A jornada não foi muito extensa, levando-me a calcorrear as paisagens da Serra do Gerês entre a Portela de Leonte e a Pedra Bela com passagem pelo Vale de Teixeira.
O dia surgiu temperado com uns tons de ar frio, sinal de que a Primavera já cá está, porém, ainda meio-estremunhada. Romagem à Portela de Leonte e as explicações sobre os primeiros dias do Parque Nacional da Peneda-Gerês que foi inaugurado naquele lugar. Sim, explicações para o casal que acompanhei neste dia, pois a caminhada foi guiada no âmbito da RB Hiking & Trekking em serviço para a Explore Iberia.
Já com alguns dias de caminhadas ao longo da Grande Rota da Peneda-Gerês, o Gary e a Isobela não deixaram de se maravilhar e dizer maravilhas deste tesouro natural no Norte de Portugal. Paisagem incógnita por entre a promoção turística de actividades de montanha, talvez - na sua opinião - se deva manter assim mesmo; apenas a conhecer para quem quer desfrutar de uma Natureza que, apesar de humanizada, não deixa de ser única e por esta razão mereceu a classificação que a caracteriza.
Num concelho onde a promoção das actividades de montanha é quase inexistente para além dos resistentes, goza-se de uma sazonalidade que existente e da qual muitos se queixam, não deixam de a promover. Venham-se as festas e as animações do estio que o povo quer, é isso mesmo... siga a rusga!
Pois então, o Parque Nacional da Peneda-Gerês seria inaugurado com a pompa e na circunstância que quiseram no dia 11 de Outubro de 1970 com a presença do então Presidente da República (Américo Tomás), acompanhado pelo então Presidente da Assembleia Nacional (Carlos Monteiro Neto), Ministro do Interior (António Manuel Rapazote), Secretários de Estado das Obras Públicas (Rui Sanches) e da Agricultura (Vasco Leonidas), Governadores Civis de Viana do Castelo (António Simões Pinto), Braga (António Santos da Cunha) e Vila Real (Manuel da Silva Almeida), e outras autoridades nacionais, além - naturalmente - do primeiro Director do Parque Nacional da Peneda-Gerês (Lagrifa Mendes).
De notar que, curiosamente, o Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) só seria estabelecido por Lei a 8 de Maio de 1971, sendo esta considerada a data da sua criação.
A Portela de Leonte, que então era prevista ser uma porta de encontrada para o PNPG, é ponto de início de muitos percursos que nos levam a diferentes pontos da Serra do Gerês. Subida muitas vezes calcorreada para o acesso ao «maciço central» geresiano, a Costa do Morujal é percorrida por um carreiro que após algumas dezenas de metros se transforma num magnífico percurso rudemente lajeado, mas que nos deveria lembrar das agruras e dificuldades da vida serrana de há um século ou mais. É por aqui que ainda nos nossos dias podemos testemunhar a subida da vezeira vinda dos lugares mais abaixo no Vale do Rio Gerês.
Tendo dificuldade em datar os trabalhos que transformaram parte daquele caminho num acesso lajeado em granito, não deixa de ser impressionante o trabalho ali existente para facilitar o acesso às pastagens de altitude na transumância que ainda se vai fazendo por estas paragens.
Ziguezagueando costa acima, o caminho leva-nos à Chã do Carvalho enquanto o Pé de Cabril se avoluma e afunda na paisagem. A Primavera chegou a estas paragens e a profusão de flores vai-se fazendo sentir; depois dos crocus (açafrão) que anunciaram a chegada da estação, os recantos vão-se preenchendo com os narcisos, noselhas, margaridas, ervas-das-sete-sangrias, arenárias (Erythronium dens-canis), etc., ao mesmo tempo que as árvores se vestem a preceito para os dias que se avizinham. Não tarda e a paisagem irá receber as abrótegas e os fugazes lírios-do-Gerês, anunciando o Verão.

O caminho leva-nos a passar algumas varandas sobre a Mata de Albergaria com a sua nova folhagem que vai preenchendo o espaço, enquanto os cumes apontam aos céus. Por entre a paisagem granítica, somos chegados ao Prado do Vidoal com o seu peculiar abrigo pastoril. Aqui, uma breve paragem para falarmos da ocupação milenar dos espaços serranos e daquele espaço em particular, assinalando o que penso ser três fezes distintas testemunhadas com a presença de tímidas ruínas de velhos abrigos pastoris.
