O ano estava a terminar e faltava-me a anual subida ao Pico da Nevosa, apesar de nos meses anteriores, andar sempre por lá perto. No entanto, aqueles últimos quilómetros ou últimos metros enchem-nos de uma sensação de aventura e conquista que só aquele lugar nos dá na Serra do Gerês, mesmo sendo uma subida fácil. É talvez pelo facto de ser o ponto mais elevado da geresiana serra ou dar a sensação de ser uma fronteira entre dois mundos, mas o Pico da Nevosa traz a sensação de que, de facto, conquistamos algo, quanto mais não seja a imensa paisagem para a qual nos tornamos tão pequenos.
Ao começar esta caminhada e a trepada de mais de 800 metros, não tinha a ideia de, mais uma vez passar pelas Minas dos Carris. O passo ligeiro, a escolha do percurso e a hora madrugadora, acabaram por nos dar a oportunidade de, mais uma vez, visitar aquele local de importância histórica na Serra do Gerês, mas que nos últimos meses tem sofrido apelos à sistemática vandalização das ruínas nas redes sociais e numa página de pretende ganhar uns trocos à custa da publicidade ao usurpar uma identidade que não lhe pertence.
O dia frio que se transformou num episódio primaveril, começou com a subida pela Corga da Abelheira, maravilhando-nos com o caos granítico da Teixeirinha até chegar a Entre Caminhos, uma verdadeira varanda natural para o Gerês selvagem e pouco caminhado. Daqui, o horizonte é limitado pelas serranias graníticas e nuas, a verdadeira essência da Serra do Gerês atravessado por pequenos ribeiros em profundas corgas numa paisagem cortada por vertentes alcantiladas, salpicada por prados verdejantes e atravessada por carreiros de história e memórias de tempos idos, onde a pastorícia, a carvoaria e a exploração mineira escreveram as linhas da história destes locais.
A paisagem vê-se também polvilhada de grandes blocos graníticos em tempos arrastados pelas forças dos glaciares que moldaram aqueles vales. De facto, na Serra do Gerês podem-se encontrar formas de relevo e zonas sedimentares que são memória das acções da glaciação que afectaram aquelas montanhas há centenas de milhares de anos. No vale de Compadre, por onde acabaríamos de passar, tivemos a oportunidade de observar acumulações de blocos graníticos (moreias) criadas pelo movimento dos glaciares. Destas, destaca-se a moreia lateral de Compadre, a mais extensa do Norte de Portugal, com cerca de 1 km de extensão, e noutros sectores do vale, tais como a Ribeira da Biduiça e vertente ocidental dos Cornos de Candela, ocorrem sedimentos (denominados till subglaciário) que permitem estimar uma espessura de gelo de cerca de 150 metros, durante o máximo da glaciação.
Deixando então para trás aquela magnífica varanda em Entre Caminhos, iniciamos uma curta descida para os currais de Biduiça (Biduiças) e seguindo a Norte, chegavamos ao Curral das Rocas de Matança situado na margem do Ribeiro da Biduiça. Aqui, enveredamos por um carreiro que nos ajuda pausadamente a vencer a encosta e que eventualmente nos levará às imediações dos Currais de Matança. Porém, em vez de descer ao vale e atravessar a Ribeira das Negras, flectimos à direita e seguimos na direcção do Marco K, caminhando depois na vertente sobre o Ribeiro de Lamelas e chegando aos Currais das Negras. Daqui, avista-se já a parede da Represa dos Carris e algumas cicatrizes deixadas na paisagem pela mineração na concessão mineira da Corga das Negras I, com a sua escombreira e boca-mina.
