quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Serra do Soajo ou Serra da Peneda? (Parte 5 - Final)

Apresento hoje a 5.ª e última parte deste trabalho do Paulo Costa sobre a dinâmica do território a Norte do Rio Lima. Nesta última parte, convidei o autor, em jeito de remate, a escrever algumas palavras sobre o seu texto:

"Agora que este meu modesto trabalho veio a público, não posso deixar de agradecer, e assinalar, que este “parto” apenas foi possível em virtude do amável convite do Rui Barbosa, consabido autor do blogue “Carris-Gerês”, local privilegiado para um mergulhar no conhecimento apaixonado e enciclopédico das coisas serranas do nosso único Parque Nacional. 

Obrigado também a todos vocês que, como nós, partilham a paixão pelas montanhas e pelo saber a elas associado. 

E, já agora, votos de um excelente ano 2022, e que ele nos permita continuar a coleccionar sorrisos e amizades por esses espaços amplos de saborosa liberdade."

Quando ao vector que se utilizou para mostrar e disponibilizar este trabalho, vou repetir o texto que utilizei aquando da publicação da sua primeira parte...

"Desde que comecei a visitar o Parque Nacional da Peneda-Gerês e a partir do momento em que entramos neste mundo mágico de Natureza e presença humana, que procuro saber cada vez mais sobre as suas características, pequenas curiosidades e histórias de definem estas paisagens entre o Planalto de Castro Laboreiro e o Planalto da Mourela com a sua paisagem montanhosa moldada pelo Homem.

Recordo as primeiras visitas ao Soajo e a imensidão dos vales na passagem para a Peneda, uma paisagem que na altura seria das mais selvagens do país e que ainda nestes dias me proporciona uma sensação de entrar em algo único em Portugal.

Nessas viagens nas quais se vai conhecendo um pouco mais do território, sempre me intrigou o momento físico no qual «passava» da Serra de Soajo para a Serra da Peneda. Aquele instante que tão bem é definido noutros limites, aqui sempre me trouxe a curiosidade da sua definição. Por vezes, esta definição não é tão fácil, pois para mim a serra é sempre algo (numa primeira aproximação) definida à distância e temos de aprofundar um pouco mais para conseguir estabelecer limites que a distância não nos deixa definir.

Nos últimos anos, tem surgido um «debate» interessante sobre estes limites, mas que rapidamente se torna numa troca de argumentos muito pouco esclarecedora quando entramos no palco do insulto e da exaltação. O debate é ainda menos esclarecedor quando surgem no éter opiniões que são apenas caixas de eco sem sentido crítico, reflectindo apenas a sua postura de analfabetos funcionais sobre o tema.

O trabalho que hoje aqui vos apresento faz parte de um estudo do Paulo Costa que será publicado em cinco partes e que somente pretende esclarecer-nos um pouco acerca desta temática, ajudando a compreender um pouco mais a dinâmica do território a Norte do Rio Lima. Quem nestas palavras escritas vir algo mais do que isso, não vai compreender o objectivo destas linhas e não será merecedor de consideração num debate que posteriormente possa surgir noutros espaços no éter.

Este texto representa apenas, e nada mais do que isso, uma visão sobre o assunto. Em tempos, convidei outros para o fazerem sobre o mesmo tema aqui neste blogue; infelizmente, não houve vontade para isso..."

Assim, este espaço fica aberto para outras opiniões acerca do tema que possam vir a enriquecer, tal como o texto do Paulo Costa faz, o nosso conhecimento sobre o assunto e que venham a ajudar no debate!

Serra do Soajo ou Serra da Peneda? (Parte 1)

Serra do Soajo ou Serra da Peneda? (Parte2)

Serra do Soajo ou Serra da Peneda? (Parte 3)

Serra do Soajo ou Serra da Peneda? (Parte 4)

Fica a quinta e última parte do texto do Paulo Costa...

__________________

CONCLUSÕES/OPINIÕES 

A

I – A propósito deste capítulo, começo por citar aqui a Professora Suzanne Daveau, no seu livro «Caminhos e Fronteiras na Serra da Peneda – Alguns exemplos nos séculos XV e XVI e na actualidade» (Revista da Faculdade de Letras – Geografia I série, vol. XIX, Porto, 2003, pp. 81 – 86), onde esta autora nos diz:

“[…] Outro aspecto importante da Serra da Peneda é ser um maciço muito compartimentado e tradicionalmente designado por nomes variados, conforme é considerado nos seus diversos lados. Escrevia em 1758 o abade Manuel Luís Cerqueira, ao descrever a freguesia de Santa Maria do Extremo, sita na Portela de Vez, que as “serras não têm nomes certos (…) a serra que fica da parte do Nascente no Couto do Soajo chama-se Serra do Soajo, ou Serra da senhora da Peneda, que é ermida, que está dentro deste couto no meio da serra; aonde está a freguesia de Sistelo chama-se Serra de Sistelo, etc.” (Dicionário Geográfico, Ms. da Torre do Tombo, t. XIV, fls. 681-695). Terá sentido atribuir um único nome ao conjunto de terras altas rodeadas por Rio Minho, Vez e Lima, como se tornou habitual hoje?”

II – Chamo aqui também a terreiro o ensinamento do Professor Luís Moreira, que teve entretanto a amabilidade e a paciência de me aturar, e que entre outras boas lições me referiu, com muita propriedade, que o recurso aos mapas antigos para tentar provar algum tipo de evolução toponímica, constitui um terreno pantanoso. Isto porque: “[…] será sempre possível demonstrar uma coisa e o seu contrário, sem adulterar a leitura das fontes e sem cair em contradição. Em todo o caso, importa ter em conta que, normalmente, os mapas eram levantados pelas autoridades centrais, militares ou civis, e a sua leitura do território é sempre exógena e para quem o conhecimento dos locais nunca é fiável por se tratar de pessoas sem instrução. Daqui decorreram muitas generalizações e omissões, mais ou menos propositadas. Também é frequente observar que, localmente, o mesmo acidente orográfico possa ter várias designações consoante a vertente considerada.”

III – Feito este introito, direi que procuro aqui sublinhar a relatividade de quaisquer possíveis conclusões, e que serão muitas mais as hipóteses de trabalho, as conjecturas, do que o verdadeiro alcançar de verdadeiras conclusões, ademais porque o tema se movimenta, maioritariamente, no domínio das ciências sociais, tão sujeitas, por natureza, a teses e subjectividades. 

IV – Feito este sublinhado, direi agora que o “povo Soajeiro”, quer pelo seu natural isolamento ancestral, quer até pelos benefícios que lhe foram sendo conferidos ao longo da sua história, de que é um excelente exemplo a Montaria Real, era (e é) um povo orgulhoso e muito cioso do que é seu.