Tendo como tela de fundo a Roca d'Arte e os cumes do Pé de Cabril e Carris de Maceira, o Vidoal é sempre ponto de paragem um pouco mais prolongado antes da romagem ao Colo da Preza, ladeando a face Norte do Outeiro Moço. Perscrutando as voltas da serra e as dobras na paisagem, desta vez as cabras-montesas foram astutas no disfarce. Por entre o constante chilrear da passarada e o fugaz voo de uma ou outra rapina, somente os garranos se dignaram com a sua presença. Raça ibérica autóctone, os garranos deambulam livremente pela paisagem e sendo nativos do Minho e Trás-os-Montes, acabam também por desempenhar o seu papel na prevenção desta paisagem e nos incêndios rurais.
Antes da chegada à Preza, uma curta paragem para assinalar a presença dos teixos em várias corgas não muito afastadas do Curral de Lavadouros. Sendo uma das árvores da flora portuguesa mais rara e ameaçada, o teixo é odiado por ser muito tóxico, mas é também esta toxicidade que o torna um importante activo no tratamento do cancro. "O teixo é conhecido desde a antiguidade, não só pelas características da sua madeira, mas pela sua toxicidade. Apenas o invólucro vermelho e carnudo da semente é comestível. A casca, ramos, folhas e sementes podem ser mortais, o que levou ao abate de teixos em muitos locais e a diversos mitos nas culturas antigas. Mas no que uns viram uma ameaça, outros encontraram uma solução: a toxicidade do teixo deve-se aos alcaloides que produz e que ganharam importância em medicamentos para o tratamento do cancro." (Fonte) No PNPG podemos observar interessantes núcleos desta árvore com alguns indivíduos que já deverão ter certamente ultrapassado os 1.000 anos.


Somos então chegados ao Colo da Preza que nos proporciona uma vista única sobre o Vale de Teixeira com os prados do Camalhão e de Teixeira. Lugar muitas vezes ventoso, é aqui onde iniciamos finalmente uma descida que irá terminar no Curral do Camalhão depois de se passar pelo Curral do Junco e de se percorrer a Garganta da Preza. Na Preza e um pouco mais abaixo no carreiro, são possíveis de observar dois dos antigos marcos que assinalavam o limite do perímetro florestal do Gerês estabelecido em Agosto de 1888. Este perímetro foi em vários pontos assinalado com marcos graníticos (tais como se pode observar na Preza, Junco, Lomba de Pau, Pedra Bela, etc.), com marcos semelhantes a marcos geodésicos (Escuredo), marcos triangulados (Pedra Furada) ou com cruzes gravadas em baixo-relevo (Pedra Bela, vários pontos da Encosta do Sol, Cruz do Touro, etc.). Muitas vezes estes sinais podem ser confundidos com os limites de freguesias, como se pode observar no Prado do Vidoal.
Descendo por entre carreiros e atravessando pequenos regatos que mais adiante se vão encorpar para dar volume ao Rio Arado, somos então chegados ao Curral do Camalhão para um já merecido descanso. Entretanto, o dia havia se tornado num prelúdio de Verão com o céu tingido de poeiras e nuvens a ameaçar uma intempérie que haverá de chegar dias depois.
Saciada a sede e aclamados os estômagos, seguimos então caminho percorrendo parte do Vale de Teixeira até que as velhas (e novas) mariolas nos levaram a atravessar o pequeno rio e nos conduziram pela Encosta da Boca do Suero até eventualmente chegarmos ao Curral da Lomba do Vidoeiro, seguindo depois para a Chã de Carvalha das Éguas ao percorrer já o traçado da GR 50 Grande Rota da Peneda-Gerês. Este é um muito interessante percurso que, iniciado na Ameijoeira (Castro Laboreiro) e terminado em Tourém, nos leva a conhecer a diversidade de paisagens do PNPG ao longo de cerca de 190 km dividido em onze etapas.
Deixaríamos a GR 50 um pouco mais adiante, tomando então a direcção do Curral da Espinheira e da Pedra Bela onde terminaria a caminhada com uma magnífica vista sobre o Vale do Rio Gerês.
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)