam uma época especial no calendário assinalada pelo Magusto ou pelo Samhain.

Esta é uma festividade, que noutros países onde a cultura Celta permanece viva, recebe a designação de Samhain (Irlanda), Samhuinn (Escócia), Hop tu Naa (Ilha de Man), Calan Gaeaf (País de Gales), Kalan Gwav (Cornualha) e Kalan Goañv (Escócia), tendo vínculos entre todas as variantes atlânticas da festividade.

No blogue Desperta do teu Sono é referido por David Outeiro, que "Durante as datas ao redor do 1 de Novembro, os celtas acudiam a celebração duma das grandes óenach. Este tipo de festejos consistiam em grandes assembleias religiosas, políticas e rituais que tinham lugar num território fronteiriço e com presença de tumbas. É por isso habitual que nos territórios de celebração haja grande quantidade de túmulos megalíticos posto que para os celtas era necessário lembrar os devanceiros e recriarem as façanhas dos tempos míticos nos que teve lugar a génese do seu povo. Como não podia ser doutro jeito, na Galiza contamos com muitas evidências da celebração deste tipo de festejos por causa da existência de múltiplos encraves que cumprem ditas características. Também existem epígrafes que mostram esta tradição, tal é caso de "Coso Oenaego". Acreditava-se que neste tempo e nestes lugares, o mundo do Sidh, o Além irlandês é que se abria. Esta abertura permitia que os espíritos que habitavam o mundo inferior, o dos túmulos, saíssem ao exterior e pudessem interagir com o mundo dos vivos. Na Galiza temos o seu equivalente no mundo da Mouramia, o mundo inferior dos mouros. Tal e como apontamos noutro artigo, o termo que designa a esta mágica gente, poderia provir da voz celta MWROS que designa aos mortos."

"(...) A celebração herdeira do Sámonios na Galiza é o Magosto ou Magusto. Com respeito a presença do termo Sámonios na antiga Galiza, Tomás Rodríguez comenta:

'Assim e tudo convêm saber que na Galiza temos o topónimo do mosteiro de Samos, antigo "Sámanos" (documentado), que segundo os filólogos provém do céltico e significa "reunião, junta de gentes, assembleia". Tem a mesma raiz que Samhain ou que o galo Sámonios (documentado no Calendário de Coligny), que se refere ao mês no que começa a metade escura do ano, quando as portas estão abertas para mortos e vivos, que se misturam numa grande festa documentada ainda nos séculos iniciais do cristianismo medieval, e cristianizada como Todos-Os-Santos e Fieis Defuntos'

Segundo afirma o Tomás, o termo Sámanos podemo-lo achar em documentos do ano 785 em Samos: /"monasterii samonensis"//, //"ad dominos de casa de Sámanos"/entre outros. Estadata pagã seria cristianizada, portanto, com o nome de Todos-Os-Santos (1 de novembro) no S IX e o dia seguinte no S XII como Dia de Defuntos. A pesar disto, na Galiza sobreviveu com o nome profano de Magosto. O José Manuel Barbosa num artigo por ele publicado em 2004 diz ao respeito do termo:

'Ao nome de Magusto têm-se-lhe dado várias origens etimológicas. Dentre elas a de “MAGNUS USTUS” que vem significar algo assim como “grande fogueira”, donde MAGNUS é grande e USTUS, queimado, ardido, em particípio passado do verbo “Uro”, arder, queimar. Pode ter umha certa lógica mas nós quereríamos propor outra desde aqui que tem a ver com as palavras “MAGUS” feiticeiro, bruxo, mago e “USTUS”. A maioria das palavras em galego-português provêm do acusativo latino que neste caso seria “MAGUM USTUM” donde seria mais fácil explicar a deriva para “Magusto”, e mesmo em dativo “MAGO USTO” literalmente “…ao ou para o mago queimado”.


Assim, a ligação entre o ser que caminha e a Natureza parece tornar-se mais forte à medida que os dias se encurtam e à medida que caminhamos para o Inverno. A verdade, é que a cada dia que passa a Natureza transmuta-se através de uma palete de cores que vai dando um aspecto distinto à Mata de Albergaria. Em poucos dias, a paisagem muda e a mata vai-se tornando cada vez mais outonal até à chegada das grandes intempéries que a irão despir à entrada das longas noites.


Neste dia, a caminhada deu-se entre o Bico da Geira e a Ponte Feia, seguindo pela Estrada da Geira que cobre a Geira Romana.

A Milha XXXI, localizada no Bico da Geira, freguesia de S. João de Campo, a uma altitude de 610 metros, apresenta magnificas evidências da forma como os miliários eram extraí­dos dos afloramentos graní­ticos, distinguindo-se num deles as marcas rasgadas para a implantação das cunhas em madeira, tendo o trabalho sido abandonado já depois de terem sido abertas as cunheiras. Ainda hoje se observa um esboço de miliário que nunca chegou a ser completado.