Também por isso, chegada a hora dos “baptismos”, aquele momento em que surgiu a necessidade de, por uma primeira vez, cartografar e referenciar toda aquela zona de serra/montanha (recorda-se que o 1º mapa é de 1561), terá lógica que os geógrafos/cartógrafos da época, ou aqueles que realizavam os respectivos trabalhos de campo, oriundos, muito provavelmente, do sul do país (Lisboa, Porto, ou Braga), e abordando, também provavelmente, a zona em questão pelo vale do Lima/Lindoso, ao questionarem os habitantes locais acerca dos respetivos orónimos e topónimos, tivessem por resposta as nomenclaturas por eles usada. 

Como será lógico, não seriam esses “senhores da cidade”, pelo menos por esses tempos, que realizariam tais baptismos.

V - Recorda-se, que então e ainda por séculos, quem detinha um concreto peso regional, nomeadamente em termos de importância política e administrativa, era a Vila do Soajo, local onde se centrava o poder político e administrativo do respetivo concelho. Seriam esses aqueles que “riscavam”, tanto mais que por esse tempo e há cerca de 50 anos, que, orgulhosamente, haviam sido promovidos à categoria de concelho (1514).

A este propósito, menciona o Dr. Jorge Lage, um denodado “Soajeiro dos 7 costados”, no seu já citado blogue «Soajo em noticiário» e creio que com fundamento, que: “Obviamente que, em termos de espaço montanhoso o clássico nome «Serra de Soajo», ao estar ligado ao nome da «Terra de Soajo», onde existiu a capital, da montaria, do concelho, do julgado, da freguesia, do espaço tradicional, da mais intensa humanização da serra, é o que mais justifica, o que tem maior razoabilidade, como nome certo!”.

Ou seja, pelo menos para quem abordasse este espaço serrano pelo seu flanco mais acessível e mais lógico (até porque já existiria uma espécie de estrada a percorrer o vale do Lima), ou seja, pelo Sul, tropeçaria nessa localidade/concelho situada aos pés da respectiva serrania.

Contudo, importante será realçar que já quem se aproximasse do mesmo espaço pelo lado Norte, ou seja, pelo lado galego, ou de Melgaço, poderia tender a apelidá-lo de uma outra forma, como seja o de “Serra de Laboreiro”, ou “Montes de Laboreiro”, ou até “Serra de Penegache” (que ficava - e fica do lado galego -, junto à fronteira com o rio Minho). 

Importante é acrescentar que pelo menos a partir do século XIII, quem viesse desse flanco Norte poderia até ter por missão o dirigir-se para a “Serra ou Monte da Peneda”, sobretudo se viajasse imbuído de algum tipo de fervor religioso para o local da respectiva ermida (mais tarde santuário).

VI – Também importante, na esteira do que se vem de mencionar, será ter-se noção que no “antigamente” as vias de comunicação não abundavam e, além disso, os caminhos seriam na sua grande maioria considerados maus pelos padrões actuais. Aliás, muitos deles não permitiriam viagens em carruagens ou diligências, mas somente a pé, a cavalo, ou de mula.

Como é óbvio, vistas aéreas dos locais a mapear também não existiam, pois nem a passarola do Bartolomeu de Gusmão por lá fora avistada.

Por sua vez, como mencionei já aqui, quando quem fazia os trabalhos de campo indagava junto dos locais acerca do nome de um qualquer acidente geográfico, como seja uma montanha ou uma serra, apenas o faria, em princípio, num ou noutro determinado local (normalmente na sede de concelho) e não em todo o redor do respetivo maciço. 

Assim, no caso concreto, seria provável que a averiguação acerca do nome da montanha, ou da serra, fosse realizada junto da vila mais próxima e mais importante de toda a zona, no caso, a do Soajo e já não, por exemplo, em “Rouças”, ou em “Sistelo”, ou na “Bouça dos Homens”. 

Mesmo em relação à vila de Castro Laboreiro, apesar de ter sido Vila e sede de concelho desde 1271 (data do “foral velho”) até 1855 (sendo constituída – recorda-se - exclusivamente pela freguesia do mesmo nome), ela não teria o mesmo peso político que a sua congénere do Soajo e, além disso, o seu acesso seria ainda mais difícil do que aquele que houvesse para realizar para esta última. 

VII – Tal como acabo de mencionar, por aqueles tempos existiam poucas estradas, existindo sim alguns caminhos (fracos) que ligavam povoações. Por isso, verificava-se um significativo isolamento dos lugares habitados, determinado não apenas pelo relevo acidentado, mas sobretudo em virtude do mau estado daquelas vias de comunicação.  

Assim, por exemplo, ainda nos finais do séc. XVIII a «estrada» que ligava Castro Laboreiro ao Gerês e que passava pelo Lindoso, não se encontrava transitável, nem sequer para as mulas.

VIII – Uma conclusão que me parece segura e pouco susceptível a controvérsias, é a de que nos princípios da nacionalidade e até ao ano de 1220 a “Serra da Peneda” não existiria enquanto nome da área serrana em questão.

Efectivamente, até essa data, ou seja, aquela da alegada aparição da Nossa Senhora das Neves (depois baptizada de “Senhora da Peneda”), aquele que é o lugar da Peneda, da actual freguesia da Gaviera, não tinha qualquer tipo de relevância, ou característica, que pudessem justificar a atribuição do nome “Peneda” às serranias adjacentes. Aliás, o local não teria qualquer presença humana de continuidade. 

Todavia, com o advento da aparição e, no essencial, com o início das peregrinações à ermida então construída e, mais tarde, ao santuário edificado, é de todo crível que quem se deslocasse àquele lugar referisse então que rumava (ou regressava) da “Senhora da Peneda”.

Assim, e por inerência, não será de estranhar que o espaço de montanha em que esse local religioso se encontrava, ganhasse, como que por osmose, o nome daquele relevante local.

Além disso, muitas das abordagens ao local da “Senhora da Peneda” tampouco se realizavam pela zona da localidade de Soajo, mas antes pelo Norte, através da zona de Melgaço e das terras galegas, o que mais propiciaria a divulgação e elevação do nome “Peneda” enquanto referência espacial.

IX - A este propósito volto aqui a citar o inestimável livro da Professora Elza Ramalho, no qual se lê: “A rede viária serrana foi, também, de suma importância para materializar os movimentos que, anualmente e a pé, as populações movidas pelo fervor religioso à Senhora da Peneda, na freguesia da Gavieira, realizavam na primeira semana de cada Setembro. Mais uma vez, foi o contacto direto com as gentes da raia limiana, nomeadamente, as galegas, que nos pôs a par dos percursos efetuados, que ignoravam, de facto, a existência de uma fronteira política e aproximavam, de modo indesmentível, povos sediados na Lobeira, Ourense, Arcos de Valdevez, Ponte da Barca ou Braga.” (obra citada - pág. 40).

