domingo, 26 de dezembro de 2021

Serra de Soajo ou Serra da Peneda? (Parte 2)

 


Publico hoje a segunda de cinco partes de um estudo do Paulo Costa que pretende esclarecer-nos um pouco acerca de um interessante tema que envolve a Serra de Soajo e a Serra da Peneda, ajudando a compreender um pouco mais a dinâmica do território a Norte do Rio Lima.

Tal como referi anteriormente, este texto representa apenas, e nada mais do que isso, uma visão de autor sobre o assunto. 

Serra de Soajo ou Serra da Peneda? (Parte 1)

Fica a segunda parte do texto do Paulo Costa...


F - Alguma história acerca da Peneda e da Nossa Senhora da Peneda


I - Uma vez que este pequeno trabalho tem por objeto a zona em que o tema se enquadra, não resisto a abordar aqui algumas curiosidades relativas à lenda da Nossa Senhora das Neves (que veio a ficar depois conhecida por Nossa Senhora da Peneda), bem como à história e evolução da respetiva ermida/basílica. 

Aliás, adianto que de algum modo me permito concluir que, tudo visto, a história da ermida (primeiro) e da basílica (depois) e da Igreja em geral, poderão não ser alheias, nem “inocentes”, relativamente à questão das nomenclaturas aqui em causa.

II - Assim, começo por mencionar que no ano de 1220, no dia 5 de Agosto, foi registado o aparecimento da então chamada Nossa Senhora das Neves, o que aconteceu na zona da actual localidade da Peneda, que então não existia enquanto local de aglomeração humana, e desde então teve início a sua veneração no local onde terá ocorrido a respetiva aparição.

Com a preciosa ajuda do site da “Direção Geral do Património Cultural”, aprende-se o seguinte acerca desta lenda: 

1 - Segundo Frei Agostinho de Santa Maria, no Santuário Mariano, no concelho do Soajo, entre o lugar de São Salvador da Gavieira e o de Castro, fica uma montanha altíssima de penedos muito grandes, à vista soltos e mal arrumados, tendo entre eles três que entre si formam uma lapa, e tendo em cima deles outro atravessado, de tamanha grandeza que é visto à distância de uma légua. Nesse sítio apareceu a milagrosa imagem da Senhora da Peneda ou das Neves, a 5 de agosto de 1220, mais ou menos, tempo em que se pode chegar àquele sítio, devido às neves que o cobrem a maior parte do ano. Quando entre as penedias uma pastora pastoreava algumas cabras, apareceu-lhe a Senhora, ao que dizem em forma de uma pomba branca voando ao seu redor, e manda-a dizer aos habitantes do seu lugar da Gavieira para ali lhe edificarem uma ermida. A pastora contou aos seus pais o pedido, mas esses não lhe dão crédito. Noutro dia, voltando a pastorinha com as suas cabras àquelas paragens, volta a aparecer-lhe a mesma Senhora numa lapa, e diz-lhe: "filha, já que não querem dar crédito ao que eu mando, vai ao lugar de Rouças (da mesma freguesia de Gavieira), onde está uma mulher entrevada há dezoito anos, e diz aos moradores do lugar que a tragam à minha presença para que ela cobre perfeita saúde". Assim fez a pastorinha e quando a mulher, chamada Domingas Gregório, chega à presença da imagem sagrada, logo ficou livre de todos os achaques que padecia, louvando a Virgem pelo benefício recebido. Frei Agostinho diz que a imagem é tão pequenina, não passando de um palmo de altura, que não foi obra dos homens, mas formada pelos anjos para acudir a remediar aos pecadores. Refere ainda que todos os que presenciaram o milagre de Domingas Gregório ficaram entusiasmados e trataram de construir a capela. Como porém o sítio da lapa onde apareceu a imagem era difícil para a construção, resolvem construí-la mais abaixo. Contudo, a imagem voltava sempre ao lugar primitivo, decidindo-se assim construir ali a ermida. O Pe. Carvalho da Costa, na Corografia Portuguesa, alude a uma tradição diferente. Segundo ele, entre ásperas serras, ao pé de uma altíssima e precipitada penha, foi achada há muitos anos, numa lapa, Nossa Senhora da Peneda, por um criminoso, natural de Ponte de Lima. Este, acossado da justiça, passava miseravelmente a vida entre aqueles solitários bosques, servindo-lhes de companhia as feras, mas recorrendo a Deus com suas penitências de grande arrependimento, a Senhora consente que ele fosse o primeiro a vê-la depois de tantos anos estar oculta. A imagem, com o corpo tendo menos de um palmo, é de cor morena e tem o Menino Jesus no braço, sendo imagem milagrosa e de grande romagem todos os anos desde 5 de agosto até o dia de São Lourenço (10 agosto).”