Neste local, para além da pedreira de onde foram retirados os miliários, foi exumado um conjunto de 21 miliários, dos quais sete conservam as inscrições: Adriano (117-138), Décio (249-251), Caro (282-283), e Licí­nio (308-324). De realçar que aqui foi também encontrado um pequeno miliário semi-enterrado, que conserva traços de pintura a ocre. Perante esta evidência é possí­vel que também os outros miliários fossem, regularmente, pintados.

Para além dos miliário e da pedreira, observam-se restos de uma calçada com pedras bem fincadas, de forma a facilitar a passagem de uma ribeira que desce da montanha. Nesta zona a via já transcorre a Mata de Albergaria, um imponente carvalhal, onde também se notam inúmeros azevinhos.

O traçado do caminho romano desta milha à seguinte foi coberto pela estrada florestal.


A Estrada da Geira segue então em direcção à Volta do Covo passando pela vertente da Pedra Furada e pelo Cancelo. Na milha XXXII, situada na Volta do Covo, freguesia de S. João de Campo, a uma altitude de 640 metros, conservam-se 23 miliários, dos quais 16 são anepí­grafes. A bibliografia refere 7 miliários com epí­grafes. Um de Adriano (117-138), datável do ano 135; dois de Maximino e Máximo (235-238), datáveis do ano 238; um de Décio (250); um de Caro (282-283); um de Magnêncio (350-353) e outro de Decêncio (351-353)

Não é possí­vel afirmar que os miliários se encontrem in situ, já que teriam sido agrupados, provavelmente, quando se abriu a estrada florestal, tanto mais que parte deles estão junto a uma estrutura muito tardia, já referida por Mattos Ferreira.

No trajecto entre as milhas XXXII e XXXIII conservam-se vestí­gios de duas pontes romanas, que permitiam transpor as ribeiras da Maceira e do Forno.

Da Volta do Covo à zona de confluência das duas ribeiras mantém-se a estrada florestal. No local onde se juntam as ribeiras observa-se cerâmica romana de construção o que nos leva admitir que neste local terá funcionado uma mutatio, tal como na Bouça da Mó.

O troço entre a Ponte sobre a Ribeira do Forno e a milha XXXIII está relativamente bem conservado observando-se algumas calçadas e rodados marcados na rocha.


A passagem pela Volta do Covo dá-nos uma magnífica perspectiva do Vale do Rio Homem na sua passagem pela Albergaria, bem como da vertente do Peito de Albergaria mais acima, encimada pelo Cabeço do Cantarelo e pelas vertentes do Corno Godinho. Passando a Balsada, vamos então chegar à Albergaria com os seus antigos viveiros de trutas e a sua Casa Florestal. Atravessando as duas pontes de madeira, depressa chegamos à Ponte Feia, onde se localiza mais um interessante conjunto de marcos miliários na Milha XXXIII.

No local desta milha, (...), a uma altitude de 660 metros, conservam-se 20 miliários. Sem escavações não é possí­vel afirmar se estão no local original, ou se foram repostos em épocas posteriores.

Actualmente apenas se conseguem ler as inscrições em quatro miliários. De acordo com a bibliografia as inscrições referem-se ao século III: Maximino e Máximo (238); Décio (250); Tácito (276); Carino (283-285) e Maximiano (285-305).

No trajecto entre a milha XXXIII e a ponte de S. Miguel podem observar-se os seguintes elementos relacionados com a via romana: uma pedreira para extracção dos miliários; uma das pedreiras que terá alimentado a oficina de talhe dos blocos que serviram para erguer a Ponte de S. Miguel (margem sul); uma passagem a vau sobre a ribeira de Monção, com sólidos blocos de granito de tosco aparelho.

O pavimento da via entre a milha e a ponte, embora sendo plano, encontra-se mal conservado, estando reduzido a uma camada de calhaus, ou seja ao leito de preparação. Da ponte de S. Miguel em diante sobe suavemente, distinguindo-se diversos trechos de via pavimentada com calçada.

Entre o Bico da Geira e a Portela do Homem a via sobe cerca de 140 metros numa extensão de três milhas. No entanto, o pendor da subida é mais marcado entre a Ponte de S. Miguel (670 m.) e a Portela do Homem (750 m.).

Na Portela do Homem dividem-se as bacias dos rios Homem e Lima Trata-se, pois, de um ponto estratégico, a porta de entrada para a vasta bacia do rio Lima.

No regresso fiz um pequeno desvio pela Casamata da Albergaria e entrei por momento no Vale do Rio Forno, seguindo depois pelo velho carvalho para o Curral de Albergaria e chegando de novo à Estrada da Geira.


























Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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