X - Por sua vez, importante também será ter presente que uma serra é constituída por um conjunto de montes ou montanhas.

Quem habita junto de um qualquer monte, ou montanha, não teria (no “antigamente”), as mais das vezes, noção do seu conjunto, do seu “todo”, da sua dimensão total.

Assim e a título de exemplo, verifica-se que na área da “Serra do Gerês” muitas aldeias nomeiam a montanha que as rodeia com o nome das respectivas aldeias, ou da freguesia em que a mesma se integre (p. ex. a serra, ou monte, de “Fafião”, e a de “Cabril”, ou os montes de “Xertelo”). 

Daí que, por exemplo, encontremos por diversas vezes no passado a alusão à Serra ou “Monte da Gaveira”, ou da “Gaviarra” (este uma derivação de Gavieira, ou quiçá de “Gave”), ou, ainda, aos “Montes de Laboreiro” (por vezes, também, “Serra de Laboreiro”).

XI - Ainda neste domínio, também não se estranhará a persistência pelos séculos da designação, na área aqui em causa, ou ao seu redor, da chamada “Serra da Estrica” ou da “Strica”.

Na verdade, quem realizasse a abordagem do maciço serrano pela sua zona poente, delimitada, sensivelmente, pelo Rio Vez e pelo acesso Norte/Sul propiciado pelo seu vale, encontraria, por certo, quem referenciasse a zona montanhosa ali existente pelo nome talvez mais relevante, e com maior peso, naquela zona em concreto. No caso, esse nome poderia ser o de “Forte da Estrica”, ou “Strica”, situado no Lugar do mesmo nome (pertencente à freguesia de Sistelo) e num sítio correspondente a uma portela com importância estratégica em termos militares.

Se, porventura, a localidade de Sistelo por aqueles tempos mais remotos, tivesse uma mais relevante importância política e administrativa (mas seria então, apenas, um mero povoado, ou aquilo que se denominará por uma póvoa medieval), provavelmente seria ao seu nome a que se teria recorrido, naquela zona, para baptizar aquela serrania.   

XII - Outra ideia, também importante para o evoluir da nomenclatura em apreço, é o ter em conta que o Santuário de Nossa Senhora da Peneda terá começado a ser construído quando ainda pertencia ao concelho de Soajo, pois que a freguesia de Gavieira estava na sua circunscrição geográfica, sendo certo que já existiria um santuário no local actual no séc. XVII (e uma ermida a partir de inícios do séc. XIII).

A preceder esse Santuário, por sua vez, já existiria no local a já mencionada ermida e, tal como aqui já se mencionou seria muito significativo o número de peregrinos e romeiros que ali se dirigiam para oferecer as suas preces e ofertório, oriundos de variadas zonas e, inclusivamente, de terras espanholas.

Aprende-se na Wikipédia que será “provável que a tradição secular de Nossa Senhora das Neves e a dinâmica beneditina estabelecida pelo percurso dos monges do arcuense Mosteiro de Ermelo para Fiães, em Melgaço, desse lugar ao estabelecimento de um pequeno espaço de culto em redor do século XIII.” (Recorde-se, uma vez mais, que a aparição da Nossa Senhora das Neves é reportada ao ano de 1220).

Refira-se, na oportunidade, que a Senhora foi inicialmente designada como “das “Neves” porque o local onde, alegadamente (“Chã do Forato”, ou “Chã do Monte”) foi encontrada a sua imagem, pela sua significativa altitude, era todos os anos “visitada” pela neve.

XIII - Assim sendo, não será de estranhar que ao realizar os respetivos trabalhos de campo no século XVII, se tenha colhido, na zona do coração do maciço montanhoso em questão (onde se encontra, precisamente, o Santuário), aquele nome de “Peneda” para baptizar a Serra, ou, pelo menos, a zona montanhosa situada na área mais adjacente daquele local religioso. Aliás, esta tese ganhará maior credibilidade se atentarmos em que o fenómeno religioso assumia enorme relevo a vários níveis na vida portuguesa, sendo múltiplos os exemplos de oronomias e topografias com conotação ou origem religiosa.

XIV – Recorrendo, uma vez mais, à citada obra da Professora Elza Ramalho, descobrimos, entre muitas outras, mais uma informação relevantes relativo a esta temática e, assim, a fls. 230, lemos o seguinte: “Desconhece-se a época em que teria surgido o fervor mariano, mas, a primeira metade do séc. XIII poderá ser aventada. Contudo, o culto à Senhora das Neves, na Peneda, poderia ter tido um grande desenvolvimento na segunda metade do séc. XVI devido às fortes epidemias que grassaram por todo o país, nomeadamente, em Braga e Viana do Castelo, o que justificaria a deslocação de muitos devotos à Peneda (PINTOR, 1976: 24-25).” 

B

I – O fenómeno já aqui mencionado, que se antevê como dotado de alguma lógica, que é esse de se perguntar “aos de lá” e a quem “por lá riscava”, acerca dos nomes “de lá”, poderá estar na origem da primeira menção, cartográfica, ao nome de uma serra na zona aqui em questão, a qual, como se viu, ocorreu no contexto do mapa de Álvaro Seco, no ano de 1561 (cfr. pag. 24).

II - Depois desse primeiro mapa, vimos a encontrar no que será - em princípio - o segundo mapa de Portugal, mais concretamente a versão “deitada” do mapa de 1662 de Pedro Teixeira Albernaz (cfr. pág. 35) no qual figura a primeira referência, também cartográfica, à existência da “Serra da Peneda”.

III - Cem anos depois daquela primeira menção serrana do mapa de Álvaro Seco, e contemporaneamente com a versão vinda de mencionar do mapa de Pedro Albernaz, surgiu o mencionado mapa de Lescolles de 1661, e o seu (re) assinalar da existência da mesma “Serra da Peneda” (pág. 39).

Não pode deixar-se de voltar a sublinhar que esse mapa foi o primeiro de realizado com uma representação regional da zona mais a norte de Portugal, e pioneiro – também - em figurar com alguma pormenorização a respetiva representação orográfica. 

IV - Com as ressalvas vindas de assinalar, após esses mapas encontramos depois um significativo hiato temporal sem que o nome “Serra da Peneda” voltasse a ser nomeado, isto pelo menos no que se refere ao domínio da cartografia. 

Ou seja, o nome “Peneda” para designar aquele conjunto serrano, não se terá, aparentemente, sedimentado, e essa designação terá perdido a força então potencialmente emprestada por aquela versão (Teixeira Albernaz) e por aquele mapa (Lescolles).

