Vencer o conforto quente numa manhã fria, muito fria, e rumar ao Gerês. Tinha ideia de seguir desde a Portela de Leonte até ao Curral dos Bezerros; seria uma ida e volta, mas daria para esticar um pouco as pernas.
O frio continuou na serra com um vento cortante e as nuvens que insistentemente lambiam a paisagem. Ora céu azul, ora uma mistura de tons de cinza de nuvens carregadas que bordejavam o horizonte e corriam, velozes, para os picos serranos. Por vezes, até parecia que ia nevar, mas eu sabia que não. Trazidos pelo vento os sons de motores por vezes incomodavam o vento cinematográfico que embelezava o cenário e me transportava para outros filmes... felizmente não eram motorizadas...
Início do percurso na Portela de Leonte encosta acima passando pela Chã do Carvalho a caminho do Vidoal. O Pé de Cabril mantinha-se com um capacete de nevoeiro impedindo de ver a sua coroa... só a veria já de tarde, em contraluz. Foi também em contraluz que o Outeiro Moço me fez parar por uns instantes para umas fotografias mais artísticas. Com o Sol a nascer cada vez mais a Sul, conseguem-se imagens que noutra altura do ano são mais difíceis de concretizar.
Virando para Este, segui o velho carreiro que me levaria à Chá da Fonte. No seu livro "Serra do Gerês", A. Pontes Oliveira fala-nos da '...Chã da Fonte ou Alto das Ruivas." Interessante topónimo é este, 'Alto das Ruivas', e confesso ter sido a primeira vez que me lembre de ter lido tal nome. Ora, uma «chã» designa-se por um terreno plano, uma planície (também várzea); e alto, é isso mesmo, um ponto alto que se destaca na paisagem. A Chã da Fonte está bem delimitada naquela zona na qual existem pontos mais elevados e um destes poderá ser o 'Alto das Ruivas' ou 'Rubias'. É uma futura conversa bem interessante a ter com A. Pontes Almeida.
Deixando a Chã da Fonte para trás segue-se então em direcção à Chã da Gralheira que nos oferece as grandes placas de gelo fino a cobrir as pequenas poças que abundam na turfeira ali existente e mais à frente chega-se à Lomba de Pau, antes de descer para o Curral do Conho.
Tirando a inusitada companhia do vento, reina o silêncio total. Junto ao conho dois cavalos vão comendo a erva fresca que em abundância cobre o curral. Aqui um pequeno descanso e a tomada de decisão para prosseguir o caminho. A ideia seria ir ao Curral dos Bezerros mas o nevoeiro que cobre a montanha para aqueles lados não augura nada de bom mais para o final da manhã. De facto, não me apetece fazer fotografias em tom de cinza para o resto do dia e assim deparei-me com a opção de seguir até à Messe e descer pela Sabrosa ou então seguir para os terrenos de Fafião, fazendo aquela apetitosa subida até ao Curral de Soengas.
E assim foi... cevadinha quente para aquecer a alma e pés ao caminho. Daqui, o carreiro vai descendo em direcção ao topo do vale do Curral de Fichinhas para aí tomar o Traçado do Trilho da Vezeira de Fafião. Porém, antes disso, foi passar na chã que sempre me chamou a atenção por ser um bom local para um curral. Nunca tinha escutado a existência ali de um curral, o que para mim parecia um enorme desperdício de espaço. Já por ali havia passado inúmeras vezes e os olhares rápidos nunca haviam denunciado a possível existência de um curral. Assim, ao longo de tantos anos nunca havia prestado muita atenção àquele local... até hoje. Seguindo por um carreiro meio escondido pela urze cheguei ao local e para meu espanto rapidamente encontrei os restos de um forno coberto de vegetação. De facto, ali existiu um curral pois a zona é naturalmente propícia a que tal tenha existido. É sempre bom «descobrir» algo de novo após tantos anos na Serra do Gerês e cada vez é mais reconfortante assumir a minha ignorância e pequenez perante tamanho colosso... apesar dos quase 30 anos de experiência... Reconheço, como é natural, não saber o nome do curral; assim vou designá-lo por Curral da Mourisca devido à proximidade do alto com o mesmo topónimo.
