Uma visita às Minas dos Carris caminhando por um Vale do Alto Homem mergulhado num nevoeiro que adornava a paisagem com um manto de mistério e esplendor.
O dia acordou ao som da condensação do nevoeiro que quase fazia lembrar a chuva. Se por um lado, caminhar nestas circunstâncias é mais fácil do que num dia de calor, por outro a magnificência da paisagem fica escondida pelos véus em tons de cinza que a vão humedecendo. Felizmente, por alturas do Modorno, o manto de nevoeiro foi-se dissipando e por momentos manteve-se concentrado no fundo do vale, curiosamente voltando a subir como uma maré que inundava aquelas encostas.
O percurso para as Minas dos Carris inicia-se a uma altitude de 720 metros e rapidamente nos apercebemos que não será um caminho fácil para os mais desprevenidos. A sua dificuldade vai aumentando ao longo do percurso não tanto pela inclinação, mas mais pelo estado do próprio trilho. Em quase 9,8 km de extensão, o trilho é na sua maioria composto por pedra solta que dificulta a progressão. São escassas as extensões em que o terreno é suave.
Na quase totalidade do seu comprimento o trilho é acompanhado pelo jovem Rio Homem e o seu rumor por entre as rochas acompanha-nos quase sempre.
Tenho por hábito dividir o trilho em duas partes: primeira parte termina no que eu considero ser a metade do caminho na ponte junto do Cabeço do Modorno e após se ter vencido já cerca de 300 metros de altitude por entre pedra solta e alguma vegetação. A fase inicial da segunda parte do trilho é muito semelhante à primeira parte, mas este vai-se tornando mais suave há medida que nos aproximamos da Ponte das Águas Chocas, sendo um trilho fácil a partir daí e até ao final do planalto onde se inicia a subida final para Carris, passando nas Abrótegas e já na Corga da Carvoeirinha (ou da Carvoeira). A passagem pela Ponte das Abrótegas é muito fácil e somos presenteados por uma paisagem única que nos leva desde o Alto do Pássaro até às alturas do Altar de Cabrões já na raia.
No início dos anos 90 ainda era possível observar ao longo do Vale do Alto Homem uma linha de postes de madeira sobre os quais assentava o cabo metálico do telefone, que permitia as comunicações com o complexo mineiro. Nos nossos dias são raros os sinais, ao longo do caminho, daquilo que mais tarde iremos encontrar no sopé de Carris. É possível observar, mesmo no início do trilho, conjuntos alinhados de rochas que marcam o que então foi uma estrada em terra batida que permitia a passagem de camiões para o transporte do minério e não só. Como curiosidade, posso referir que no início da sua construção existia um pequeno caminho que ligaria a Portela de Leonte a Carris e pelo qual as largas telhas que iriam cobrir as casas de Carris eram transportadas em ombros pela quantia de 2$50 nos idos anos de 40.
Ao longo do percurso vamos observando um ou outro pequeno muro, ou um ou outro alinhamento de pedras que nos podem sugerir a existência de uma rude estrada serrana.
Após percorrer cerca de 1 km no caminho chegamos à Fonte da Abelheirinha que acaba por ser de paragem mandatória, quanto mais não seja para irmos tirando já uma peça de roupa pois já vemos que o caminhar nos fazer aquecer o corpo e a alma, ou então para nos abastecermos na fonte de água sempre fresca. Continuando a caminhar, vamos ver à nossa direita as paredes alcantiladas do Palão e as fragas retorcidas dos Portelos da Quebrada, verdadeiros monumentos graníticos à obra caótica da Natureza, com a sua magnífica Quelha do Palão e Água dos Vidos (ou Corga dos Vidos) que se despenha desde as alturas do Cantarelo. Na margem direita do Rio Homem, isto é, à nossa esquerda, a Encosta do Sol eleva-se aos céus recortada por pequenas corgas, entra as quais a Corga dos Bezerros logo a seguir e em frente da Água dos Vidos.
O primeiro sinal sólido da existência de algo mais complexo na serra, surge-nos junto da zona da Água da Pala. Aqui, e já coberta pela vegetação, observamos à nossa esquerda uma área delimitada por um pequeno e baixo muro. Em tempos terá servido de curral para abrigo dos rebanhos (tal como é referido num artigo publicado no Século Ilustrado em 1955). Do lado direito podemos observar, também por entre a vegetação, uma pequena construção com tijolos de cimento que nos dá a ideia de ser uma pequena guarita, mas que já foi referenciada como um pequeno abrigo dos cantoneiros que mantinham o estradão em estado de circulação. Esta zona antecede uma ponte de pedra. Toda este lugar é extremamente peculiar e bucólico. A Água da Pala é um longo vale que, iniciando-se na Chã do Cimo da Água da Pala, termina ao desaguar no Rio Homem.