III - Entretanto, embora se trate de uma - quase - repetição daquilo que acabo de transcrever, não resisto aqui a maçá-los com um texto, de 1706, da autoria do acima mencionado Padre António Carvalho da Costa, com o título “Corografia Portugueza e descripçam Topografica do famoso Reyno de Portugal”, em que este também relata a lenda em questão, mas utilizando o “delicioso” português de antanho (aconselho, desde já, para que se compreenda o texto, a que substituam a leitura de todas as letras “f’” pela letra “s”: 

aqui entre alfeperas ferras ao pé de huma altiffima & precipitada penha  foy achada há muitos anos em huma lapa, Noffa Senhora da Peneda. He tradição, que a defcobríra hum criminofo natural de Ponte de Lima, que acoçado da juftiça paffava miferavelmente a vida entre eftes folitarios bofques, fervindo-lhe as feras de companhia; & neftes termos bem fe póde presumir o quanto paffaria defgoftosos & maltratado, caufa de recorrer a Deos com penitencias, acompanhadas de grande arrependimento, do que he evidente prova o confentir a Senhora que elle foffe o primeiro que a viffe, depois de tantos anos eftar oculta. He de cor morena & o corpo menos de palmo com o Menino Jefus no braço: he imagem milagrofa, & de grande romagem todos os anos defde cinco de Agofto até o dia de S. Lourenço.”

IV - Por sua vez, relativamente à Basílica de Nossa Senhora da Peneda, reproduzo aqui também uma parte do que encontrei na dita página da «Direção Geral do Património Cultural». Assim lê-se ali:

“Independentemente das tradições da aparição da Virgem na Peneda, o culto de Nossa Senhora das Neves foi oficializado na comarca de Valença pela Constituição Sinodal, de 1472, e o foral de D. Manuel ao Soajo, de 7 de outubro de 1514, confirma que os moradores daquela vila apascentavam os seus gados na branda da Peneda. Em 1775 já ali haveria uma pequena povoação, visto proceder-se a uma busca às casas dos moradores, para averiguar se tinham furtado tabuados do santuário. 

Mais adiante menciona-se o seguinte: “7 - Segundo a Memória descritiva apresentada em 1855 - 1856, era tradição de, há quase setecentos anos, ali ter aparecido a Mãe de Deus, com o Menino no braço, sobre uma fraga, a um criminoso de Ponte de Lima. E sendo divulgada essa feliz aparição, apareceram em grande número os povos a venerar a Virgem e a oferecer-lhe muitas e generosas esmolas, levando a que se erigisse uma confraria à Mãe Santíssima, com o título de Confraria de Nossa Senhora da Peneda, tendo na época grande número de Irmãos, provenientes do Distrito e da Província da Galiza. Com o produto das esmolas, desde logo se começa as obras do santuário, fazendo-se uma igreja de abóbada com o respetivo altar-mor e com dois altares colaterais no corpo; fazem-se muitas capelas que representam o nascimento, paixão e morte de Cristo e vários quartéis, para recolher gratuitamente os romeiros que anualmente concorrem ao santuário, desde fins de julho até meio de setembro. Os mesários que serviam no ano de 1837 empreenderam a construção de um novo templo, para poente e a pouca distância do velho, mas em sítio mais elevado e com a frontaria virada a S., onde se acham colocadas as capelas, que todas lhe ficam em linha reta. A Mesa dirigiu-se por escrito aos párocos de muitas freguesias pedindo-lhes que exortassem os fiéis a concorrer com as suas esmolas para esse fim, o que produziu óptimo resultado, pois o rendimento de tal receita, puramente eventual, tem feito e continua a fazer face às avultadas despesas da obra da igreja nova. […]