Chegado ao Trilho da Vezeira de Fafião esperava-me a árdua subida até Soengas. À medida que ia ganhando horizonte tornava-se evidente a na próxima hora uma capa de nevoeiro iria cobrir aquela parte da serra. Os píncaros serranos a Norte estavam totalmente escondidos e o vento forte e frio arrastava as nuvens para Sul. Porém, naqueles minutos foi magnífico ver Porta Ruivas já antes da chegada ao Curral de Soengas. O fulgor do Sol que por cima do Iteiro d'Ovos se encontrava escondido, iluminava o granito cinzento do colosso que marca o início das terras de Trás-os-Montes. Mais ao longe, o imponente Borrageiro ainda se deixava ver de forma tímida, mas já com grande parte tomada pelas nuvens.
Passagem rápida pelo Curral de Soengas e baixada para o Curral de Iteiro d'Ovos na esperança que aquela parede granítica me proporcionasse algum abrigo do vento, porém em vão. Algumas fotos do topo do Vale do Rio Laço e continuar a caminhada até Videirinho onde fui saudado pelas gentes de Fafião em hora de almoço. De novo, uma passagem rápida pelo curral e o registo fotográfico do velho forno, continuando a caminhada até ao Curral de Rocalva. Por esta altura já a paisagem estava tomada por um denso nevoeiro que mais parecia uma chuva miudinha deixando pequenas gotículas. Se estivesse mais frio por certo que teríamos ali neve.
A partir daqui colocavam-se três opções: subir até perto do Borrageiro e dali descer pelas Lamas de Borrageiro até chegar ao princípio da Chã da Gralheira; descer ao Curral do Cando e seguir pela Chã de Pinheiro para Teixeira; ou seguir para o Conho passando perto da Mourisca. Esta última opção levar-me-ia a percorrer uma grande parte do percurso da manhã e como tal foi a primeira a eliminar. A passagem pelo Cando é sempre uma boa opção mesmo sabendo que a partir de Teixeira o caminho tornar-se-ia fácil até ao Curral de Cambalhão. No entanto, chegaria ali por certo muito tarde. Assim, decidi subir ao Curral da Roca Negra e daqui seguir para perto do Borrageiro, descendo depois para parto da Fonte do Borrageiro.
Nesta altura a visibilidade não era muita, uns 10/20 metros, permitindo somente ver as mariolas a essa distância. A Meda de Rocalva não passava de um ténue vulto encoberto pelo cinzento das nuvens que passavam velozes. O mesmo acontecia aos dois picos da Roca Negra, assemelhando-se a um gigante guardião na penumbra. A passagem pelo Curral da Roca Negra dá acesso ao carreiro que me levaria à chã granítica que antecede o Borrageiro. Neste altura, o nevoeiro tornou-se menos denso permitindo ver a antena que se encontra junto do marco geodésico. Ladeando o alto pelo Norte, chega-se ao carreiro nas Lamas de Borrageiro e daqui facilmente se chega ao percurso antes da Chã da Gralheira. Um pequeno descanso antes de chegar à Chã da Fonte...
Ainda tendo tempo antes do antecipado final de tarde outonal, decidi descer a Pegada das Rubias que me levou ao carreiro para o Curral de Cambalhão e daqui segui em direcção à Preza passando pelo Curral do Junco e pelo limite do antigo Gerês Florestal. Da Preza a usual baixada para o Vidoal e o fim da caminhada não demorou muito, chegado ao ponto de partida na Portela de Leonte.
E assim foi mais uma incursão na Serra do Gerês em dia de nevoeiro, ou dia de lobo...