V – Assim, ao passo que o nome serra do Soajo foi surgindo recorrentemente, sobretudo no período situado entre os meados do século XVII e o ano de 1793 (cfr. pag. 51 – mapa 27), que voltou a surgir um mapa a mencionar a existência da “Serra da Peneda”, aquele que ficou já acima mencionado, da autoria de Custódio Vilas Boas, englobando essa serra o ali designado “Outeiro Maior”, correspondente à zona do “Alto da Pedrada”. Essa situação, a ser real, ditaria – mal –, por consequência, a supressão da Serra do Soajo. 

Ou seja, durante cerca de 150 anos imperou o nome de “Serra do Soajo”.

VI - Depois desse mapa de 1793, temos que 7 anos depois, em 1800, surgiu o acima mencionado mapa de Benito Chias (pag. 47), o qual, como se referiu, foi, sem grandes margens para dúvidas, o mapa mais pormenorizado produzido até este final do século XVIII. Nele surgiu assinalada, apenas, a “Serra da Peneda”, omitindo, assim, a existência da “Serra do Soajo”. 

Mais, este autor, tal como o fizera Custódio Vilas Boas, também assinalou o “M. Pedrada” como o ponto culminante da dita “serra da Peneda”, com 1415 mts e tampouco assinalou o nome do cume “Peneda/Alto do Pedrinho”. Sem margem para grandes equívocos esse é um erro grosseiro deste mapa, bem como o do mapa do Custódio Vilas Boas.

VII - Depois do ano de 1800 e até meados do respectivo século XIX, por cerca de 50 anos, voltam a desaparecer as referências à “Serra da Peneda”, ressurgindo em força o nome da “Serra do Soajo”. No entanto, essa designação surgia então a par da referenciação da “Serra da Estrica” e, ainda que em menor número, também à “Serra de Penegache”, surgindo duas menções a uma tal de “Serra de Gamon”.

Refira-se, de passagem, que, de uma maneira geral, a “Serra da Estrica” era figurada nos mapas na zona mais a poente do maciço (zona do Corno do Bico-Sistelo) e a “Serra de Penagache” envolvendo mais a zona de Castro Laboreiro.

VIII - Depois, em 1854, surge um momento importante para algum tipo de reviravolta, com o mencionado mapa de Agostinho José Lopes Dinne (pag. 54), denominado «Carta geral dos triangulos fundamentaes do reino de Portugal». Este mapa assume grande relevância uma vez que nele surge, pela primeira vez, a referenciação de um cume (e não serra) de nome “Peneda”. Sem dúvida que este mapa, no que se refere à referenciação do nome ”Peneda”, resultou do trabalho de campo realizado por Pedro e Filipe Folque (pai e filho) levado a cabo a partir do ano de 1835.  

Assim, ambos receberam, em 1843, a incumbência de realizar a carta topográfica de Portugal, à escala de 1:100.000, sendo que o filho, Filipe Folque, entre 1844 e 1870, exerceu mesmo as funções de Diretor-Geral dos Trabalhos Geodésicos e Cartográficos do Reino.

Assim, quando os já mencionados Filipe de Sousa Folque, António José Pery, Gerardo Augusto Pery e Joaquim José dos Santos, apresentaram no ano de 1860 a sua – “Carta Geographica de Portugal” (pag. 55), nele mencionaram, precisamente, a existência de um cume com o nome “Peneda”. 

Ora, em termos geomorfológicos parece-me, muito humildemente, que esse terá sido, um erro deveras grosseiro, e que em muito contribuiu para o actual dissenso, motivo pelo qual se regressará à análise desta situação na parte final deste trabalho. 

Mencione-se, ainda, que o mapa destes últimos referencia também o Santuário de “Nossa Senhora da Peneda”, enquanto localidade. 

IX - Um ano depois, em 1861, talvez influenciado pelo trabalho vindo de mencionar, surge o já citado mapa com a designação de “Depósito dos Trabalhos Geodésicos” (ver pag. 56), de Francisco de Paula Rebelo e Nicolau Trant (ou melhor, Nicholas Trant, que chegou a ser Governador da cidade do Porto após a expulsão dos Franceses), nele ressurgindo a referência à “Serra da Peneda” (e não apenas o - mero - cume “descoberto” no trabalho anterior) e ao Santuário de Nossa Senhora da Peneda. Este mapa assinala também, como se disse, o “Outeiro Maior”. 

X - Ou seja, os meados do século XIX foram fundamentais para o surgimento de uma espécie ponto de viragem na questão da nomenclatura que aqui nos traz, pois, para futuro, o nome “Peneda” passou a assumir um outro destaque.

Todavia, tal como aqui já se referiu, até 1890 o nome “Peneda” surgiu, maioritária mas não exclusivamente, associado à designação de um cume e não de uma serra. 

Simultaneamente, e de forma gradual, o nome “Serra do Soajo” foi de algum modo perdendo protagonismo e surgindo, em crescendo, quer aquele nome (Peneda), quer a referência ao monte da Gaviera ou Gaviarra e, bem assim, à “Serra da Estrica”. 

XI – É em 1890 que vem a surgir o mapa que, salvo erro, mais e maior polémica suscitará entre os Soajeiros que vivem com maior fervor a que chamarei “causa soajeira”. Trata-se do mapa de Paul Choffat, no qual apenas surge referenciada a Serra da Peneda (omitindo, assim, a do Soajo), e que surge aqui representada ocupando toda a zona que se encontra no nordeste do Alto Minho (pag. 65 – mapa 69).

Porém, tal como se acabou de verificar, não foi essa na verdade a primeira ocasião que surgiu nos mapas o nome da “Serra da Peneda”. Apesar disso, certo é que foi após esse mapa que sobreveio a tendência de se dar destaque ao nome “Peneda”, com algum tipo de esquecimento do nome “Serra do Soajo”.

XII – Aliás, o próprio Professor Amorim Girão, um dos mais reputados Geógrafos portugueses do século XX, quiçá na esteira do que propugnara Choffat, sinalizou a “Serra da Peneda” ocupando toda a zona montanhosa a norte do Rio Lima. Ou seja, também este eminente professor aportou achas para a fogueira do dissenso aqui sob escrutínio. 

XIII – Em relação a obras científicas de cariz geográfico e de produção nacional, destaco aqui, muito embora correndo o sério risco de negligenciar muitas outras que possam existir com interesse, para lá da já mencionada de André de Resende, a obra de D. Nunes de Leão, com o título «Descripção do Reino de Portugal», publicado em 1610 (já após a morte do autor em 1608), o qual ao referir-se às serras existentes no nosso país, relata, em relação à zona situada entre os rio Douro e o rio Minho, as serras de “Monte Coroa de Coura” (Serra de Coira/Corno do Bico), a “serra de Lurez” (Gerês) e a “Serra de Soaja”.