9 - A obra do escadório foi vistoriada pelo administrador do concelho, António Pereira de Sá Sotomaior, pelo fiscal das obras do santuário, mesários e pelo pedreiro José Rodrigues Pereira, de Viana, que o acharam conforme no essencial. […] “.

Por sua vez, deveras interessante e, simultaneamente, macabro, é o seguinte trecho, que refere um costume que não terá desaparecido há muitas décadas:

*12 - No santuário havia o costume de se simular o funeral das pessoas que tinham alcançado a cura de graves doenças, amortalhando-se os devotos. Muitos romeiros eram levados em caixões como se fossem defuntos. O trajeto fazia-se desde o pórtico até à igreja e, alguns iam também até ao cemitério. Algumas pessoas iam mesmo num caixão fechado, mas a maior parte ia num caixão aberto e alguns limitavam-se a ir a pé atrás do caixão. Por vezes, acompanhava o cortejo uma banda de música. Havia quem assistisse dentro do caixão, em geral aberto, à missa de promessa, e até havia quem mandava cantar ofícios aos defuntos. 

Esta tradição manteve-se, pelo menos, até ao primeiro quartel do século XX.

V - No que a este tema se refere, acrescento, ainda, mais alguma da cronologia e referências constantes da dita página oficial, que se constitui uma fonte de conhecimento inesperada e de enorme valor:  

“Na segunda metade do séc. XVI o culto a Nossa Senhora das Neves recebe grande incremento na Peneda, talvez devido à deflagração de grandes epidemias, ali existindo uma capela e, possivelmente, um ermitão.

1657 - Referência à ermida de Nossa Senhora da Peneda, numa alta penha entre a Gavieira e Castro, onde se retirava São Telmo para dali ir pregar nas redondezas; 

1706 - Data no arco do túnel do corgo ou águas que descem de Chã do Monte (Pântano) e feitura do muro de suporte do terreiro, reforçado por três contrafortes; 

1736 – A Igreja/Ermida já tem um capelão privativo; 

1740 - Início da construção de alojamentos para os peregrinos; 

1752 - 1755 - Manda-se construir quatro quartéis para peregrinos; faz-se a conclusão de três capelas e a colocação de portas de castanho e grades de ferro em sete capelas, bem como a colocação de figuras nas capelas;

Neste ponto, e para que o assunto não se torne fastidioso, dou um grande salto no tempo para referir mais dois factos curiosos:

“Entre os anos de 1927 e 1936, ocorre o desaparecimento da primitiva imagem, em pedra, então na sacristia; 

1950 - Destruição do quartel sobre o rio pelas águas da barragem de Chã do Monte.”

Sim, para quem não sabia, a pequena barragem situada no local também conhecido por “pântano” ruiu naquele ano de 1950, causando grande aflição no lugar da Peneda em virtude das águas que, abruptamente, se precipitaram pela encosta provocando prejuízos na povoação.

VI – Ainda no que ao tema se refere, não resisto a fazer aqui também a reprodução de um texto encontrado no seio da obra “Memórias Paroquiais de 1758”, coligidas sob a supervisão do Professor universitário José Viriato Capela, obra à qual regressarei mais adiante.