As imagens do dia...
Passagem rápida pelo Curral de Soengas e baixada para o Curral de Iteiro d'Ovos na esperança que aquela parede granítica me proporcionasse algum abrigo do vento, porém em vão. Algumas fotos do topo do Vale do Rio Laço e continuar a caminhada até Videirinho onde fui saudado pelas gentes de Fafião em hora de almoço. De novo, uma passagem rápida pelo curral e o registo fotográfico do velho forno, continuando a caminhada até ao Curral de Rocalva. Por esta altura já a paisagem estava tomada por um denso nevoeiro que mais parecia uma chuva miudinha deixando pequenas gotículas. Se estivesse mais frio por certo que teríamos ali neve.
A partir daqui colocavam-se três opções: subir até perto do Borrageiro e dali descer pelas Lamas de Borrageiro até chegar ao princípio da Chã da Gralheira; descer ao Curral do Cando e seguir pela Chã de Pinheiro para Teixeira; ou seguir para o Conho passando perto da Mourisca. Esta última opção levar-me-ia a percorrer uma grande parte do percurso da manhã e como tal foi a primeira a eliminar. A passagem pelo Cando é sempre uma boa opção mesmo sabendo que a partir de Teixeira o caminho tornar-se-ia fácil até ao Curral de Cambalhão. No entanto, chegaria ali por certo muito tarde. Assim, decidi subir ao Curral da Roca Negra e daqui seguir para perto do Borrageiro, descendo depois para parto da Fonte do Borrageiro.
Nesta altura a visibilidade não era muita, uns 10/20 metros, permitindo somente ver as mariolas a essa distância. A Meda de Rocalva não passava de um ténue vulto encoberto pelo cinzento das nuvens que passavam velozes. O mesmo acontecia aos dois picos da Roca Negra, assemelhando-se a um gigante guardião na penumbra. A passagem pelo Curral da Roca Negra dá acesso ao carreiro que me levaria à chã granítica que antecede o Borrageiro. Neste altura, o nevoeiro tornou-se menos denso permitindo ver a antena que se encontra junto do marco geodésico. Ladeando o alto pelo Norte, chega-se ao carreiro nas Lamas de Borrageiro e daqui facilmente se chega ao percurso antes da Chã da Gralheira. Um pequeno descanso antes de chegar à Chã da Fonte...
Ainda tendo tempo antes do antecipado final de tarde outonal, decidi descer a Pegada das Rubias que me levou ao carreiro para o Curral de Cambalhão e daqui segui em direcção à Preza passando pelo Curral do Junco e pelo limite do antigo Gerês Florestal. Da Preza a usual baixada para o Vidoal e o fim da caminhada não demorou muito, chegado ao ponto de partida na Portela de Leonte.
E assim foi mais uma incursão na Serra do Gerês em dia de nevoeiro, ou dia de lobo...
As imagens do dia...
4 comentários:
Gostaria de o felicitar por este blog que encontrei por mero acaso quando procurava saber a localização de toponímias da Serra do Gerês que não surgem na carta militar (infelizmente são muito poucas as aqui escritas). Este ano tive a felicidade de poder trabalhar na Serra do Gerês no âmbito do Projecto Life Taxus pelo que posso dizer que comecei a conhecer o Gerês, pelo menos a parte ocidental desta serra onde decorrem os trabalhos. Felizmente muito me falta percorrer no Gerês para dizer que "conheço bem o Gerês" - é essa a grande magia do nosso único Parque Nacional - a imensidão de terrenos "quase" selvagens onde nos podemos perder. Falando com vigilantes e sobretudo como o Sr. António Rebelo fiquei a conhecer várias toponímias que desconhecia e que fui apontando na carta militar.