XIV - Por sua vez, Manuel de Faria e Sousa (1590-1649), que de acordo com a Wikipédia foi um fidalgo, humanista, escritor, poeta, critico, historiador, filólogo e moralista português, numa das suas obras menciona a existência da “Serra de Soaya”, omitindo a eventual existência da “Serra da Peneda”.

XV - De todo o modo, em jeito de balanço, sobressai que sobretudo a partir do início do século XX, a tendência foi a de o nome das duas serras passaram, maioritariamente, a coexistir na zona em questão e que, pelo menos até ao ano de 1907, os manuais escolares referenciavam, apenas (ou também) a existência da “Serra do Soajo”.

XVI – De todo o modo, por força de variadas circunstâncias, nomeadamente aquelas que determinaram as opções dos mais destacados Geógrafos e professores catedráticos portugueses ao longo do século XX, assistiu-se, em termos gerais, a um acentuar da tendência de situar no espaço em questão duas serranias, a da Peneda e a do Soajo.

Aliás, a ocorrer o detrimento de alguma delas, parece-me que a tendência tem sido a de olvidar a “Serra do Soajo”

C

I – Voltemos agora um pouco atrás para relembrar que no ano de 1875 ficou terminada a obra do actual Santuário de Nossa Senhora da Peneda. Esse facto, aliado à circunstância de Soajo ter deixado de ser sede de concelho em 1852, e ter passado a integrar, geográfica e administrativamente, o território do que se perspetiva ter sido, de algum modo, um seu rival ancestral, ou seja, o concelho de Arcos de Valdevez, propiciou a que a Igreja, associada ao crescente poder arcuense, a par de outras circunstâncias impossíveis de aqui escalpelizar, lograsse promover o nome “Peneda”, em detrimento do nome “Soajo”. 

II – Terá sido uma questão de marketing à moda do século XIX, que culminou, em suma, no mapa de Paul Choffat, que deu azo a uma maior divulgação daquele nome para a serrania envolvente daquele templo e, assim, do Santuário, bem como da religião enquanto todo.

Como é óbvio, esta será uma explicação provavelmente simplista, mas pormenores existem, que a corresponderem integralmente à realidade então vivida, contribuem, também eles, para que se compreenda a génese daquela ascensão do nome “Peneda”.

III - Assim, na já mencionada página, “Soajo em Noticiário”, cuja leitura se recomenda (desde que se “perdoe” o que considero uma espécie de exacerbado “amor à camisola”), e que é da autoria do já mencionado Dr. Jorge Lage, e cuja importância justifica que aqui nos detenhamos nela mais demoradamente. Na verdade nela encontramos algumas curiosidades, bem como informação diversa, que nos podem trazer boa luz para a compreensão desta matéria.

Assim e nomeadamente, alega-se ali que Gerardo Augusto Pery (já aqui mencionado a propósito de mapas de 1860 e 1884 – “Carta Geográphica de Portugal”), terá sido muito influenciado no seu trabalho e, desse modo, na nomenclatura adoptada, por dois fidalgos de Arcos de Valdevez, que estariam fortemente ligados ao poder autárquico daquela vila.

Também surge nessa página uma crítica importante e que se prefigura pertinente, a propósito do trabalho realizado pelo já mencionado Paul Choffat, cientista de origem Suíça (falecido em Lisboa em 1919), o qual, recorda-se, em 1890 publicara a «Carta Geológica de Portugal», nela mencionando a “Serra da Peneda” e, em simultâneo, como que eclipsando a “Serra do Soajo”.

Assim, consigna-se ali que: «[…] em 1932, foi publicada a primeira Geografia de Portugal, dita «científica» e moderna, trabalho universitário de elevado rigor científico, da autoria do alemão H. Lautensach, para efeitos de doutoramento. Exigiu-lhe a obtenção deste grau académico a pesquisa em inúmeras obras geográficas, o que lhe permitiu apreciar criticamente o que considerou «erros» cometidos por Choffat, de chamar à serra de Soajo, Peneda, e à Serra Amarela também Serra de Soajo! O Professor Doutor Hermann Lautensach através do «Centro de Estudos Geográficos», agregado ao «Instituto para a Alta Cultura», em 1948, viu publicado o notável trabalho intitulado «Bibliografia Geográfica de Portugal», obra onde consta que Choffat  «tentou fixar a nomenclatura das principais serras portuguesas, [mas] não isentas de erros.»! De facto na sua notável obra Geografia de Portugal, em alemão, só tardiamente, traduzida para português, colocou a «Serra de Soajo» a norte do rio Lima, a culminar a 1415 m, e a sul deste rio difundiu que a serra tem um só nome, «Serra Amarela»! Deitou, portanto, para o caixote do lixo «Peneda» como nome de serra, e o de «Suajo» a sul do Lima!”.

Igualmente ali se relata uma circunstância, a que ainda regressaremos infra, que nos ensina que: “[…] o intelectual arcuense Dr. Félix Alves Pereira, também criticou o nome «Peneda» que foi posto em vez de «Pedrinho», atribuindo a culpa do disparate ao guia que acompanhou “os homens dos marcos geodésicos””.

Com essa alusão o Dr. Félix Pereira pretenderia talvez referir-se aos que estiveram na origem do trabalho de Agostinho José Lopes Dinne, sendo que este, tal como aqui já mencionei, em 1854, na sua «Carta geral dos triangulos fundamentaes do reino de Portugal» referenciou um cume de nome “Peneda”, assinalando-o como um dos “Triângulos”, ou marcos/vértices geodésicos de 1ª ordem de Portugal. 

Tanto quanto é dado a saber (e ficou também aqui já referido), terão sido Pedro e Filipe Folque (pai e filho) a colaborar no terreno, sobretudo a partir de 1835, para determinar tais triângulos, indicando, também e por arrastamento, a respetiva nomenclatura.

 Porém, essa crítica do Dr. Félix Pereira também poderia ter por destinatários este Filipe de Sousa Folque e, simultaneamente, Gerardo Augusto Pery, pois em 1860 apresentaram, em colaboração com outros personagens, a “Carta Geographica de Portugal”, nela assinalando o cume com o nome “Peneda” (com 1379 mts). 

Todavia, existe ainda uma terceira hipótese, a de aquele intelectual arcuense ter então em mente o trabalho realizado por Francisco de Paula Ribeiro e Nicolau Trant, que em 1861 produziram o «Depósito dos Trabalhos Geodésicos», um mapa de índole regional, nele se destacando a referência à “Serra da Peneda”, e omitindo a do Soajo.

