terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Outros lugares de Carris (IV)


Carris, 27 de Fevereiro de 2005

A chamada Lagoa de Carris é o local de uma nascente natural no qual a água que abastecia Carris era armazenada. Já foi um local de morte e todo o cuidado é sempre pouco...

Fotografia © Rui C. Barbosa

Ânsia...

Carris, 27 de Fevereiro de 2005

...é curioso sentir a sensação de que algo nos faz falta... e o mais curioso é que para muita boa gente, isto não tem explicação. Porque faz falta? Cansar, andar, subir a Carris... ir lá e estar lá, só... envolto pelo silêncio...

Olhar para onde já se olhou milhentas vezes... e ver sempre algo de novo...
Passar por onde já se passou milhentas vezes... e encontrar um caminho novo...
Sentir o que já se sentiu milhentes vezes... e ter uma sensação nova...
Escutar o que já se escutou milhentas vezes... e ouvir um som novo...

...tenho de ir a Carris!... é urgente! Porquê?

...para ver algo novo!
...para encontar algo novo!
...para ter uma sensação nova!
...para escutar um som novo!

Para me renovar... e tornar-me em mim mesmo! Para me renovar... e ser eu próprio... de dentro para fora...

Fotografia © Rui C. Barbosa

domingo, 25 de fevereiro de 2007

Carris, a História (VII)


Carris, 30 de Abril de 2006

A zona de Lamas de Homem permite o descanso das pernas antes da subida final, verdadeiro calvário para quem já está cansado da subida. Ao percorrer o início da subida um pormenor passa despercebido à quase totalidade das pessoas. Logo no início do declive a antiga estrada dividia-se em duas com uma a seguir a direcção do Salto do Lobo. No terreno é difícil vislumbrar sinais desta parte da estrada e só andando alguns metros no caminho principal que segue em direcção a Carris e depois olhando para trás é que se vê a antiga estrada já coberta de vegetação. Esta estrada provavelmente levaria a explorações a céu aberto existentes ali próximo. Nesta área não existem construções ou edifícios, exceptuando uma ou outra pequena construção de pastores. Esta zona provavelmente teria o apoio de edifícios de madeira dos quais não existem quaisquer sinais. Por esta zona deveria passar uma conduta de água que teria a sua origem numa pequena represa próximo da Ponte das Abrótegas e que apoiada em pilares feitos com aglomerados de pedra atravessava o pequeno planalto para lá das Lamas de Homem. Mais pilares são visíveis no extremo deste planalto, que serve de pastagem de altitude ao gado que nos meses de Verão passeia pela serra, já próximo do caminho antes de este flectir para a esquerda para iniciar a subida final. Seguindo o prolongamento deste caminho secundário e depois entrando em trilhos de pé posto, chega-se ás Minas de Carris pela sua zona inferior junto do edifício de lavagem do minério no extremo topo do vale da Corga de Lamalonga.

Mas voltemos à estrada principal e iniciemos a subida final para Carris. A parte final da estrada vence um declive de 70 metros e sem dúvida que é para muitos a parte mais complicada de todo o trajecto. No entanto o final do árduo caminho é sempre uma motivação forte para vencer estes últimos metros.

Nos últimos metros o declive torna-se menos intenso com a estrada a tornar-se quase plana mesmo a chegar ao muro que delimitava a entrada no complexo mineiro de Carris.

Fotografia © Miguel Grilo

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Medo...


Carris, 19 de Setembro de 2004

Confesso!
Tenho medo de chegar um dia e não saber o que dizer mais sobre Carris...
Tenho medo de não saber definir as minhas emoções!
Tenho medo de esgotar as sensações....
Tenho medo de perder as minhas memórias... e há tanto para dizer...
...há tanto para sentir...
...mas tenho medo!
Tenho medo de me esquecer dos sons, das paisagens do Gerês, de sentir o seu calor e o seu frio...
Tenho medo de não ver mais as suas cores, os seus cheiros...
...um dia não vou poder caminhar mais, e aí vou ter saudades dos Carris...
...um dia não vou poder ver mais, e aí vou ter saudades dos Carris...
...um dia não vou poder escutar mais, e aí vou ter saudades dos Carris...
...um dia vou morrer... e aí deixarei de ter saudades de Carris, porque lá estarei... eternamente...

e há tanto para dizer...
...há tanto para sentir...

Fotografia © Rui C. Barbosa

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Imaginar...

