sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Trilhos seculares - Cabeço da Cova da Porca

Quando visito o Parque Nacional e em especial a Serra do Gerês, procuro que essa visita não seja uma simples e efémera passagem, ou apenas um número. Na eterna busca do conhecimento, é o longo desejo de aprender e compreender as forças que moldaram a montanha e a tornaram o que ela é hoje. Estas são forças de milénios que criaram os vales e os rios, as corgas e as serranias, enfim os píncaros geresianos que nos envolvem numa atmosfera de mística, aventura e desejo.

O olhar para velhos mapas e maravilhar-me com os velhos nomes, topónimos e orónimos perdidos no tempo, esquecidos dos homens e guardados em velhos livros hoje cada vez mais difíceis de encontrar. São estas horas que em notas de rodapé muitas vezes esquecidas ou ignoradas, escondem velhos segredos. Segredos estes fruto da sabedoria dos homens serranos que calcorrearam as serras desde os tempos idos e que lhes conotaram a sua sabedoria ao atribuir nomes a características geológicas que hoje nos sendo familiares, tiveram em tempos nomes que hoje estão perdidos na penumbra dos tempos.

A caminhada de hoje tinha um objectivo bem definido, isto é queria chegar ao chamado 'Cabeço da Cova da Porca'. Este será um nome estranho até para as gentes serranas e contar-se-ão pelos dedos de uma mão aqueles que saberão indicar onde fica este cabeço.



O dia apresentava-se ameno para iniciar a jornada, e que jornada esta seria! Começaria na Portela de Leonte, antiga entrada num Gerês selvagem do qual já pouco resta... ou talvez não. Ele está lá, nós é que não o vemos... como a Surreira do Meio Dia. Percorrendo a estrada nacional, a Mata de Albergaria é uma fonte inesgotável de sons pela manhã... quando não passa um carro. O canto matinal dos pássaros e o murmurar dos riachos, os jogos de luz e sombras enquanto que o Sol não invade o fundo do vale. Momentos únicos para os mais tempranos... Após caminhar algum tempo pelo pobre alcatrão, iniciamos a subida que nos levaria aos altos píncaros geresianos. A subida apela a todos os sentidos e músculos do corpo, pondo à prova a nossa resistência. Porém, com determinação e com tamanho deslumbramento pela paisagem, os metros vão sendo ganhos até chegarmos a caminhos mais suaves interrompidos aqui e ali por breves declives que nos fazem mirar as rochas no chão.

Com os Prados Caveiros já para o nosso lado, chegava a hora do verdadeiro assalto ao misterioso cabeço assinalado no velho mapa de Tude de Sousa. De facto, o carreiro era já meu conhecido bem como o local de destino, esse objectivo a que me propus. Percorrendo as zonas mais altas da serra a partir do Lombo do Burro, o caminho passa por uma extremidade do Cantarelo e leva-nos ao princípio da Corga da Água da Pala. Proporcionando uma majestosa vista para os domínios de Pincães e Fafião com a Porta Ruivas, o vale do Rio da Touça, Fichinhas, Rocalva e Roca Negra, ou então olhando para as lonjuras de Montalegre, o nosso olhar embate no promontório granítico do Borrageiro (Borrageiras) à sombra do qual se abrigam as centenárias minas. Absorto em tamanha contemplação, o tempo foi-se passando e os passos levaram-me a passar a Ravina da Cova da Porca encimada por uma planura que antecedeu a final subida até ao Cabeço da Cova da Porca.

Como explicar este nome? Sinceramente, é algo que me escapa. Por várias vezes o porco está associado ao javali e aqui pode estar talvez uma explicação para tal designação. Seria um local de abundância de javalis no selvagem Vale do Alto Homem? Existe ali algures uma cova onde estes animais se escondiam (escondem)? Talvez perguntas que jamais terão resposta, mas nunca é demais deixarmos a imaginação voar e tentar explicar a origem destes orónimos. E ali estava eu, no topo de 1463 metros de altura geresiana. A meus pés o Gerês ia crescendo num mar caótico de granito selvagem. Se a Norte se rompe na Terra o majestoso Vale do Homem, as vistas alcançam o pico máximo de altitude nos altos da Nevosa, a crista das Albas cimeiras à Messe, ali ao lado Cidadelhe como que a assinalar a zona de uma «cidade perdida», a Sul o granito que rasga os céus desde o Fojo de Alcântara passando por Palma, Amarela e os familiares picos da Rocalva e Roca Negra. Tanto para tão pouca compreensão... O Gerês não deixa ninguém indiferente, muito menos aqueles que nos seus vales e recantos procuram os seus segredos.


Já ao subir para o topo do Cabeço da Cova da Porca, havia notado uma pequena mineração. A zona foi rica em volfrâmio e nos anos 40 foi passada a pente fino em busca do mais pequenos sinal daquele minério. Não havendo qualquer concessão ali atribuída, e tal como uma outra exploração que observei já na descida, estas pequenas explorações terão sido ilegais e provavelmente feitas pelo mesmo grupo que também explorou o filão de Cidadelhe de forma ilegal ao considerar que a área se encontrava dentro da concessão das Minas do Borrageiro.

Era então chegada a hora do regresso e para tal resolvi usar o parte do longo percurso entre Corga das Mestras e os Pardos da Messe, passando por um pequeno curral sobre o qual existe um interessante debate sobre a sua designação. Em passo ligeiro depressa chegava à Messe e me reunia com os dois companheiros de caminhada. O regresso ao local de partida foi feito pelo clássico caminho que liga os Prados da Messe à Portela de Leonte passando pelo Conho, Lomba de Pau, Lamas de Borrageiro, Chã da Fonte, Preza e Vidoal.

E assim foi que aparentemente consegui identificar um velho nome na toponímia geresiana. De facto, a zona já me era conhecida pois já por ali havia caminhado por diversas vezes em passagem para o Curral de Absedo. A zona é dominada por dois picos bem distintos, Cidadelhe e Torrinheira, o actual nome do Cabeço da Cova da Porca...



























Fotografias: © Rui C. Barbosa

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