Tomando um carreiro a Norte, seguimos em direcção à Garganta das Negras. Nesta altura, não sabia como iria encontrar o velho caminho que nos levaria ao Colo de Marabaixo antes de iniciar a subida final ao Pico da Nevosa, mas acabaríamos por encontrar o caminho em relativo bom estado até chegar à confluência das corgas que originam a Ribeira das Negras, onde a vegetação acabou por dificultar a progressão e «obrigando-nos» a optar por uma via assinalada com mariolas, mas que não é a via original de acesso a Marabaixo. O surgimento destes novos caminhos muitas vezes surge pela sensação de que a trepada a festo acaba por ser mais fácil e curta, e assim acabam por se fechar os velhos e históricos carreiros serranos. Foi isto que aconteceu com o acesso à base do Pico da Nevosa, acabando por se «criar» um acesso mais curto, mas muito mais dispendioso em termos de esforço físico.
Assim, lá acabamos por seguir estas novas mariolas, pois o velho caminho apresentava uma progressão difícil. Vendendo lajedos graníticos, acabamos por encontrar o velho caminho de acesso à base do Pico da Nevosa, por certo um caminho que não percorria há já muitos anos. Basicamente, este carreiro iniciava-se junto à linha de fronteira e percorria a face ponte do Pico da Nevosa durante algumas centenas de metros, flectindo a Norte por entre uma passagem entre o promontório granítico mais elevado e um alto que só nos apercebemos dele quando ali chegamos (ao quando analisamos a orografia do terreno numa carta topográfica). Caminhando por algumas dezenas de metros em direcção a Norte, vamos atingir de novo os limites de fronteira até nos apercebemos da rampa de acesso aos pontos mais elevados daquele titã adormecido que nos permite um acesso relativamente fácil ao seu ponto mais elevado a 1.548 metros de altitude.
Após permanecer alguns minutos no ponto mais elevado do Norte de Portugal (apreciando uma paisagem que nos leva a "serras tão distantes como a noroeste as serras do Suido, Paradanta e Faro de Avión na Galiza, a nordeste as serras de S. Mamede e de Manzaneda habitualmente nevadas no inverno, e a este a Peña Trevinca, Segundeira, Gamoneda que se erguem entre as províncias de Ourense e Zamora e se prolongam para sul nas serras de Montezinho, Coroa e Nogueira já em território português), encetou-se a descida - e o início do regresso - baixando então para o Colo de Marabaixo. Daqui, deveríamos tomar então o valho carreiro que nos levaria de volta à Garganta das Negras, mas optamos por fazer uma curta passagem pelas Minas dos Carris, onde acabaríamos por ter um breve descanso para o almoço.
A segunda parte da caminhada iniciou-se com a passagem pela Lavaria Nova das Minas dos Carris e consequente descida da Corga de Lamalonga em direcção ao Curral do Teixeira (Lamalonga). Passando a algumas dezenas de metros do curral, baixamos então para os Currais de Matança e atravessamos a Ribeira das Negras para a sua margem esquerda, subindo a encosta até à Mariola Forcada. Aqui, tomamos o carreiro que nos levou a passar no Alto do Moreira e ladear o Castanheiro. A paisagem que se vislumbra é uma verdadeira obra-prima da Natureza. A partitura da ópera natural que se desenrola perante os nossos olhos, transforma-se num assombro da Natureza, um grito ímpar que ecoa pelos píncaros geresianos. Naquele lugar, o panorama leva-nos desde a forma suavemente matemática da Roca Negra e do Iteiro d'Ovos até aos espigões da Fonte Fria, mergulhando no vale do Compadre.
O velho carreiro da vezeira passa à direita do Alto das Eiras e pela margem direita do Ribeiro da Fecha do Castanheiro, ladeando depois o Alto das Portas do Castanheiro e o Espigão das Lamas de Pau, bordejando a Corga do Gargalão, descendo à Chã de Suzana onde entramos no velho estradão florestal da EDP. Este, levar-nos-ia ao ponto de partida passando pela Corga de Trás-da-Meda até chegar à estrada municipal e Corga da Abelheira no final de uns magníficos 22,3 km por trilhos seculares.
Ficam algumas fotografias do dia...
A luz do pôr-do-Sol ilumina de forma efémera a Picota
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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