Carris, 12 de Agosto de 1993

Sozinho em casa tento imaginar agora Carris... Na montanha no reino do silêncio, envolta por nuvens e recordações a velha aldeia mantém-se... atravessada por vezes pelo gado, garranos... pelo lobo fugidío...

Ao longe o trovejar por entre as nuvens escuras... os relampagos rasgam o tempo cinzento... "Alguém não está contente..." dizem, assustando as crianças que passeiam em Carris... Será que houveram crianças em Carris?

...que sons percorrem agora Carris? O trovejar? A chuva a cair? A água a correr? O vento passando nas pedras das velhas casas? O som de chapas a dobrar! O respirar da terra pelos fundos das minas... Ou será que reina o silêncio, rasgado por velhas memórias... pela saudade...

Fotografia © Rui C. Barbosa

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Outros lugares de Carris (III)


Carris, 28 de Fevereiro de 2006

As velhas casas de Carris permanecem como um monumento ao seu lento desvanecer...

Fotografia © Rui C. Barbosa


segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Carris, a História (VI)


Carris, ...noutros tempos.

Prosseguindo o trilho ao longo do vale vamos ganhando altitude atingindo os 1200 metros de forma suave. Nesta fase o trilho chega a complicar-se devido ao estado do «pavimento». Na cota dos 1190 metros e olhando para o Rio Homem deveríamos observar algumas construções relacionadas com o complexo mineiro de Carris. Estas construções vêm assinaladas na CT-31 (Outeiro - Montalegre) de 1949, mas já não surgem na CT-31 (Outeiro - Montalegre) de 1996 e no terreno não se observam quaisquer construções.

O Rio Homem é nesta fase constituído por uma série de pequenos ribeiros que têm origem nos inúmeros vales de golpeiam o topo da serra. Aos 1200 metros de altitude o trilho flecte ligeiramente para a direita seguindo um dos pequenos riachos que juntamente com o riacho do Corgo dos Salgueiros da Amoreira irá mais tarde formar o Rio Homem. O nosso trilho segue a base da Rocha da Água do Cando, passando pela Ponte das Águas Chocas (1285 metros) e entrando nas Lamas de Homem até atingir a Ponte das Abrótegas (1325 metros). As Lamas de Homem definem juntamente com o Outeiro Redondo um pequeno planalto que é atravessado pelo trilho até atingir e seguir ao longo da base do contraforte de Carris. Neste planalto tem origem vários trilhos de pé posto sendo os mais interessantes o que segue para as Minas das Sombras (Espanha), e para os Cocões do Concelinho e mais tarde Minas do Borrageiro e Lagoa do Marinho. Na Ponte das Abrótegas somos interrogados por umas peculiares construções semelhantes a pequenos pilares se rocha e cimento que tinham essa mesma função. Estas construções serviriam de ponto de apoio certamente para uma conduta metálica para transportar água desde uma pequena represa ali existente para o edifício de lavagem de minério situado vários quilómetros mais à frente.

A paisagem aqui permite-nos observar o marco geodésico de Carris (1508 metros), o Altar de Cabrões (1538 metros), tal como é denominado na CT-31 (Outeiro - Montalegre) de 1949, ou Altar dos Cabros segundo a CT-31 (Outeiro - Montalegre) de 1996 (com a indicação de 1490 metros e estando deslocado em relação à referência anterior). Neste pequeno planalto podemos também observar vários currais destinados às pastagens de altitude e à transumância ainda levada a cabo na Serra do Gerês, porque sim... No Gerês também ainda há pastores!!!!

Fotografia © Antonio Ribeiro / Rui C. Barbosa

domingo, 18 de fevereiro de 2007

O gotejar...


Carris, 29 de Fevereiro de 1992

Penetrar fundo na montanha, sentir o corpo resistir lutar... Lutamos contra o cansaço, o suor percorre o rosto, os corpos húmidos... goteja. O tempo vai passando e cada vez é mais difícil avançar... ofegantes, procuramos o prazer nas profundezas do vale... luxuriante por onde corre o pequeno regato, dá-nos um conforto... a água refresca, um novo impeto para continuar... buscamos o prazer... goteja.

Ao longe vislumbramos o destino, trémulo pelo calor que sobe da rocha aquecida pelo Sol. O coração bate cada vez mais rápido, compassado... a vontade de lá chegar é imensa, um esforço derradeiro, por vezes fechamos os olhos, curvados parecemos descansar... goteja.