Na Água da Pala iniciava-se um carreiro de pé posto que atravessava o Rio Homem e subia ao longo do rio pela sua margem direita no sopé da Encosta do Sol e da Encosta do Teixo. Quem observa a Encosta do Sol a partir da Água da Pala, terá a sensação de ainda poder vislumbrar o traçado deste pequeno trilho que, sem dúvida, nos proporcionaria uma visão distinta do vale. Porém, e após várias tentativas de observar no terreno a sua progressão, cheguei à conclusão de que este trilho já desapareceu e será extremamente difícil tentar seguir o seu antigo percurso, senão mesmo impossível.
Após passar a Água da Pala, o trilho para Carris entra numa zona mais plana. Até aqui, e olhando para a nossa direita, temos a oportunidade de observar os picos escarpados que delimitam os Prados Coveiros. Esta fase mais plana do trilho bordeja o Rechão e na outra margem do Rio Homem surgem as Carvalhas Vrinhas. O caminho segue pela Ponte do Cagarouço sobre a Ribeira do Cagarouço (ou Cagarrouço), um pequeno afluente do Rio Homem que parece surgir das escarpas da Ravina do Cabeço da Porca (Torrinheira). É nesta fase que o caminho se volta a inclinar ligeiramente e ouvimos o rugido do jovem rio a poucos metros de distância. Por entre a vegetação é por vezes fácil ter um olhar sobre lagoas que no Verão são sempre uma forma de retemperar forças.
O trilho ultrapassa a cota dos 1000 metros de altitude, a poucos metros de entrarmos numa fase do caminho onde vamos superar vários metros de altitude em pouca distância, ultrapassando assim um bom declive. O trilho flecte para a direita no que são conhecidas como as Curvas do Febra (ou Volta do Febra) e em pouca distância subimos 30 metros em altitude antes de flectir para a nossa esquerda. Nesta parte do caminho podemos ter uma imagem do Vale do Homem só superada pela paisagem que nos aguarda poucos metros após a passagem da Ribeira do Modorno. Poucos metros mais à frente entramos numa parte do caminho que é ladeado, à direita, por uma parede sólida de granito e, à esquerda, por uma queda de 50 metros que termina no Rio Homem. O declive aqui é acentuado e notório, mas o esforço para chegar à meia distância merece a pena.
Somos chegados a meio do caminho e o descanso na Ponte do Modorno é merecido. A água da ribeira é sempre fresca e corrente, mesmo no Verão. Ao entrar neste pequeno vale temos a visão de uma pequena queda de água por debaixo da ponte e são poucos os que resistem a uma fotografia. Situados na ponte em direcção ao final do vale, por onde vemos o Rio Homem, temos à nossa direita o imponente Cabeço do Modorno, uma escarpa granítica que atinge os 1317 metros de altitude. Conheci todas as pontes até ao Modorno já em cimento, mas o meu fascínio por este vale e por Carris começou a ser despertado pelas velhas pontes de madeira que antigamente permitiam a passagem célere e um tanto ou quanto aventureira.
Logo após abandonar a Ponte do Modorno vamos encontrar uma das mais fantásticas paisagens que a Serra do Gerês e o Parque Nacional têm para nos oferecer. É com deslumbre que observamos o Vale do Alto Homem e a forma como este se projecta no céu. O seu delimitar pelos picos das serras leva-nos a imaginar, sonhar um mundo antigo. Ao longe vemos a Serra Amarela e com bom tempo facilmente se vislumbram as antenas do Muro localizadas em Louriça, bem como o Alto das Eiras e a Cruz do Touro, já nos extremos Geresianos, ou a magnificência da Quelha do Palão e da Água dos Vidos. À nossa direita, e como um colosso de granito, qual titã de pedra, as paredes verticais de Cancela são majestosamente acompanhadas por uma estreita queda de água com uma altura superior a 110 metros, a Água da Laje do Sino. Aqui, despenham-se as águas da Ribeira da Teixa das Almas (Albas?). Toda este zona nos dá paisagens deslumbrantes em, ou após, dias de chuva com as paredes rasgadas pelos cursos de água que se precipitam no vale, ou então nos frios dias de Inverno com a imagem das quedas de água geladas, o caramelo, que se amarram às paredes graníticas.