Assim lê-se ali: “Santuário da Senhora da Peneda (Gavieira, Arcos de Valdevez) – A Peneda era, inicialmente, uma branda da freguesia da Gavieira (concelho de Arcos de Valdevez). Desde muito cedo é aqui objecto de culto uma pequena imagem de Virgem morena. Uma tradição local fá-lo remontar ao século XIII. E cedo se tornou importante centro de peregrinação, que no início de século XVIII irradia de Cristóval a Laje (concelho de Vila Verde) e de Vila de Punhe a Entrimo. Ainda nos anos 20 deste século era a Peneda destino de clamores de várias freguesias na segunda-feira do Espírito Santo.  paralelo entre o santuário do Bom Jesus do Monte, em Braga, e o de Nossa Senhora da Peneda remonta ao século XVIII pelo menos. Com efeito, D. Rodrigo de Moura Teles, o grande impulsionador da segunda (e decisiva) fase das obras do santuário bracarense, quis visitar e visitou pessoalmente o santuário de Nossa Senhora da Peneda, na freguesia de Gavieira, já então considerado «célebre». Nesta altura, com efeito, a primitiva ermida já tinha sido substituída por uma igreja de 20 varas e 5 palmos por 7 varas e 2 palmos (22 por um pouco mais de 8 metros), que só veio a ser substituída em meados do século XIX. Para a apoiar, fora então construído um grande muro de suporte em silharia reforçado por contrafortes, já que suporta o amplo terreiro que vai da casa do capelão até perto da capela da Senhora das Dores. Para o construir, foi sob ele encanado o corgo que descia da Chã do Monte. Na boca do aqueduto assim construído, se encontra gravada a data 1706. Em 1718, aparece-nos como juiz da Confraria de Nossa Senhora da Peneda D. Miguel José de Sousa Montenegro denominado «Deão», mas rigorosamente sobrinho e coadjutor do Deão bracarense D. Francisco Pereira da Silva. Tendo surgido um litígio entre este e a Mesa Administrativa do Bom Jesus da Confraria do Bom Jesus, D. Rodrigo de Moura Teles arvorou-se ele mesmo em juiz da Confraria do Bom Jesus e nomeou depois o Deão D. Francisco, juiz da irmandade da Peneda. D. Miguel Montenegro só o voltou a ser em 1742. Inicialmente, secundavam a ermida três capelas, construí-se depois, ao longo do século XVIII, uma via-sacra com 14 estações, mas onde se mistura a tópica dos mistérios dolorosos do rosário com a da Via-Crucis. O santuário de Nossa Senhora da Peneda é semelhante ao do Bom Jesus, que os soajeiros conheciam de peregrinar ao Monte Espinho. Dele desde cedo se fez émulo, até porque, é santuário de montanha. Mas é um santuário mariano, como se disse. Na senda do sucesso que tiveram na Época Moderna os santuários de Via-Crucis, também o Santuário neoclássico do escadório da Peneda, se tornou em concorrido destino de romagens. E, devido ao concurso de peregrinos, a igreja acabou por se tornar insuficiente. Por isso, os mesários de 1837 resolveram empreender a construção dum novo templo, a poente do anterior e no enfiamento das capelas da «via-sacra», mas em cota bastante mais elevada, que se encontrava já concluído em 1856. Ora a elevação da cota de implantação impôs a construção dum escadório de acesso ao novo templo. 

VII – Menciono, por último, que foi publicado no Diário da República n.º 209/2021, Série II de 2021-10-27 o Anúncio n.º 250/2021, relativo à Abertura do procedimento de classificação do Santuário de Nossa Senhora da Peneda, incluindo o património móvel integrado.

Feita esta descrição, encerro este capítulo, e passo a debruçar-me acerca do importante tema dos “Mapas”.


G - Os primeiros Mapas 


A propósito de mapas de Portugal e também os desta região em particular, tenho que aqui registar a inestimável ajuda da página facebookiana do Manuel Brito Baptista Afonso, soajeiro dos sete costados, na qual se revela um inexcedível e mui assinalável trabalho de pesquisa e de subsequente partilha, e a quem também muito agradeço porque também fui, pessoalmente, brindado pela sua generosidade.

