quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

PNPG no cadafalso?...



Carris, 24 de Janeiro de 2009

Durante a subida às Minas dos Carris, quer se vá sozinho ou acompanhado, surgem sempre os momentos para que possamos estar isolados somente com os nossos pensamentos, o ruído do rio lá ao fundo ou o som do vento assobiando por entre a urze. Nesta última caminhada tive alguns desses momentos que foram aproveitados para fazer correr muitos pensamentos... alguns mais pessoais, outros mais práticos relacionados com o local onde me encontrava.

Foi durante um destes momentos que me recordei mais uma vez da polémica adesão do Parque Nacional da Peneda-Gerês à singela rede PAN Parks, a tal que trás tanto prestígio e que parece ser um prémio a uma boa gestão... pelo menos é assim que nos querem fazer querer... Lembrei-me também de uma entrevista que o ex-director das Áreas Classificadas do Norte concedeu ao jornal Diário do Minho e que foi publicada na sua edição de Domingo, 18 de Janeiro de 2009. Ao ler esta entrevista vi nela desde o seu princípio até ao seu último ponto final um exercício de propaganda e talvez de lavagem de imagem do que se espera que fosse um verdadeiro Plano de Ordenamento do nosso único parque nacional.

Convém, no entanto, referir que as palavras que aqui irão ler são escritas por alguém cuja formação académica está longe de poder ajuizar de forma científica tudo o que é decidido. Porém, quando alguns dos meus formandos em Física, Óptica ou Fisiologia me apresentam uma dúvida, tenho sempre o cuidado de lhes explicar com a máxima clareza possível para que não restem dúvidas. A presença nomeada politicamente num pedestal acima dos ignorantes numa foi uma forma de criar laços e a explicação e realização de ordens, factos ou argumentos só 'porque sim...' nunca foi um bom serviço ao país e muito menos aos seus habitantes, lembrando quando os tempos idos do 23 de Abril de 1974...

Passemos então à entrevista na forma como eu a li... Henrique Pereira permaneceu três anos á frente das Áreas Classificadas do Norte onde está incluído o Parque Nacional da Peneda-Gerês. Nestes três anos são apontados a conclusão de vários planos de ordenamento de diversas áreas protegidas, a conclusão do plano das Portas do Parque nacional da Peneda-Gerês (por incrível que parece ao fim de tantos anos ainda há jornalistas que têm dificuldade em entender que o Parque do Gerês não existe!) e a famosa adesão à rede 'PAN Parks'.

Certamente que a revisão do Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês (POPNPG) era e é necessária por muitos motivos. Falando numa perspectiva de visitante usual do parque nacional e usual frequentador das suas montanhas, assisti a muitas agressões por parte de outros visitantes e possivelmente por parte de residentes. Certamente que é necessário se estabelecer regras de utilização e convivência. O POPNPG apresentado apresenta, segundo Henrique Pereira, uma estratégia de gestão de todo a área do parque nacional para os próximos anos. Porém, parece-me que este plano terá um erro de nascença do qual dificilmente poderá recuperar e que num futuro poderá trazer o fim do nosso último parque nacional. Este erro é a sua estreita relação com a rede PAN Parks e tudo aquilo que essa relação implica.

A adesão à rede PAN Parks é como que um certificado de excelência da gestão do parque nacional. Penso que quem conhece minimamente a Peneda-Gerês irá franzir o sobrolho quando leia frases deste tipo. É fácil de arranjar um exemplo para contrariar este tipo de afirmações e basta visitar a Portela do Homem em qualquer dia de calor durante o mês de Agosto e poderá atestar que gestão é coisa que não existe naquela área que poderá ser incluída na área de reserva restrita do PAN Parks. Ao se aderir à rede assumiu-se um compromisso de se isolar uma área de 5 mil hectares do pastoreio do gado bovino. É legítimo colocar a questão: "Teve o PNPG, o cuidado de perguntar às populações locais se se encontravam de acordo com este compromisso ou será que este compromisso foi assumido sem se escutar as populações em primeiro lugar?" Será que se assumiu um compromisso desta importância numa situação de 'deixa lá assumir que depois se irá resolver?'