Somos só nós no meio da imensidão dos vales, levemente acariciados pelo vento, acompanhados pelo cantar dos riachos e pelo som dos nossos passos... estamos quase no fim... goteja...

...e quando chegamos ao final o coração bate rápido, a pele contraída, uma respiração quase suspensa... deitamo-nos para o lado sobre o chão de Carris e fitamos o céu... como se tivesse sido a primeira vez...

Fotografia © Rui C. Barbosa

sábado, 17 de fevereiro de 2007

Outros lugares de Carris (II)


Carris, 22 de Fevereiro de 2004

Muitas vezes ouvi dizer que era uma igreja... uma igreja em Carris. Diz-se isto devido ao seu aspecto que num primeiro olhar nos leva a crer que na realidade teria sido uma igreja. Pois, em Carris não há igrejas. Este edifício era uma cozinha como facilmente ainda se pode comprovar pelo seu interior. Esta cozinha servia uma cada pré-fabricada na qual supostamente morava o responsável da mina de nacionalidade luxemburguesa.

Fotografia © Rui C. Barbosa

Esquecimento...


Carris, 28 de Fevereiro de 2006

Chegamos ao final do caminho... Chegamos a Carris...

Somos envolvidos por uma atmosfera quase mística e a vontade de procurar algo de novo, algo ainda não encontrado, surge dentro de nós. Temos a esperança de que algo surja ao nosso olhar que outros olhares ainda não tenha visto... Esperamos uma sensação mais alta, uma sensação que ainda não foi sentida. Até os nossos ouvidos procuram algo que ainda não foi escutado no silêncio que envolve as ruínas de Carris. As casas que um dia deram abrigo a homens e mulheres parecem chamar-nos... nós vamos lá, com a esperança de que surja o aroma de uma sopa acabada de cozinhar, na esperança de escutar as estórias do dia passado no interior da mina... “Como foi o dia hoje? Nem vi o Sol!...”, na esperança de sentir o conforto da lareira nos dias de Inverno... mas as casas estão vazias, em ruínas, sem telhados, sem vida...

Esperamos sempre algo para lá de uma parede frágil que parece querer ruir a qualquer momento, cansada de lutar tantos dias e tantas noites contra o esquecimento do alto da serra...

O que estará por detrás daquela porta? Nós sabemos a resposta, pois já não há memórias em Carris... foi-se tudo embora... o mineiro, o guarda, os outros homens, as famílias... Nada sobrou e aos poucos Carris vai perdendo a vontade de lutar... tantos dias... tantas noites... esquecimento...

Fotografia © Rui C. Barbosa

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Outros lugares de Carris (I)


Carris, 23 de Dezembro de 1993

Esta era a casa onde se guardavam os materais explosivos em Carris. Hoje só existe uma parede e a casa está totalmente destruída.

Fotografia © Rui C. Barbosa

Carris, a História (V)

Carris, ...anos 70?
O trilho ultrapassa a cota dos 1000 metros de altitude a poucos metros de entrarmos numa fase do caminho onde vamos superar vários metros de altitude em pouca distância, ultrapassando assim um bom declive. O trilho flecte para a direita e em pouca distância subimos 30 metros em altitude antes de flectir para a nossa esquerda. Nesta parte do caminho podemos ter uma imagem do Vale do Homem só superada pela paisagem que nos aguarda poucos metros após a passagem da Ribeira do Madorno. Poucos metros mais à frente entramos numa parte do caminho que é ladeado à direita por uma parede sólida de granito e à esquerda por uma queda de 50 metros que terminaria no Rio Homem. O declive aqui é acentuado e notório, mas o esforço para chegar à meia distância merece a pena.

Somos chegados a meio do caminho e o descanso na Ponte do Madorno é merecido. A água da ribeira é sempre fresca e corrente, mesmo no Verão. Ao entrar neste pequeno vale temos a visão de uma pequena queda de água por debaixo da ponte e são poucos os que resistem a uma fotografia. Situados na ponte em direcção ao final do vale, por onde vemos o Rio Homem, temos à nossa direita o imponente Cabeço do Madorno, uma escarpa granítica que atinge os 1317 metros de altitude (CT-31 / 1996). Conheci todas as pontes até ao Madorno já em cimento, mas o meu fascínio por este vale e por Carris começou a ser despertado pelas velhas pontes de madeira que antigamente permitiam a passagem célere e um tanto ou quanto aventureira.