Mais importante, foi depois de tropeçar numa sua publicação, que vim depois a partilhar na minha página daquela rede social, que ressurgiu este meio gosto e esta curiosidade antiga pelo tema que aqui trato.

Começarei por dar destaque a alguns mapas que se perspetivam como mais relevantes para o tema e, de seguida, apresentarei um resumo relativamente aos demais.


G.1 - O primeiro mapa de Portugal – Fernando Álvaro Seco (1561)


I - O mapa de Portugal mais antigo que existirá remonta ao ano de 1561, muito embora ele já se encontrasse finalizado por volta de 1558 (Informação do Professor Luís Miguel Alves de Bessa Moreira, no seu livro «Cartografia, Geografia e Poder: o processo de construção da imagem cartográfica de Portugal, na segunda metade do século XVIII»). O seu autor terá sido Fernando Álvaro Seco, encontrando-se o seu original na Biblioteca Nacional.

Dada a importância que este mapa assume na questão que aqui abordo, e isto pelo dimples facto de ele ter sido o primeiro mapa, valerá a pena que nele me detenha mais demoradamente, reproduzindo, para o efeito, algumas das coisas que terão maior relevo a propósito do respectivo autor e, sobretudo, em relação aos méritos do seu conteúdo.

II - Com a disponibilidade e a simpatia do mesmo Professor Luís Moreira, docente na Universidade do Minho, foi-me possível aprender que deste mapa existirão três versões distintas e todas elas do século XVI, as quais originaram como que três árvores genealógicas (ou cartográficas) distintas, correspondendo, respetivamente, a uma edição de 1560 (quiçá 1561), outra de 1565 e uma última de 1575.

Com o mesmo Professor apreendi - também - a ideia de um mapa mais recente não é, necessariamente, mais actual ou mais confiável, que um outro mais antigo.

Finalmente, este docente também me transmitiu uma informação muito interessante, a de que o mapa de Álvaro Seco poderá corresponder a uma cópia de um mapa elaborado algures entre 1520-1530 e cuja única prova de eventual existência vem a ser uma lista de topónimos que existe na Biblioteca de Munique (existindo uma cópia desta na Biblioteca Pública de Braga). 

Esta última obra terá sido estudada pela já aqui mencionada Professora Suzanne Daveau. Naquela lista são indicadas, nomeadamente, a Serra de Soaio, Serra de Stryca (Estrica), Serra de Coyra e Serra do Gyres. Ou seja, não foi feita ali menção à serra da Peneda.

III - Feito esta abordagem inicial, passo a referir que se aprende no mundo da internet que: “Fernando Alvares Seco foi um matemático e cartógrafo português que fez o primeiro mapa de Portugal de que se tem conhecimento.” 

Mais ali se adianta: “Pouco se conhece acerca do autor, assim como pouco se sabe sobre o seu real contributo para este mapa, que alguns estudiosos consideram ter sido provavelmente modesto”. 

Mais relevante será quiçá a reprodução do texto que se segue, que pode ser encontrado também no “reino” da internet e que surge sob a seguinte referência: http://cvc.instituto-camoes.pt/ciencia/e79.html 

Este texto corresponde a um trabalho da autoria da Professora Maria Helena Dias, e tem por título: “A primeira carta de Portugal Continental”. Ali aprendemos, nomeadamente, que: 

“Primeira representação conhecida do conjunto do território continental português e hoje um verdadeiro ex-libris da Cartografia nacional, a carta de Fernando Álvaro Seco é um enigma para os estudiosos por não se saber com segurança quem a construiu e ainda como e quando foi realizada. Primeiramente impressa para servir de oferta diplomática, foi encomendada por Aquiles Estaço e destinada ao Cardeal Camareiro Guido Ascânio Sforza, aquando da embaixada a Roma para discutir as relações entre Portugal e a Santa Sé. […]