Entramos então na parte final do Vale do Alto Homem, deixando para trás o pequeno vale do Modorno. Nesta fase o caminho chega a complicar-se devido ao seu estado quando entramos no Vale do Teixo ladeado pela Encosta do Teixo e pelos fraguedos que formam uma crista granítica entre a Água do Cando e o Cabeço do Modorno. O Rio Homem é, nesta fase, constituído por uma série de pequenos ribeiros que têm origem nos inúmeros vales que golpeiam o topo da serra. Aos 1.200 metros de altitude, já na zona do Teixo (que assim se chama porque se diz que antigamente ali existia uma árvore desta espécie), o trilho flecte ligeiramente para a direita seguindo um dos pequenos riachos que, juntamente com o riacho do Corgo dos Salgueiros da Amoreira, irá mais tarde formar o Rio Homem. O nosso trilho segue por um pequeno vale encaixado entre o Outeiro Redondo e a base da Rocha da Água do Cando, passando pela Ponte das Águas Chocas (1285 metros) - Água do Cando - e entrando na Chã das Abrótegas até atingir a Ponte das Abrótegas (1325 metros). A Chã das Abrótegas define um pequeno planalto que é atravessado pela antiga estrada mineira até atingir e seguir ao longo da base do contraforte de Carris. Foi neste planalto onde esteve montado nos dias 17 a 19 de Setembro de 1908 o acampamento da primeira expedição venatória levada a cabo na Serra do Gerês. Neste planalto têm origem vários carreiros de pé posto, sendo o mais interessante aquele que segue para as Minas das Sombras (Galiza, Espanha) e para os Cocões do Coucelinho (através das Lamas de Homem) e, mais tarde, Minas de Borrageiros e Lago Marinho.
Na Ponte das Abrótegas somos interrogados por umas peculiares construções semelhantes a pequenos pilares de rocha e cimento que tinham essa mesma função. Estas construções serviriam de ponto de apoio, certamente de uma conduta metálica para transportar água desde um pequeno açude ali existente até à exploração existente no Salto do Lobo. A paisagem aqui permite-nos observar o marco geodésico de Carris (1508 metros), o Altar de Cabrões (1537 metros) - Altar dos Cabros - ou Lamas de Homem (1466 metros). Neste planalto podemos também observar vários currais destinados às pastagens de altitude (Curral das Abrótegas e Curral de Cabanas Novas) e à transumância ainda levada a cabo na Serra do Gerês.
A zona das Abrótegas permite o descanso antes da subida final, verdadeiro calvário para quem já está cansado da jornada. Ao percorrer o início da subida, um pormenor passa despercebido à quase totalidade das pessoas. Logo no início do declive a antiga estrada dividia-se em duas, com uma a seguir a direcção do Salto do Lobo, local onde decorreram as primeiras extracções de volfrâmio tirando partido do aluvião vindo da Corga da Carvoeirinha. No terreno é difícil vislumbrar sinais desta parte da estrada e só andando alguns metros no caminho principal que segue em direcção a Carris, e depois olhando para trás, é que se vê a antiga estrada já coberta de vegetação. Nesta área não existem construções ou edifícios, exceptuando uma ou outra pequena construção de pastores (os formos) ou outros abrigos. Esta zona provavelmente teria o apoio de edifícios de madeira dos quais não existem quaisquer sinais. Por esta zona deveria passar uma conduta de água que teria a sua origem numa pequena represa próximo da Ponte das Abrótegas e que, apoiada em pilares feitos com aglomerados de pedra, atravessava o pequeno planalto para lá das Abrótegas. Mais pilares são visíveis no extremo deste planalto, que serve de pastagem de altitude ao gado que nos meses da vezeira passeia pela serra, já próximo do caminho antes deste flectir para a esquerda para iniciar a subida final. Seguindo o prolongamento deste caminho secundário e depois entrando em trilhos de pé posto, chega-se às Minas de Carris pela sua zona inferior junto da lavaria nova, no extremo topo do vale da Corga de Lamalonga.
A subida final para as Minas dos Carris vence um declive de 70 metros ao longo da Corga da Carvoeirinha (com o seu Marco F) e sem dúvida que é para muitos a parte mais complicada de todo o trajecto. No entanto, o final do árduo caminho é sempre uma motivação forte para vencer estes últimos metros.
No troço final o declive torna-se menos intenso, com a estrada a tornar-se quase plana mesmo a chegar ao muro que delimitava a entrada no complexo mineiro de Carris.
Neste dia, e em complemento ao percurso normal para as Minas dos Carris, aproveitei para visitar o chamado Lajão de Sesta, limitado pela Corga de Lamalonga e pelo Barroco de Trás da Pala, e vários marcos triangulados existentes nas proximidades (Marco F, Marco G e marco triangulado da Água do Cando), aproveitando ainda para me maravilhar com a floração do Lírio-do-Gerês ao longo do Vale do Alto Homem.
Ficam algumas fotografias do dia...
Ficam algumas fotografias do dia...
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
1 comentário:
Que descrição maravilhosa!
Remeteu-me imediatamente para experiência que vivi no decurso desse trajeto, há 15 anos atrás...
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