É sempre bom descansar e retemperar forças junto do Cabeço do Madorno, mas é hora de prosseguirmos pois logo ali à frente temos uma surpresa à nossa espera. Prossigamos então a nossa caminhada. Logo após abandonar a Ponte do Madorno e seguindo o nosso trilho vamos encontrar uma das mais fantásticas paisagens que a Serra do Gerês tem para nos oferecer. É com deslumbre que observamos o Vale do Alto Homem e a forma como este se projecta no céu. O seu delimitar pelos picos das serras leva-nos a imaginar, sonhar um mundo antigo. Atenção ao vocabulário, pois é aqui que nos começam a faltar as palavras... Ao longe vemos a Serra Amarela e com bom tempo facilmente se vislumbram as antenas do Muro localizadas em Louriça. Saindo do pequeno vale da Ribeira do Cagarouço entramos novamente no vale do Alto Homem e logo ali à nossa frente observamos uma estreita queda de água com uma altura de mais de 110 metros.

Fotografia © Antonio Ribeiro / Rui C. Barbosa

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Onde dormem deuses...

Carris, 22 de Fevereiro de 2004

...é quase subir ao Olímpo, a morada dos deuses. Caminhar pelo trilho difícil e ver o céu aproximar-se, cada vez mais perto... Sentir o silêncio que nos arrepia a pele, desperta os sentidos... afaga-nos o ego.

Entrar no reino das nuvens, sentir o vento frio... chegar lá em cima, onde dormem deuses... e demónios.

Fotografia © Rui C. Barbosa

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Segredos de outras minas...


Mina de Borrageiros (Serra do Gerês), 14 de Abril de 2004

...ainda haverá memórias?


Mina das Sombras (Serra do Xurés, Espanha), 14 de Abril de 2004

A relação entre os mineiros das Minas das Sombras e os mineiros das Minas de Carris era quase diária com um 'comércio' constante entre os dois pólos mineiros.

Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Carris, a História (IV)


Carris, 19 de Setembro de 2004

Na Água da Pala iniciava-se um trilho de pé posto que não estando assinalado da edição mais recente da Carta Topográfica (CT) n.º 31 (escala 1/25 000) publicada pelo Instituto Geográfico do Exército (IGE) e baseada em trabalhos de campo levados a cabo em 1996, mas surge numa edição mais antiga da mesma CT n.º 31 (escala 1/25 000) e baseada em trabalhos de campo levados a cabo em 1949. Este trilho atravessava o Rio Homem e subia ao longo do rio no sopé da Encosta do Sol até atingir o topo do Cabeço do Madorno algumas centenas de metros após atravessar novamente o Homem sensivelmente à cota de 1050 metros de altitude. Quem observa a Encosta do Sol a partir da Água da Pala, terá a sensação de ainda poder vislumbrar o traçado deste pequeno trilho que sem dúvida nos proporcionaria uma visão distinta do vale. Porém, e após várias tentativas de observar no terreno a sua progressão, cheguei à conclusão de que este trilho já desapareceu e será extremamente difícil tentar seguir o seu antigo percurso, senão mesmo impossível.

Após passar a Água da Pala, o trilho para Carris entra numa zona mais plana. Até aqui, e olhando para a nossa direita, temos a oportunidade de observar os picos escarpados que delimitam os Prados Coveiros (segundo a CT-31 de 1949) ou Prados Caveiros (segundo a CT-31 de 1996). Esta fase mais plana do trilho segue pela Ponte do Cagarouço sobre a Ribeira do Cagarouço, um pequeno afluente do Rio Homem. É nesta fase que o caminho se volta a inclinar ligeiramente e ouvimos o rugido do jovem rio a poucos metros de distância. Por entre a vegetação é por vezes fácil ter um olhar sobre lagoas que no Verão são sempre uma forma de retemperar forças.

Fotografia © Rui C. Barbosa

Memória...


Carris, 27 de Fevereiro de 2005

Há coisas que ficam sempre só para nós...

Fotografia © Rui C. Barbosa

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

No ponto mais alto...


Carris, 28 de Fevereiro de 2006

Sou chegado ao ponto mais alto no cume da Nevosa... em silêncio contenplo a paisagem, ao longe Carris... O vento trás-me um murmurar longínquo... quase imperceptível...