Entretanto, noutro projecto, estou a tentar georeferenciar antigos inventários florísticos realizados nesta região com base na toponímia fornecida (que por vezes acresce a altitude). Já fiquei a saber onde será a "Abelheirinha" (será o curral na confluência da Ribeira do Porto das Vacas junto das "Fichinhas"), mas outros surgem que desconheço na «Serra do Gerês»: "Chã de Lamas" (750m); "Entre Leonte e Albergaria, pr. Ranhado" (900m). Se me puder ajudar agradecia.
Cumprimentos e parabéns pelo documentário destas paisagens fantásticas que felizmente, algumas delas, já pude conhecer.
Gostaria de o felicitar por este blog que encontrei por mero acaso quando procurava saber a localização de toponímias da Serra do Gerês que não surgem na carta militar (infelizmente são muito poucas as aqui escritas). Este ano tive a felicidade de poder trabalhar na Serra do Gerês no âmbito do Projecto Life Taxus pelo que posso dizer que comecei a conhecer o Gerês, pelo menos a parte ocidental desta serra onde decorrem os trabalhos. Felizmente muito me falta percorrer no Gerês para dizer que "conheço bem o Gerês" - é essa a grande magia do nosso único Parque Nacional - a imensidão de terrenos "quase" selvagens onde nos podemos perder. Falando com vigilantes e sobretudo como o Sr. António Rebelo fiquei a conhecer várias toponímias que desconhecia e que fui apontando na carta militar.
Entretanto, noutro projecto, estou a tentar georeferenciar antigos inventários florísticos realizados nesta região com base na toponímia fornecida (que por vezes acresce a altitude). Já fiquei a saber onde será a "Abelheirinha" (será o curral na confluência da Ribeira do Porto das Vacas junto das "Fichinhas"), mas outros surgem que desconheço na «Serra do Gerês»: "Chã de Lamas" (750m); "Entre Leonte e Albergaria, pr. Ranhado" (900m). Se me puder ajudar agradecia.
Cumprimentos e parabéns pelo documentário destas paisagens fantásticas que felizmente, algumas delas, já pude conhecer.
Caro Estevão,
Obrigado pelas suas palavras sobre este blogue. É sempre bom saber que o trabalho que se vai realizando acaba por ser útil a alguém.
De facto, a toponímia geresiana é um tesouro por explorar e por muito que se conheça, haverá sempre algo mais a conhecer, sendo este sempre um fantástico e emocionante motivo para ir explorando a Serra do Gerês.
O termo 'Abelheirinha' / 'Abelheira' surge em algumas zonas da Serra do Gerês e por vezes poderá levar a alguma confusão. Por exemplo, no Vale do Homem temos a Fonte da Abelheirinha junt o de um bosque ao qual é atribuído semelhante topónimo. Por outro lado, já perto da Barragem de Paredela, existe a Corga da Abelheira. O curral de refere (Curral da Abelheirinha) fica ligeiramente a Noroeste de Porta Ruivas ou na Folha 31 um pouco acima de Sombrosas, ainda acima do local que lhe foi indicado pelo Sr. António Rebelo. Aqui pode encontrar algumas fotografias do curral: http://carris-geres.blogspot.pt/2014/03/trilhos-seculares-quinas-de-arrocela.html
A Chã de Lamas fica perto de Junceda (penso que será esta; não havendo confusão com outro topónimo geresiano) a Oeste das Caldas do Gerês. O Alto de Lamas está identificado com um marco geodésico e serviu de delimitação ao perímetro do Gerês Florestal em finais do séc. XIX.
O Ranhado ficará a Norte do Alto da Corneda antes da Corga de Cagademos e não muito longe (a Este) da estrada entre a Portela de Leonte e Albergaria.
Estevão,se tiver mais dúvidas não hesite em contactar e talvez por email seja mais fácil manter o diálogo: rmcsbarbosa@gmail.com
Cumprimentos
Obrigado pela ajuda e disponibilidade. Pode ser que as nossas caminhadas se encontrem nestas serranias fantásticas.
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