Foi sobretudo pelo sucesso do atlas de Ortelius, com múltiplas edições em várias línguas (mas nenhuma em português), que a carta de Álvaro Seco percorreu o Mundo, dando a conhecer o nosso país durante pelo menos um século. […] Sobressaem nesta primeira representação de Portugal inúmeros lugares, reportados com os seus nomes, umas vezes indicados por pequenos círculos, pela sua menor importância, outras por figurações expressivas, no caso de cidades e sedes do poder político ou eclesiástico. Também se destacam inúmeros rios, nalgumas edições atravessados por pontes. O relevo, contudo, tem uma expressão ainda incipiente, como é norma na generalidade das cartas da época. […] As distorções que a carta apresenta têm sido objecto de inúmeras hipóteses explicativas. A torção do território para Nordeste e os erros na localização dos lugares, quando já se conheciam valores de latitude de diversos locais de Portugal e do continente africano pelo menos desde meados do século XV, não são hoje fáceis de explicar. A comparação de algumas latitudes mostra diferenças inaceitáveis, caso os levantamentos tivessem sido apoiados em observações astronómicas. […] Os erros levam a supor que o levantamento tenha sido efectuado por meios puramente geométricos, embora haja também quem coloque a hipótese de Portugal ter sido o primeiro país europeu a construir uma carta por processos mais rigorosos. […]. Nada se conhece hoje de Álvaro Seco e pouco é ainda possível afiançar sobre as suas fontes. Não se sabe se terá sido ele quem recolheu as informações no terreno e concebeu a carta ou se a sua intervenção se teria apenas limitado a tarefas finais de compilação ou simplesmente de desenho, para uma versão de prestígio, a partir de uma carta manuscrita anterior ou de outras informações. Fortes indícios apontam, todavia, para que ela tenha integrado dados cartográficos muito anteriores e que o seu autor tenha tido um papel modesto. Discute-se a contribuição que possa ter tido o Códice de Hamburgo (ca. 1525-1536), uma lista de cerca de 1500 topónimos portugueses, com valores de latitude e longitude que se supõe terem sido determinados a partir de uma representação anterior. Discutem-se também as fortes semelhanças da carta de Álvaro Seco com a parte portuguesa do atlas do Escurial (ca. 1580), atlas este que reúne 21 folhas manuscritas de uma carta da Península Ibérica, 6 das quais representando Portugal de forma mais perfeita que a parte espanhola vizinha. Admite-se que todos possam ter derivado de uma mesma carta anterior manuscrita, remetendo-se esse protótipo para os princípios do século XVI ou mesmo para os finais do anterior. A existência de uma possível relação entre a realização da carta de Seco e a recolha dos dados do Numeramento de 1527-1532, que foi levado a cabo pelo governo central para recensear os moradores das comarcas portuguesas, tem sido também investigada. Haverá, porventura, ainda outras fontes, mais ou menos credíveis. Muitas são, portanto, as hipóteses colocadas e estudadas, que apontam pistas, mas os enigmas desta primeira carta de Portugal mantêm-se.”

IV - Por sua vez, na obra intitulada “Portugalliae Daescriptio”, da autoria da mesma Professora Maria Helena Dias, publicada pelo Instituto Geográfico do Exército (2006), que contem menções dignas de conhecimento, e que constitui uma breve resenha da história da cartografia de Portugal, refere-se - também ali - que relativamente ao mapa de Álvaro Seco: “[…] o relevo, contudo, tem uma expressão muito incipiente, como é norma na generalidade dos mapas desta época”.

A propósito deste primeiro mapa de Portugal, existe um trabalho também muito interessante e que aqui recomendo vivamente, que tem por título: “A Rede Hidrográfica no Mapa de Portugal de Fernando Álvaro Seco (1560)”, da mencionada Professora Suzanne Daveau, que foi uma notável investigadora do Centro de Estudos Geográficos, da Universidade de Lisboa, no qual se realizam descrições acerca da zona aqui em questão. Podem encontrar esta obra através do seguinte link: https://core.ac.uk/download/pdf/26866998.pdf

