Carris, 25 de Fevereiro de 1955
Quando na Quarta-feira, dia 17 de Fevereiro de 1955, os responsáveis pelas Minas dos Carris olhavam os céus carregados de cinzento que topejavam os topos serranos do Gerês, não imaginavam que os dias seguintes trariam um dos maiores nevões de que há memória para aquelas paragens. Nesse dia começaria a nevar intensamente o que levaria a que uma semana mais tarde em alguns pontos da serra a espessura da neve fosse de quase quatro metros, fazendo com que o trânsito fosse impossível.
Esta situação climatérica levou a que a passagem pelo Vale do Alto Homem até às Minas dos Carris ficasse fechada, isolando as 200 pessoas que naquela altura trabalhavam nas minas. A situação tornou-se problemática por volta do dia 21 de Fevereiro quando pelo telefone, cujos cabos resistiram ao peso da neve, era informado que os mineiros se encontravam sem pão nem outros alimentos e que só tinham escassa roupa. Chegavam a ser feitos relatos de lobos famintos que uivavam perto das instalações mineiras. A situação torna-se angustiante no dia 23 de Fevereiro e no dia seguinte é decidido montar uma expedição de socorro que para muitos de nós é desconhecida.
A 25 de Fevereiro é assim criada uma brigada que transportou mantimentos desde a Portela de Leonte até à Água da Pala, local onde os mineiros deveriam aguardar. Em Carris foram escolhidos 25 homens que desceram o estradão coberto de neve ligados entre si por cordas. Relatos orais recolhidos pelo autor do blogue referem que os mineiros fizeram o caminho cantando o hino nacional e outros temas patrióticos que assim elevavam o espírito e davam coragem aos homens.
Na Portela de Leonte, a brigada de socorro era organizada por Manuel Pinheiro, então gerente da fábrica de serração que pertencia à Empresa Hoteleira do Gerês. Esta brigada era composta por 30 homens voluntários. Destes homens, 28 abriram o caminho pela neve para que uma camioneta carregada de pão pudesse transpor a difícil subida até à Água da Pala. O pão era o alimento que mais escasseava e na altura não era possível transportar os restantes alimentos, nomeadamente legumes, e roupas ao mesmo tempo.
Segundo os relatos o trabalho levado a cabo pelos homens foi «fatigante e perigoso». Chegados à Água da Pala, a brigada era já aguardada pelos mineiros que aguentaram um frio cortante durante bastante tempo. Os mineiros receavam que a missão de socorro não fosse bem sucedida e a angustia entre os homens era intensa. A visão da chegada dos homens e da camioneta deve ter sido algo único de testemunhar. A transferência do pão foi feita de imediato e os mineiros iniciaram a penosa ascensão de regresso às minas, transportando 300 kg de pão de milho e 150 dúzias de pão de trigo.
Convém referir que toda esta aventura decorreu com um tempo inclemente. A brigada regressou por sua vez a Leonte, mas quando ali chegaram ainda não tinham sido recebidas quaisquer notícias dos mineiros. Estes tardavam a chegar e devido à intensidade do nevão que tapava os sulcos anteriormente abertos na descida, receava-se que os homens se perdessem ou fossem vítimas de uma queda. A distância entre a Água da Pala e as Minas dos Carris foi percorrida em quatro horas. Uma sensação de júbilo e alegria percorreu todos os que aguardavam notícias na Portela de Leonte!
Um aspecto interessante que ocorreu neste dia foi também o resgate de muitas cabras e cabritos que se encontravam num curral na Água da Pala. Os animais acabaram por ser recolhidos e transportados para Leonte pela brigada de socorro. Infelizmente, muitos animais já haviam sucumbido ao frio e ao gelo. Os visitantes de Carris podem ainda hoje ver os restos do curral na Água da Pala.
No dia 26 de Fevereiro a temperatura média registada foi de -6ºC. O pessoal, com uma reserva de artigos de mercearia e de carne, estava moralizado. Os trabalhos exteriores na mina estavam suspensos, prosseguindo somente em profundidade. Por outro lado, as instalações da lavaria estavam paralisadas porque a água estava gelada.
A estrada para as Minas dos Carris acabou por ser totalmente desobstruída a 4 de Março. Em alguns locais era referido que a neve atingira 6 metros de altura (!!!) e que caso não houvesse uma ajuda mecânica para a tarefa, os mineiros estariam isolados até ao mês de Maio. No dia 6 de Março já todos os trabalhos exteriores de laboração mineira haviam sido retomados.
Fotografias do Jornal 'O Século'
2 comentários:
...eu que adoro o Gerês...que já fui várias vezes aos Carris com todo o tipo de climas..por todas as vezes ao caminhar por entre as ruinas me perguntava como viveriam aqueles homens brancos escravos no alto da montanha...principalmente na invernia...sem qualquer mordomia a que hoje quase todos temos acesso...lido este artigo e com muita comoção só um adjectivo me vem ao pensamento...HERÓIS.
Gosto muito de caminhar na montanha, até pela paz e serenidade que ela nos transmite...mas cada vez que chego eu ás minas mais degradado encontro as instalações...o clima e não manutenção será um factor...mas há muita gente que se intitula "montanheiro,caminheiro,naturalista..." eu sei mais quê... gozam com o facto de destruir...olham para tudo e nadas lhes diz nada...
Muito bom o atigo e o Blogger
Abraço montanhista...vêmo-nos ai por esses caminhos...
Raul Marques
É incrível imaginar a vida difícil que levavam as pessoas que trabalhavam nas minas.
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