domingo, 8 de dezembro de 2019

Bissau


Sentado no chão de azulejos grená da varanda, refugio-me do calor do interior da casa. As ruas mal iluminadas são percorridas pelo crioulo que ainda me é estranho. As conversas trazidas pela veluda brisa parecem discussões ao longe onde o horizonte se perfila de nuvens carregadas de estrondo prontas a cair sobre a Terra. O ar parece fresco, porém cheio de uma humidade que se agarra a pele e me impede de dormir. Anseio pelo sono; aquele sono que retempera o corpo e acalma a alma dos dias quentes de Bissau.

Uma voz negra canta uma melodia que não compreendo e que morre por entre o ruído de um motor a dois tempos. Para além das vozes, somente os faróis dos velhos táxis percorrem as estranhamente sossegadas ruas. É como se estas se preparassem para a tempestade que aí virá.

Alguém morreu e deve ser por isso que as ruas se acalmam. Na casa iluminada por velas de cera, o 'bota choro' faz a despedida do defunto numa tranquilidade mergulhada nas penumbras das luzes que restam. Por vezes, a conversa longínqua transforma-se num riso estridente ou mesmo estérico, forçado, até desnecessário. Os relâmpagos rasgam as nuvens a por onde o Sol irá adormecer e enchem-nas de um branco eléctrico. O som do trovão perde-se e dispersa-se na imensidão do céu.

Passa um carro com um ritmo africano, mas rapidamente se perde numa volta da rua. Na esquina prossegue uma conversa num árabe incompreensível para mim e os motores a dois tempos lutam entre si.

O corpo cansado gostava de adormecer e os olhos socorrem-se já demasiadas vezes de uma máscara improvisada. Está calor dentro de casa, sento-me nos azulejos grená contemplando a tempestade que se aproxima de Poente... talvez venha buscar a alma de quem morreu aqui perto. Por isso as ruas se silenciam, enquanto a Lua reina nos céus antes da tempestade chegar...

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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