IV - Ainda a propósito dos motivos que possam ter estado subjacentes à ascensão do nome “Peneda” e à concomitante penalização de “Soajo”, encontramos no dito blogue este interessante trecho: “[…] convém dizer que os «fidalgos da Casa Real», António Sá Sottomayor, e Gaspar de Azevedo Araújo e Gama, protagonistas da extinção do concelho de Soajo, tiveram também como principal objectivo sentarem-se à «Mesa da Tesouraria» das «Finanças do Santuário da Peneda». E não perderam tempo, pois nos anos seguintes à tomada do concelho de Soajo, lá apareceram para as gerir, porque naquela época, um dos principais “bancos” do norte do país, era o do muito importante Santuário do Alto Minho!”

V – Também algumas achegas interessantes são-nos também servidas pelo Arqtº Fernando Cerqueira Barros, que tenho o prazer de conhecer pessoalmente, o qual, debruçando-se sobre o fenómeno aqui em estudo, chama a atenção para a importância das instituições monásticas, fomentadoras do povoamento nacional, bem como da contínua cristianização dos pontos mais distantes da nação. Nessa sequência, cita a “Carta de Foro de Monte de Laboreiro quod vocatur Padron”, de 15 de janeiro de 1271, pela qual o rei D. Afonso III deu carta de foro a seis casais de Sistelo (que seria então uma Póvoa medieval), para povoarem e trabalharem o então “monte ermo” de Padrão (lugar da freguesia de Sistelo). Mais importante é, no entanto, para o que ao caso interessa, a referência no próprio título da Carta de Foro da alusão ao nome “Monte de Laboreiro”.

Na verdade, tendo-se também em atenção o facto de Castro Laboreiro ter sido concelho por vários séculos (criado bem antes do concelho do Soajo e sendo extinto 3 anos após tal ter sucedido com o desta Vila), não será de estranhar que a zona de montanha em que a vila se situava pudesse receber o seu nome. Por isso mesmo e por outras razões, creio que o nome “Montes de Laboreiro” será de preservar, ainda que se possa propender a considerar que tais montes se integrarão na “Serra da Peneda”, ou, consoante o que se possa concluir, ou ter por convicção, na “Serra do Soajo”.

Contudo, verdade seja dita que sob o ponto de vista geomorfológico o “Monte” ou “Montes” de Laboreiro”, são deveras distintos da juventude serrana que subjaz ao que possa ser a “serra da Peneda”, pelo que aquela inclusão não poderá cobrar créditos geográficos, mas apenas e eventualmente, históricos ou culturais.

VI - Refiro, na oportunidade, que também encontrei uma publicação espanhola antiga que menciona a existência da “Serra de Castro Laboreiro”, sendo nela também referida a existência do “Vale de Ollelas”, descobrindo-se que correspondia ao que é o vale do Rio Castro Laboreiro.

D

I - No que diz respeito a eventuais conclusões, permito-me ter para mim como segura aquela que há cerca de 30 anos me assalta o pensamento. Assim, o ter-se, num determinado momento da história, a que já acima nos referimos, apelidado de “Peneda” o cume corresponde ao “Alto do Pedrinho”, constituiu um momento deveras infeliz, ainda que de importância mais regional, na história da geografia portuguesa. 

II – Assim, tal como principiei por manifestar, aqui firmo a minha convicção, ainda que amadora, de que nada em termos geomorfológicos permitiria retirar esse cume daquele conjunto em que reina e pontifica o “Alto da Pedrada”. 

E, por sua vez, se o “Alto da Pedrada” é, incontroversamente, o ponto mais proeminente da “Serra do Soajo”, o cume apelidado “Peneda” teria que fazer parte desse conjunto e, assim, em coerência, ser parte constituinte da “Serra do Soajo”.

Esse que parece constituir um erro grosseiro ficou, aliás, já realçado em alguns momentos da história e por alguns geógrafos com reputação

III - Assim, na já mencionada página do “Soajo em Noticiário”, encontra-se a este propósito alguma informação que se prefigura com credibilidade, e que poderá trazer alguma luz sobre a génese daquela situação de erro. Lê-se ali o seguinte relato: “Moller [Adolpho Moller, naturalista alemão] foi mesmo enganado pelo guia, sacristão no Santuário, pois na Pedrada, sita no Outeiro Maior, em 1890, já havia uma pirâmide geodésica de 2ª ordem em que a altitude fora avaliada em 1415m, portanto superior ao valor declarado no PEDRINHO (falseado com o nome Peneda)! De facto, em 1888, todo o Atlas com a Carta Corográfica do Reino, com 37 folhas, já tinha sido publicado, na escala de1/100 000. A altitude no vértice da pirâmide do Pedrinho (falsa Peneda) fora corrigida para 1373 m, do anterior valor de 1446 m referido por Pery! Na Pedrada, ponto mais elevado do Outeiro Maior, e de toda a Serra do Soajo, já estava em 1887 o vértice da sua pirâmide geodésica  avaliado em 1415 m de altitude. Enquanto as torres para instalar as pirâmides (vulgo Marcos), considerados pontos de 1ª ordem subiam a 9 m de altura e tinham na base cerca de 9 m2, nas de segunda ordem elevavam-se a 2,5 m.”

IV - Mais impactante nesse papel de reposição do que se objetiva como incontroverso, ou seja, a existência da “Serra do Soajo”, terá sido o desempenhado por Hermann Lautensach, um conceituado geógrafo, de origem alemã, especialista em geografia física, e que publicou importantes obras sobre a geografia de Portugal.

Este escreveu acerca dos erros dos nomes das serras cometidos pelo mencionado Choffat, fazendo-o na sua obra «Bibliografia Geográfica de Portugal», publicada em 1948. Esse geógrafo alemão concluiu, em suma, que o espaço montanhoso em questão deveria receber o nome de “Serra do Soajo” e não um outro qualquer. 

Uma situação curiosa, que será facilmente comprovável pela leitura das respetivas obras, foi a de que Geógrafos houve, como por exemplo Francisco Xavier da Silva Telles, que ao “entregarem” a zona montanhosa em questão à “Serra da Peneda”, e cientes que a “Serra do Soajo” não poderia simplesmente eclipsar-se, pretenderam colocá-la a ocupar a área que, por direito, pertence à “Serra Amarela” (esta já referenciada, por exemplo, no mapa de Custódio Vilas Boas no ano de 1793). Como é sabido esta “Serra Amarela” está situada a sul do vale do Rio Lima.

Assim, este Geógrafo, declarou, por exemplo, que a “Serra Amarela” também se poderia denominar – pasme-se - por “Suajo ou Louriça”!

Ora, se Louriça seria uma designação perfeitamente aceitável, por corresponder ao ponto mais alto da Serra Amarela (ou talvez, mais genuinamente, D’Amarela), já o designá-la por “Suajo” corresponderá a um erro tão grosseiro que nem merecerá outros comentários.

