A tarefa do homem serrano na abertura de passagens por entre corgas e vale profundos é o melhor exemplo das dificuldades que nos tempos idos se defrontavam nas serranias do Gerês.
As montanhas que formam o conjunto ao qual denominamos "Serra do Gerês", sempre representaram um desafio para quem aqui assentou. As primitivas tribos nómadas acabaram por escolher as zonas mais abrigadas dos vales, defendidas pelos ventos frios vindos do Norte pelas vertentes alcantiladas que constituem verdadeiras muralhas defensivas contra a inclemência do áspero clima serrano. No entanto, as temperaturas mais amenas da Primavera e Verão constituíram oásis, aproveitados nestas épocas para a alimentação dos animais em altitude, criando assim uma cultura pastoril que marcou o território.
Para aceder aos diversos currais que se foram estabelecendo, relíquias da ocupação nómada, foi criada uma rede de carreiros que ao longo dos séculos foi utilizada pelos pastores. Com o declínio da actividade pastoril no século XIX e no século XX, muitos destes caminhos foram desaparecendo, ficando apenas preservados nas memórias de uma emigração forçada para a América do Sul e mais recentemente para a Europa. Assim, esta rede de carreiros pela corgas e vales de mais difícil acesso foi-se perdendo, mantendo-se apenas aqueles que iam ainda sendo utilizados.
Um desses exemplos é a passagem pela Corga do Arieiro, ligando o Vale de Teixeira com a Chã de Roca Negra. Tendo percorrido pela última vez este percurso em 2013, foi chegada a hora de o relembrar.
A caminhada começaria na Pedra Bela bem cedo pela manhã, aproveitando assim as horas mais frescas dos dias que se aproximam do Outono. Seguindo na direcção do Curral da Espinheira, prosseguiu-se então para o Curral da Carvalha das Éguas e depois para o Curral da Lomba do Vidoeiro, antes de enveredar para a vertente Poente do Vale de Teixeira, descendo a Encosta da Boca do Suero.
Atravessando o tímido Rio de Teixeira, chegava-se ao Curral de Teixeira com o seu danificado abrigo pastoril devido ao desleixo e descuido de um churrasco mal apagado. Deixando o curral para trás, enveredei pela parte inicial da corga que iria subir. Sabia de antemão que, não sendo um percurso muito utilizado, me esperaria muito mato e assim aconteceu, pois tirando pequenos troços, o carreiro está dominado pelo mato que foi crescendo. Felizmente, as mariolas vão-nos dando a orientação para as passagens mais «complicadas» nas encostas e as vertentes foram sendo vencidas com maior ou menor esforço.
O percurso pela Corga do Arieiro divide-se em duas zonas principais: a parte inicial leva-nos até uma grande rocha isolada no meio do vale que parece indicar que a partir dali o esforço será maior; e uma segunda parte onde iremos ganhar altitude a cada passo que damos. De facto, parece que as paredes rochosas vão-se aprumando à medida que nos aproximamos do topo da corga e o vale atrás de nós afunda-se de forma espectacular. Da mesma forma, parte da serrania que estava oculta do olhar pela profundidade do vale, torna-se agora visível e a Serra do Gerês vai ganhando outra perspectiva que se alarga para horizontes quase infinitos quando finalmente chegamos ao topo da Corga do Arieiro e o lado Nascente do Gerês nos oferece uma visão inesquecível.
É aqui onde as palavras de espanto são substituídas pelos olhares de assombro. O cume duplo da Roca Negra é o primeiro plano de uma pintura que nos leva ao extremo da Serra do Larouco tendo pelo meio a Meda de Rocalva, os picos de Porta Roibas e o colosso de Borrageiros. Imensa, única, formosa, é a Geresiana serra que nos oferece tamanho assombro e nos mostra que, por muito que a visitemos, há sempre algo mais a mostrar! Entretanto, atrás de nós, forma-se um outro cenário que nos leva aos altos do Pé de Salgueiro e do Junco, do Pé de Cabril, Curvaceira e Calcedónia. E é aqui que me faltam as palavras...
Subida cansativa e exigente, a Corga do Arieiro é muitas vezes tela do nosso olhar, mas não passa disso. Porém, ao fim de 10 anos de ausência, senti-me como se tivesse sido a vez primeira ao por ali ter passado. Sublime, majestosa e poeticamente desejada, a Corga do Arieiro merece ser percorrida.
Chegada a hora, o descanso fez.se na Chã de Roca Negra junto do seu velho e alagado abrigo pastoril, prosseguindo-se depois pelas cristas sobranceiras ao Vale do Cando na direcção da Chã de Pinheiro passando sobre a Corga dos Fitoiros Negros e Eira Bonita, à vista do velho macho de cabra-montês que descansava na Fraga do Cando.
Passado o abrigo de Chã de Pinheiro, desceu-se para a encosta de Arrocela e para o abrigo pastoril com a sua fonte de ouro, antes de prosseguir para o Curral de Coriscada (Portelos) e baixar para o Miradouro da Cascata do Arado percorrendo a Corga do Urso e a margem esquerda do Ribeiro da Corga de Giesteira.
Chegando ao rebuliço turístico do Arado, seguiu-se depois pelo traçado da Grande Rota da Peneda-Gerês até às proximidades do Curral de Espinheiro, terminando a jornada na Pedra Bela.
Ficam algumas fotografias do dia...
Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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