Imagino o ruído do trabalho de há muitos anos, várias gerações... O trabalho que esventra a terra à procura do precioso metal... O suor dos homens, a pele coberta pelo pó, os pulmões cheios de morte, o olhar vazio quando de novo encontram a luz do dia...

Quase imperceptível, chegam-me as vozes... trazidas pelo vento! Lá do alto, contemplo em silêncio a paisagem... rude, de granito selvagem... Ao longe vislumbram-se pequenas e esquecidas ruínas, memórias silênciosas do passado... hárduo, rude... na serra.

No ponto mais alto, em silêncio contemplo a paisagem... cansado, ofegante da caminhada... o murmurar trás-me o conforto... cheguei aqui... Porque quer que fique aqui?

Fotografia © Rui C. Barbosa

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Único...


Carris, 28 de Fevereiro de 2006

No Cabeço do Madorno para muitos começam já a faltar as forças... Mas com paisagens assim, únicas, o ânimo é mais forte...

Noutros tempos era mais complicado ir a Carris, o tempo mais rude e o Inverno mais severo... Era difícil a vida então, a vida nas minas... o frio entrava em todo o lado... Conta-se que os homens dormiam com dez cobertores nas suas camas e que as garrafas cheias partiam quando congelavam dentro das casas... histórias de Carris que se desvanecem no tempo... estórias de homens que se desvanecem na memória...

Fotografia © Rui C. Barbosa

domingo, 11 de fevereiro de 2007

...chove em Carris

Carris, 24 de Fevereiro de 2002

...chove em Carris, intensamente. As casas estão envoltas pelas nuvens, pesadas... o vento sopra forte. A água escorre pelo chão, banhando as pedras à sua passagem. O vento sopra forte, a chuva cai numa torrante intensa, imensa... Já não há telhados em Carris para proteger da chuva que tudo molha...

O vento sopre forte, intenso... imenso... O homem olha para trás... ao fim de muitos anos chegou o dia de deixar Carris, de deixar ali uma parte de si... foram tantos anos, trabalho pesado, árduo... a solidão da montanha deixa a sua marca... foram tantos anos... Frio, calor, pó, pedras, vento, sol... conversas, companheiros, contrabando, vigiar, deixar passar, controlar... conversas, companheiros...

...intensamente, chove em Carris...

Fotografia © Rui C. Barbosa

Carris, a História (III)

Carris, 19 de Setembro de 2004

Tenho por hábito dividir o trilho em duas partes que considero de dificuldade distinta. A primeira parte termina no que eu considero ser a metade do caminho na ponte junto do Cabeço do Madorno. A fase inicial da segunda parte do trilho é muito semelhante à primeira parte, mas este vai tornando-se mais suave à medida que nos aproximamos da Ponte das Águas Chocas, sendo um trilho fácil a partir daí e até ao final do planalto onde se inicia a subida final para Carris. A passagem pela Ponte das Abrótegas é muito fácil e somos presenteados por uma paisagem única.

No início dos anos 90 ainda era possível observar ao longo do Vale do Alto Homem uma linha de postes de madeira sobre os quais assentava o cabo metálico de telégrafo que certamente permitia as comunicações com o complexo mineiro. Nos nossos dias são raros os sinais ao longo do caminho, daquilo que mais tarde iremos encontrar no sopé de Carris. Tirando os trabalhos mais recentes para melhorar o caminho levados a cabo pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês para a reflorestação de zonas de alta montanha, são possíveis observar mesmo no início do trilho conjuntos alinhados de rochas que marcariam o que então teria sido uma estrada em terra batida que permitia a passagem de camiões para o transporte do minério e não só. Esta estrada teria sido bastante melhorada já na segunda fase de exploração de Carris. Como curiosidade posso referir que no início da sua construção existia um pequeno caminho que ligaria a Portela de Leonte a Carris e pelo qual as largas telhas que iriam cobrir as casas de Carris eram transportadas em ombros pela quantia de 2$50 nos idos anos de 30.

Voltando aos nossos sinais... ao longo do trilho vamos observando um ou outro pequeno muro ou um ou outro alinhamento de pedras que nos podem sugerir a existência de uma rude estrada serrana. O primeiro sinal sólido da existência de algo mais complexo na serra, surge-nos junto da zona que dá pelo nome de ‘Água da Pala’. Aqui, e já coberta pela vegetação observamos à nossa esquerda (não se esqueçam de que estamos a subir o trilho, cansados mas a subir!!!) uma área delimitada por um pequeno e baixo muro. Desconheço totalmente qual a sua utilidade, podendo porém ser um local de espera ou estacionamento. Do lado direito podemos observar, também por entre a vegetação, uma pequena construção com tijolos de cimento que nos dá a ideia de ser uma pequena guarita. Esta zona antecede uma ponte de pedra. Toda esta área pode ter sido um primeiro posto de controlo de acesso à zona mineira que ainda se encontra lá ao longe, no topo da serra. Ou então, talvez não...