V - Uma abordagem também interessante relativa a esta temática, foi realizada no contexto da obra do General Marquez D’Avila e de Bolama, de nome “A Nova Carta Chorographica de Portugal”, 3º volume, publicado em 1914, na qual se lê: 

 “Ao norte do rio Lima o a oeste do rio de Castro Laboreiro encontram-se as serras da Gavieira, […] e Suajo ou Amarella, com as cotas de 1268-1373 e 900 metros aproximadamente de altitude.” 

Como é óbvio este trecho está prenho de asneiras, sobressaindo o ter-se ali mencionado “Soajo ou Amarela”, ademais quando estava em causa, segundo próprio autor, uma zona a norte do Rio Lima. 

Mais adiante, acrescentou o autor alguns trechos mais interessantes (ainda que voltem a conter inverdades). Assim lê-se ali: “Na serra da Peneda está construída a pirâmide geodésica de 1.ª ordem, denominada Peneda. É esta a altura maior da montuosa região de entre Lima e Minho, numas cumeadas a que chamam Outeiro Maior e o seu ponto culminante […] a Pedrada. Esta serra não tem nem jamais teve outro nome genérico senão aquele e, por isso, eu penso que a melhor designação para todas estas montanhas seria a da serra de Soajo; uma parte ao N. de Tibo poderia chamar-se serra da Gavieira ou da Peneda. Outro sítio importante desta região, por ter uma grande pirâmide geodésica, tem o nome de Pedrinho, e fica a 1.373"' de altitude. É o mesmo que a Carta Geodésica chama (menos exatamente, Peneda).” 

VI – Ainda no domínio da busca da génese do que me parece constituir o predito erro, encontra-se uma obra muito interessante, e que já acima referi (pag. 103) do mencionado arcuense, Dr. Felix Alves Pereira, que escreveu para “O Archeologo Portuguès” (Volume VII) pags. 193 – 209, um artigo com o nome “Um passeio archeologico no concelho dos Arcos de Valdevéz”. Este autor realizou diversos desses passeios durante o ano de 1893.

Refira-se, por uma questão de enquadramento, que o Dr. Félix Alves Pereira (1865-1936), nascido na Vila de Arcos de Valdevez, foi advogado, mas também (ou se calhar, sobretudo) arqueólogo e historiador, bem como especialista em etnografia e antropologista, estudos que abraçou por vocação. Veio a estabelecer-se em Lisboa em 1901 e a ser Oficial e Conservador do Museu Etnológico Português, onde foi dedicado colaborador do Dr. José Leite de Vasconcelos.

Foi, precisamente, quando tropecei na publicação de um excerto desse concreto “passeio”, na página facebookiana de um amigo soajeiro, que voltei a despertar e a ganhar alento para o presente tema.

Assim, a folhas 207 desse volume VII, discorre assim o autor: “O Calcado é uma lomba de serra que na carta geodésica n.º 1 tem a cota de 1:250 e fica a SE do marco lá inexatamente designado com o título de Peneda em vez de Pedrinho.”

Em nota de rodapé, prossegue depois o Dr. Felix Pereira: “Esta inexatidão provém naturalmente de informação confusa prestada pelos guias ao distincto engenheiro que levantou a carta geodésica [Gerardo Pery] nesta região. O marco a que na carta n.º 1 se assigna o título Peneda, é conhecido pelos habitantes com o nome de marco do Pedrinho, e teve a cota de 1:373. […] Esta grande serra tem sido designada pelos que consultam esta carta com a epigraphe de serra da Peneda, em consequência da facilidade com que salta à vista a palavra Peneda (aliás, Pedrinho) escrita em letras maisculas, mas deverá ser chamada serra do Soajo, porque o seu ponto culminante (Pedrada 1:415 metros) está dentro de limites da freguesia de Soajo.”

Mais ali se acrescenta, ainda em rodapé, que: “isto não impede que se possam chamar serras da Gavieira as montanhas situadas na área da freguesia da Gavieira, embora sejam seguimento da cordilheira principal ou Serra do Soajo.”

VII - Dito tudo isto e aproveitando os meus razoáveis conhecimentos no terreno, propiciados por cerca de 30 anos como andarilho pelas serranias do PNPG, apresento os seguintes factos:  Quem observa de sul o conjunto do espaço montanhoso situado a Norte do Rio Lima e partindo de jusante para montante (de Viana do Castelo para o Lindoso), encontramos, sucessivamente, em traços gerais, os seguintes espaços montanhosos:

a) Uma primeira secção corresponde ao Monte, ou Serra de Santa Luzia, que atinge os 549 mts de altitude, sendo limitada a Poente pelo oceânico Atlântico e a Nascente, em termos genéricos, pela “Serra de Arga”.

b) Segue-se esta Serra de Arga (825 mts, no Alto do Espinheiro), limitada a Nascente pelo vale onde corre o Rio Estorãos.

c) De seguida encontramos a Serra/Montanha de Corno do Bico (883 mts). Esta serra tem adjacente, a norte, a “Serra do Cotão”, sendo limitada, a nascente, em termos genéricos, pelo vale do Rio Vez (envolvendo a zona da “Portela da Estrica”). Corresponderá, em termos mais gerais, à denominada “Serra de Coira” representada no primevo mapa de Álvaro Seco. 

d) O Monte ou Montanha do Gião (821 mts), será a montanha seguinte, integrada já no maciço da “Serra do Soajo”, a cujo núcleo se liga pela zona da Portela do Mezio.

e) Por último, colada às terras galegas, temos a Serra do Soajo, que atinge no Alto da Pedrada os 1416 mts. Esta serra é delimitada, a Nascente, pelo vale do Rio Castro Laboreiro.

VII – Sendo para mim segura e incontroversa a existência da “Serra do Soajo”, e tudo em virtude, no essencial, de tudo quanto aqui ficou relatado, a questão essencial passará então pelos seus concretos limites. 

A minha convicção é a de que, a não ser que tenha lugar uma intervenção por parte de académicos que, pela sua valia formal e conhecimento, concretizem, em definitivo, essa delimitação, a mesma jamais será pacífica, ademais porque são muitas as variáveis e os pontos de vista para que se propicie essa definição.

VIII – Valendo pouco, ou muito pouco, certo é que a minha lógica “grita-me” que em termos geomorfológicos a “Serra do Soajo” tem, necessariamente, pelo seu lado Norte, que abranger o cume posteriormente rebaptizado de “Peneda”. 

Ora, abarcando-o terá - também necessariamente - que alcançar o Rio Vez na zona em que este inflete a Poente, percorrendo o vale em que situam a Branda da Aveleira, a Branda do Furado e a de Vale de Poldros. Na verdade, toda aquela área montanhosa é “farinha do mesmo saco”, quer em antiguidade quer em continuidade espacial.