Destaco, entretanto, aqui a seguinte passagem desse trabalho: “Mas, voltando ao problema mais restrito da representação dos rios das serras da Peneda e do Gerês, verifica-se que a fraca qualidade do desenho hidrográfico está indubitavelmente ligada à pouca utilização dos itinerários através de uma região despovoada e insegura. O Lima parece, no mapa, nascer a pouca distância de Piconha, correspondendo este traçado ao do seu afluente, o rio Salas, quando o rio principal se forma, na realidade, cerca de 40 kms mais a NE.O Lindoso não aparece no mapa e o Soajo encontra-se colocado erradamente na margem esquerda do rio e, paradoxalmente, muito a jusante da Serra do mesmo nome.”

Esta autora refere, também, que não acredita que o trabalho respeitante ao “Numeramento de 1527-1532”, tenha tido muita influência na feitura do mapa de Álvaro Seco.

V - Ainda a propósito deste mapa, sublinharei aqui mais uma curiosidade e que é relativa ao facto de imediatamente a Norte da Serra do Soiao (Soajo), surgir a Serra da Strica, abrangendo ali a zona de Castro Lebora (será Laboreiro) e de Rodeiro, local situado nas imediações daquela sede de freguesia.

Ora, será pacífico que “Strica” só poderá corresponder à aldeia (ou Lugar) actualmente denominado “Estrica”, onde se situa o turístico “Miradouro da Estrica”. Ele está localizado logo a poente da localidade e freguesia de Sistelo (do lado de lá do vale), não sendo fácil compreender, à primeira vista (e mesmo à segunda!) porque se teria baptizado, naquele século XVI, uma serra com tal nome. 

No entanto, sublinhe-se que nesse local já terá existido um forte, conhecido como o “Forte da Estrica” (ou Strica), que teria importância estratégica e, como tal, essa situação talvez pudesse justificar só por si a adopção do seu nome para nomear uma montanha, ou mesmo até uma serra. 

Contudo, a dita Estrica fica ainda bastante distante do local onde Álvaro Seco localizou aquela serra da Strica, o que poderá ser, muito provavelmente, o resultado das distorções do mapa já acima mencionadas, ou de um deficiente trabalho de campo. Ficam as dúvidas!

No mapa surge também a chamada «Sera de Coira», certamente relacionada com Paredes de Coura (quiçá a zona também conhecida hoje em dia por “Corno do Bico”).

VI - Não posso deixar também de referir que neste mapa, ou melhor, numa das suas versões, surge a referência a um lugar com o nome «PORTELA DOLELA PENEDA» (escrito em maiúsculas). Pela localização em que o nome surge, e muito embora, como já se viu, as localizações fossem um pouco – ou muito – enganadoras, terá que ver com a zona de Olelas e, talvez, abrangendo a área da localidade de Lindoso.

De todo o modo, certo é que a alusão à “Peneda” surge ali desacompanhada de qualquer referência a uma qualquer serra (no caso, da Peneda).

VII - Por sua vez, a mencionada versão do mesmo mapa de 1565, referida como “melhorada” e editada em Antuérpia, parece apresentar um maior pormenor na figuração dos fenómenos geográficos e suscita a hipótese, quiçá remota, de encontramos ali a «Sera (serra) de Soaio Portela d Olela Peneda». 

No entanto, será – no mínimo – estranho, que uma serra pudesse ter um nome tão longo e composto e que, pelo meio, figurasse a alusão a uma tal de “Portela”, situações que retiram força a tal hipótese de trabalho. 

Aliás, também o Professor Luís Miguel Moreira, me colocou perante a interrogação de se nesta versão de 1565, não poderia ser realizada uma leitura da qual resultasse o nome "Portela da Serra da Strica". Mas o mesmo docente logo acrescenta que se trata de uma leitura duvidosa, na medida em que figura um ponto final na dita “Portela”. A convicção deste docente é a de que o topónimo em questão seria "Portela de la Peneda", e que poderá ter ocorrido uma confusão de quem copiou e/ou gravou essa versão do mapa.

(Continua)

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