Fotografia © Rui C. Barbosa

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Carris... ao longe...


Carris, 18 de Dezembro de 2002

Pode-se chegar a Carris a partir de várias direcções seguindo trilhos já existentes. Muitos desses trilhos são agora pouco utilizados e poucas pessoas saberão as paisagens que escondem... Um desses trilhos inicia-se perto das Minas do Borrageiro e segue em direcção aos Cocões do Concelinho até atingir os altos do Outeiro do Pássaro 1º e 2º.

Nestes trilhos, esquecidos no meio da urze, a beleza da serra atinge o seu auge... a imensidão dos espaços faz-nos parar por várias vezes para admirar as paisagens.

No Outeiro do Pássaro 2º vemos o Vale do Alto Homem e o caminho para o alto da serra que serpenteia pela paisagem. Vemos as alturas do Pico da Nevosa... nessa direcção, quase escondidas do olhar, encontram-se as casas das Minas dos Carris... camufladas pelo desgaste e pelo tempo...

Fotografia © Rui C. Barbosa

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Carris, a História (II)


Carris, 11 de Janeiro de 2003


Subindo a Carris, o trilho pelo Vale do Alto Homem

A curiosidade por Carris surge-nos porque alguém já ouviu falar ou esteve numas ruínas no alto do Gerês. Na realidade não existe qualquer indicação muito visível que nos mostre o caminho certo para Carris, e ainda bem que assim é!!!! Na realidade a única indicação do trilho de Carris que possa estar visível ao observador minimamente atento, encontra-se junto do início do trilho mesmo antes da cancela que o inicia e ao lado da ponte sobre o Rio Homem. Uma indicação pintada a tinta branca indica “Carris” e uma seta aponta na direcção do trilho.

O trilho para Carris inicia-se por entre árvores antigas a uma altitude de 720 metros e rapidamente nos apercebemos que não será um caminho fácil para os mais desprevenidos. A sua dificuldade vai aumentando ao longo do percurso não tanto pela inclinação, mas mais pelo estado do próprio trilho. Em quase 9,8 km de extensão, o trilho é na sua maioria composto por pedra solta que dificulta a progressão. São escassas as extensões em que o terreno é suave.

Na quase totalidade do seu comprimento o trilho é acompanhado pelo jovem Rio Homem e o seu rumor por entre as rochas acompanha-nos quase sempre.

Convém salientar que o trilho para Carris está inserido num vale de extrema importância para o Parque Nacional da Peneda-Gerês e que por si só delimita uma das áreas de protecção total existentes naquela área protegida, além de estar localizado numa área de ambiente natural.

Fotografia © Rui C. Barbosa

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

As rochas do caminho.

Carris, 19 de Setembro de 2004

O caminho para Carris é difícil. Porém, o caminho para Carris permite-nos pensar em nós mesmos, no nosso papel naquele meio... um meio que nos recebe e que nos quer conhecer antes de deixar revelar os seus segredos. Sim, porque existem muitos segredos ainda por revelar... temos é de estar dispostos a encontrá-los...

Todas as rochas do caminho, difícil, para Carris têm uma história para nos contar... devemos é estar atentos ao seu murmurar... No silencio da montanha, com atenção, ouvimos o seu murmurar... baixinho, quase imperceptível... um murmurar baixinho, imperceptível...

Todas as rochas do caminho têm lá o seu lugar, estão lá para algum propósito... não sei qual é... Mesmo as rochas do fim do caminho, estão no seu lugar... para algum propósito... não sei qual é...

No final do caminho, chegamos a Carris... sê bem-vindo... sabes qual é o teu propósito?