A Norte situar-se-á, depois, a “Montanha do Fojo” (Srª da Guia). No entanto, este monte terá a mesma idade geológica da “Serra do Soajo”, e partilha as suas características a nível de relevo. Esta montanha apenas se encontra separada da sua área montanhosa mais a sul em virtude da erosão provocada pelo vale glaciário do Rio Vez. Posto isso, não me custa considerar, embora tenha que aceitar opinião diferente, que essa montanha integra a “Serra do Soajo”.

De todo o modo, no mínimo, a “Serra do Soajo” alcançará o vale norte do Rio Vez.

A Noroeste e a Nascente, e recorrendo à mesmíssima lógica geomorfológica, a “Serra do Soajo” alcançará a zona do denominado “Batateiro” e o vale de “Part’Águas”. A serra soajeira estender-se-á depois para Sul sempre com a sua delimitação firmada pelo vale do “Rio Pomba” e, mais adiante, na zona da aldeia de Gavieira, pelo “Rio Peneda, “descendo” depois até à Várzea e à foz do Rio Laboreiro, quando este vem a abraçar do Rio Lima.

Na verdade, do vale do “Rio Pomba” para Nascente surge um maciço montanhoso de maior juventude, mais caótico e menos castigado pela erosão, em que se encontram, por exemplo, os cumes de “Outeiro Alvo”, “Penameda” e “Rajada”. Ou seja, trata-se de uma zona de montanha de formação posterior àquela que lhe fica a Poente (a “Serra do Soajo”).

Recordo que, tal como acima mencionei, a zona que aqui chamo de “Serra do Soajo” terá entre 320 a 380 milhões de anos, e que esta outra zona, mais agreste e mais jovem em termos geológicos, terá, em média, cerca de 290 milhões de anos.

A esta zona mais jovem, também porque terá raízes históricas que poderão justificar tal nomenclatura (nascidas no séc. XIII), chamarei aqui “Serra da Peneda”. 

Todavia, se quisermos fazer uma leitura de conjunto de todo aquele espaço de montanha, terei então como mais plausível que a “Serra da Peneda” seja, apenas, considerada como constituindo os “Montes da Peneda”, integrando então, nesse caso, o conjunto maior de toda aquela área serrana, da que será a “Serra do Soajo”.

Tenho também para mim como verdade, aceitando-a, porém, como relativa, que a par desta “Serra de Soajo” e – da talvez provável – “Serra da Peneda”, se deverá dar depois algum tipo de autonomia aos chamados “Montes de Laboreiro” (que, em coerência com o que venho de referir, a par dos ditos “Montes da Peneda”, quiçá possam a integrar a “Serra do Soajo”).

Estes “Montes de Laboreiro” terão, sensivelmente, a mesma idade da “Serra do Soajo”, em relação à qual constituirão uma espécie de irmandade, mas ficando de praticamente isolados desta pelo permeio da “Serra da Peneda”, mas mantendo, no entanto, algum tipo de ligação física no seu estremo Norte pla zona da nascente do “Rio Mouro”.

IX - Por último e recorrendo à dita lógica geomorfológica, que parece a mais plausível em termos científicos, não vejo qualquer motivo (com a excepção da tradição mais recente associada ao recurso ao termo “Brandas da Peneda”), tal como resulta do que acima escrevi, para que esta “Serra do Soajo” não se prolongue, a Poente, ao vale do Rio Vez, onde este rio vem correr aos pés de Sistelo, Cabreiro e Vilela.

IX – Esta dita lógica, fundada, pelo menos em parte, em critérios histórico e culturais, mas, sobretudo, geomorfológicos, para além de passível de muitas outras controvérsias, resulta, sublinho, de uma observação realizada a partir do Sul do Rio Lima e olhando a Norte.

Ora, se a abordagem for realizada do lado Galego, outro galo poderá cantar. Quem vem por essas bandas tampouco consegue observar a “Serra do Soajo”, pelo menos a parte que, incontroversamente, a compõe. Vêem-se, isso sim, em termos genéricos, os “Montes de Laboreiro”, bem como a chamada “Montanha de Picos” (cujo ponto mais alto é “Cabeço do Pico” com 1256 mts) e a mencionada “Montanha do Fojo”.

Nesse caso, torna-se pertinente chamar-se a terreiro os ensinamentos da Professora Elza Maria Gonçalves Rodrigues de Carvalho, Professora do Departamento de Geografia da Universidade do Minho, que coloca a hipótese de a “Serra da Peneda” constituir um elemento integrador dos “Montes Laboreiro”, sendo que, por sua vez, estes “Montes Laboreiro” constituirão um complexo montanhoso que se desenvolverá desde Celanova (província de Orense), até às proximidades do Rio Vez, da freguesia de Sistelo. Ou seja, são sempre possíveis muitas e diversas interpretações. Aliás, entre essas interpretações está aquela, que já aqui mencionei, de a “Serra do Soajo” integrar - ela sim - o conjunto de todas aquelas montanhas. 

De todo o modo, refira-se que esta Professora no contexto da sua obra, na qual muito se aprende, menciona e de alguma forma aceita, em inúmeras ocasiões, a existência, em paralelo, das Serras de “Soajo” e da “Peneda”.

X – Por último, e na esteira até do que venho de discorrer, recordo aqui uma vez mais que uma serra vem a ser um conjunto de montanhas e que na zona em causa serão muitos os montes e montanhas existentes.

Todas essas montanhas farão parte de um conjunto, ou seja, de uma serra. Ou poderão, inclusivamente, essas montanhas constituir, por motivos diversos (essencialmente geomorfológicos ou histórico/culturais), mais do que uma serra.

Se todas as montanhas aqui em causa, porque unidas fisicamente, constituírem uma única serra, parece-me que, em termos históricos, face sobretudo ao volume de mapas e trabalhos que fazem essa referência, a “Serra do Soajo” deveria ter a primazia.

Todavia, quiçá o caminho mais sensato e mais consentâneo com as realidades geológicas, dite a coexistência das duas serras. Essa coexistência, creio eu, não deverá colocar entraves a que se distinga, neste conjunto serrano, os ditos “Montes de Laboreiro”, o que se poderá verificar em simultâneo com o reconhecimento da existência de outros montes ou montanhas, como serão o caso do “Monte Gião”, o “Monte de Padrão”, ou até o “Monte do Fojo” e a “Montanha de Picos”.

XI - É então este um trabalho modesto, talvez algo atabalhoado e, necessariamente, incompleto, a carecer da contribuição de quem mais e melhor saiba, tudo no sentido de trazer luz a um tema que tem todo o potencial para extravasar da mera disputa do que seja uma coisa ou outra e, como tal, uma mero ponto de partida para as delícias do conhecimento. 

Por fim, volvidas estas décadas, posso agora eu dizer: “penso eu de que”, e, ainda assim, mais do que apresentar conclusões, trazer à superfície alguns episódios, curiosidades e relíquias relativos a esta bela região montanhosa.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)


Sem comentários: