segunda-feira, 18 de agosto de 2025

"Arde o mato", um artigo de Tito Lopes

 


Na situação dos incêndios, contabilizam-se perdas materiais, perdas em vidas humanas, animais domésticos e várias outras perdas lamentáveis e contabilizáveis, perceptíveis aos nossos olhos e meios.

Mas há toda a perda invisível ao leigo.

Há as árvores, que veem-se queimadas, mas quase não se tem realmente a noção da verdadeira perda de vidas, que se tratará de centenas de milhões de seres vivos, ali, imóveis, silenciosas a morrer de pé, mas não com menos sofrimento.

E há os arbustos, que ninguém liga, mas também são seres vivos que nos proporcionam oxigénio, matéria orgânica, fixação de solos e água, alimento da fauna selvagem e... Existem, estão vivos.

E os mamíferos selvagens que não conseguem fugir ou irão ficar sem alimento, abrigo e água, nestas novas paisagens de extensões queimadas, desertas. Veados, corços, javalis, texugos, ginetas, doninhas, pequenos ratos, esquilos, quem sabe linces ou até lobos.

E as aves que mesmo podendo voar e nem tem para onde. Nesta altura do ano, muitas ainda jovens nascidos recentemente, sem experiência ou forca. Quantos milhares morrerão nestes fogos?

E répteis e anfíbios? Rãs, sapos, cobras, lagartixas, osgas, cágados.

E passando aos insectos, quantos milhões morrerão num incêndio. Tão pequenos e mais vulneráveis, se não morrerem do fogo ou fumo, irão morrer agora de fome.

E a vida no solo, que se sabe ser invisível, mas tão mais rica e diversa que a fauna da superfície. Com a sua morte compromete-se a fertilidade do solo, a decomposição da matéria orgânica, a sanidade de todo o ecossistema, a depuração da água no solo, etc., etc.

Os fungos, alguns sobreviverão, se o fogo não for tão intenso que queime por temperatura o solo até maior profundidade, mas todos os esporos morrem e compromete-se toda a renovação de uma nova geração.

E há mais perdas invisíveis, desconhecidas ou ignoradas do público leigo.

É uma catástrofe maior que o que se vê, ou consegue equacionar.

Tudo fica mais pobre, os processos de evolução e sucessão natural, sistemas mais eficazes de regeneração que os humanos alguma vez conseguirão criar, tudo regride a um estado de zero.

Serão precisos muitos, muitos anos para voltar ao ponto diverso ou rico e produtivo do potencial de qualquer ecossistema bem desenvolvido.

Mais anos do que dura uma vida humana.

Agora a questão, poderíamos acelerar e optimizar estes processos? Sim, poderíamos, pois existe o conhecimento e os meios para isso, mas seria necessária uma enorme movimentação de meios, pessoas e recursos para isso.

Mas pessoas, temos milhares no desemprego sem fazer nada, temos milhares nas prisões sem fazer nada e consumir recursos. Temos milhares que querem ajudar, mas não sabem como.

Recursos financeiros? Temos centenas de milhões que se perdem em negócios escuros e ilícitos. Temos centenas de milhões em despesas de má gestão e desperdício. Temos outros tantos milhões em despesas de necessidade ou eficácia e benefícios duvidosos ou de pouco valor e interesse público real.

Seria possível, mas seria necessária uma grande vontade, uma grande coragem e uma escolha e opção séria e comprometida.

Infelizmente isto será uma utopia, simplesmente porque não existem estes últimos factores referidos. Mas seria possível e viável.

Fica a reflexão 

Entretanto, aqueles que se preocupam irão fazer algumas pequenas iniciativas dispersas que terão um valor simbólico e localizado.

Na Quercus, assim como outras organizações, vamos realizar várias destas ações 

Mas é claramente pouco para a dimensão do estrago, que mais se agrava e acumula, ano após ano.

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Texto de Tito Lopes

Fotografia © Richi Nóvoa Vasquez (Todos os direitos reservados) via Katuro Barbosa

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