Fotografia © Rui C. Barbosa

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Carris, a História (I)


Aquilo que vai ler, não está baseado em qualquer tipo de estudo arqueológico mas sim em inúmeras horas de observação levadas a cabo por entre as ruínas do que em tempos foi denominada de aldeia mineira dos Carris ou o complexo mineiro dos Carris. Tendo por base essa observação tentei traçar um rude mapa do que representa cada estrutura ou conjunto de estruturas e edifícios localizados em Carris. Este texto terá os seus erros históricos e factuais. Peço a quem tiver informações relativas à História das Minas dos Carris, que me possam facilitar essa informação por forma a poder assim traçar um quadro mais real da vida deste complexo mineiro na Serra do Gerês.

Convém antes de mais tentar traçar um perfil histórico da criação e existência das próprias minas na Serra do Gerês. Não sendo o único complexo mineiro naquela zona em território português (as Minas do Borrageiro são muito mais misteriosas), as Minas dos Carris apresentam-se como ponto único em toda a serra. Segundo os relatos, a exploração das minas é levada a cabo em duas fases. A primeira fase terá início antes da Segunda Guerra Mundial e a exploração é levada a cabo por uma empresa alemã que extrai volfrâmio para ajudar na máquina de guerra nazi. A exploração por parte da Alemanha é cessada devido à posição neutral do governo português. O final desta exploração deverá situar-se portanto em finais da década de 30 ou princípios da década de 40. Se por um lado se pode pensar que no terreno seja quase impossível definir quais os edifícios que representam essa época, por outro pode-se concluir que os edifícios dos quais somente restam as suas ruínas são ainda os edifícios originais pois não há relatos da construção de novos edifícios a quando da segunda vaga de exploração. Assim, a destruição agora visível e que de desenrolou de uma forma exponencial após o abandono das minas, não se havia verificado anteriormente devido á presença dos guardas no terreno. Tendo em conta os relatos registados, a segunda fase de exploração mineira terá sido iniciada em finais da década de 60 por parte de uma empresa luxemburguesa. A exploração terá finalizado em meados da década de 70. As razões para o final da exploração mineira em Carris poderão estar associadas ao baixo preço do volfrâmio nos mercados internacionais e a extinção do filão aí existente. Se a exploração mineira foi finalizada em meados da década de 70, então é fácil concluir que o decorrer dos últimos trabalhos de laboração nas minas decorreu com a fase inicial da implementação do Parque Nacional da Peneda-Gerês fundado a 8 de Maio de 1971 pelo Decreto de Lei n.º 187/71.

Com o final da exploração todo o complexo foi abandonado e pouco depois começaram os actos de vandalismo quando certamente o último guarda abandona a zona. As pilhagens trataram de desnudar as paredes e tectos das casas. Juntamente com a intempérie do duro Inverno da serra, os vários elementos foram degradando as construções. Mais eficaz que esses elementos, a acção do Homem foi destruindo Carris. Levando as telhas para melhorar as suas casas, retirando o cobre das ligações eléctricas, as louças, os azulejos e tudo o que se podia aproveitar, aos poucos e poucos Carris vai desaparecendo da memória.

(Fotografia de Carris a 8 de Maio de 1994)

Fotografia © Rui C. Barbosa

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Segredos


Carris, 28 de Janeiro de 2007

A entrada principal da Mina dos Carris encontra-se quase na sua totalidade já obstruída, porém ainda é possível ter acesso ao interior da mina... Muitas vezes me questionei sobre os segredos que lá ficaram e que por lá ficarão eternamente quando um dia tudo ruir.

Entrei na mina umas duas ou três vezes, pé ante pé muito lentamente para não agitar as águas e falando baixinho para não atormentar as almas... bom, na realidade havia sempre o receio de aquilo me cair em cima... felizmente não caiu. Não sei se hoje voltaria a fazer o mesmo... No seu interior não existe luz e quando lá no fundo olhava para a entrada, a luz que daí vinha parecia tão intensa e ofuscante como o Sol do meio dia em pleno mês de Agosto... O pingar incessante da água era constante e o mais pequeno murmor parecia quase um grito...

Vi as paredes de rocha, as derrocadas, o grande muro de cimento que segurava as águas do outra lado da galeria. O poço fundo e quase interminável, ao olhar, onde jaz o elevador e o seu frágil chão de madeira... os cabos de aço que em tempos o içavam e desciam agora mergulhados na água negra lá no fundo, os restos metálicos enferrujados no chão, pregos longos como finos floretes... estalactites brancas de um depósito qualquer... ferramentas abandonadas ao tempo aqui e ali, o receio de que algo ali surgisse vindo do nada... a vontade do fundo da Terra, sua vingança...

...que segredos lá ficaram e que por lá ficarão?... eternamente...

Fotografia © Rui C. Barbosa

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

O mergulho

Carris, 22 de Junho de 2003

...depois da chegada a Carris, cansado, deito-me no granito quente do Penedo da Saudade. A leve brisa torna o ar quente de Agosto mais ameno. O Sol começara a tornar-se implacável por entre as nuvens que passeiam calmas no céu.

A pele a tocar na rocha, os músculos relaxam... as caminhadas tornam-se quase uma rotina, transformando-se numa torrente de emoções à procura de algo novo à medida que nos aproximamos do final... A roupa suada cola-se ao corpo e a água quase não existe... 'tenho de ir á lagoa molhar os pés... ou dar um mergulho... nú...'

Lentamente o cansaço vai-nos vencendo e escorregamos para um mundo de sonhos sobre o granito ameno, a brisa embala-nos e o silêncio recortado pelo leve cantar dos ventos deixa-nos deslizar... Os sentidos tornam-se mais activos, o tempo vai passando... o silêncio torna-se pesado e por vezes parece que ao longe surgem outras vozes que não a nossa... Sonhamos com Carris ali tão perto e outras aventuras, outros tempos... outros sonhos...

Acordamos ao de leve... ajeitamo-nos sobre a rocha, quente... quente? 'Sim senhor, lindo escaldão!...'

Fotografia © Rui C. Barbosa

domingo, 4 de fevereiro de 2007

Para além das ruínas.


Carris, algures no passado...

Para além das ruínas procuro sinais de outros tempos... tempos em que Carris pulsava de actividade, tempos em Carris extraía das entranhas da Terra os preciosos metais... era a febre do volfrâmio que muita gente enriqueceu e outra desgraçou...

Procuro sinais da presença do Homem para além das ruínas, sinais de outros tempos... pequenas marcas, pequenos restos... há muito, ténues memórias. Memórias de outros tempos...

A memória dos Carris apaga-se, o tempo leva-a a História turva-a... dentro de algum tempo já não haverá estórias da história de Carris para contar e então tudo estará perdido...

Fotografia © António Ribeiro/Rui C. Barbosa

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

A Floresta.

Carris, 27 de Janeiro de 2007

Em Carris não há árvores, elas ficaram lá para trás como que a dizerem "Ali não vamos, não é o nosso lugar..."
Em Carris não há árvores, é o domínio das rochas e dos arbustos.
Em Carris não há árvores, é por causa da altitude dizem os entendidos... talvez seja...
Em Carris não há árvores, pelo menos é o que parece... eu vi algumas a crescer, escondidas pelas paredes em ruínas das casas... mas escondidas elas crescem...
Em Carris não há árvores, só em torno de Carris... lá ao fundo no vale... aqui não, não há árvores...
Em Carris não ouvimos o som do vento nas folhas das árvores, porque em Carris não há árvores!
Em Carris há árvores mortas, madeira velha, madeira podre... emparedada nas casas em ruínas que escondem pequenas árvores que nascem escondidas por entre as velhas paredes.
Em Carris não há árvores, é o domínio das rochas e dos arbustos... da sede e do calor... do cansaço e do frio...

Fotografia © Rui C. Barbosa

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

A presença...

Carris, 27 de Janeiro de 2007

Não deixa de ser curioso o facto de já muita gente me ter comentado terem sentido a presença de alguém em Carris... alguém ou algo... Não, não estou a dizer que o local é assombrado! Talvez seja pelas suas características, na verdade não é todos os dias que visitamos uma aldeia fantasma, mas não, o local não é assombrado.

Chegamos a Carris e somos deparados pelo que alguns caracterízam de um local triste, a destruição e as velhas ruínas estão por lá... o silêncio impera em muitos locais... sim, em Carris preza-se o silêncio e quase que somos compelidos a falar baixinho... religiosamente baixinho... para não assustar as almas, mas não... Carris não é um local assombrado...

...ou se calhar até o é! É assombrado por aqueles que vão lá e deixam ficar lixo! É assombrado por aqueles que vão lá e destroem as velhas casas em ruínas! É assombrado por aqueles que não sabem tirar o verdadeiro partido da presença na montanha! Todos estes são sim, as verdadeiras assombrações que deambulam por Carris!!!

Quando andares em Carris, lembra-te nunca estás só.... há sempre uma presença por lá...

Fotografia © Rui C. Barbosa