Ao ler as palavras de Henrique Pereira parece que o que realmente se passou foi isso mesmo: o compromisso foi assumido sem antes se ter o cuidado de se identificar os problemas que isso poderia levantar... eis o certificado de boa gestão; parece-me que o bom gestor deverá identificar os problemas e resolvê-los antes de avançar para a fase seguinte de qualquer projecto. Isto é no mínimo providencial!

A conversação com as populações parece ter resolvido grande parte dos conflitos que entretanto foram surgindo, podendo-se criar assim uma zona que será reservada à rede PAN Parks. Esta zona parece orbitar em torno de um núcleo formado pelo Vale do Homem, Mata de Albergaria e Mata do Cabril. Convém salientar que um dos principais requisitos de adesão é a de que deve existir uma denominada wilderness zone numa zona única de 10.000 hectares sem intervenção humana. Agora expliquem-me, como é que é possível ter um núcleo de 10.000 hectares na Serra do Gerês sem qualquer intervenção humana? Que área é esta? Sendo o núcleo referido atravessado por uma estrada nacional que dá acesso à fronteira e que no Verão é percorrida por milhares de veículos automóveis e milhares de pessoas, como é que isto é possível?

É curiosa a análise feita por Henrique Pereira ao se ter em conta o que é referido na entrevista ao Diário do Minho. Questionado sobre como será possível atingir a área necessária, refere que é necessário se analisar a tendência das últimas décadas nas quais o abandono das actividades pastorícias e dos campos de cultivo são tristes realidades. Este tipo de pensamento só é novidade para quem desconhecia a opinião de Henrique Pereira ao defender que o abandono das actividades agrícolas tradicionais junto às aldeias era benéfico para o parque nacional. Assim, as actividades agrícolas tradicionais das populações serranas serão no futuro a memória que irá alimentar as temáticas das diferentes exposições que possam ocupar os espaços das Portas do Parque, percebendo-se talvez ironicamente, a sua importância.

Pretende-se então modernizar a pastorícia na Peneda-Gerês pois de repente deixa de ser eficaz levar o gado em transumância para o topo das serras, percorrendo as enormíssimas distâncias que as separam das aldeias. Assim, os campos de cultivo junto destes poderão ser transformados em pastagens melhoradas nas quais os rebanhos possam ser alimentados. Ficando junto das aldeias e em locais de fácil acesso a todos, turistas incluídos que certamente serão aliciados pelas belas paisagens do gado a pastar... no topo das serras.

Ao se ter em conta outros dois critérios na certificação da entrada para a rede PAN Park nota-se que: a) dever-se-á desenvolver uma política de gestão da visitação (plano de gestão de visitantes) e b) além de programar, implementar e monitorizar uma estratégia de desenvolvimento do turismo sustentável, de forma participada.

Será que iremos chegar a um ponto no qual o acesso à Serra do Gerês poderá ser somente feito através do pagamento de um serviço de alguma empresa de turismo de montanha que certamente terá ser certificada? Mas se esse acesso à área restrita é possível através do pagamento de um serviço o que é que muda nesse acesso para evitar um impacto nefasto na Natureza?

Outra questão que é pertinente colocar é a forma como todo o processo foi conduzido. A forma como foram emitidos pareceres por algumas autarquias levantam sérias dúvidas sobre todo o processo.

Para finalizar deixo aqui um ponto curioso e que é demonstrativo de todo este processo... A 16 de Julho de 2008 a Comissão dos Baldios da Ermida recebia um inquérito denominado "Questionário de auscultação dos representantes das populações". Este inquérito deveria ter sido entregue pela comissão... no mesmo dia da sua recepção.

Será que o leitor que no Verão passa férias no Gerês será impedido de ter acesso aos seus rios, lagos e às belas paisagens do Vale do Homem, da Mata de Albergaria e da Mata do Cabril? Será que os povos da serra com currais nos Prados da Messe, nas Abrótegas e em outras zonas irão perder direitos seculares de pastagem e de utilização dos seus pastos? Como é que será resolvido este problema? Mas será que há alguém que nos explique isto? Ou bastar-lhe-á um "porque sim..."?

Fotografia: © Rui C. Barbosa

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