quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Os velhos segredos

 


Por cada vez que entro mais nas profundezas dos bosques e das florestas da Serra do Gerês, mais se aprofundam os segredos e mistérios da ocupação deste território.

Milenar na presença e discreta na paisagem, a passagem do Homem por estas montanhas que constituem aquilo a que hoje chamamos 'Serra do Gerês', constitui um trabalho árduo de busca de informação e vestígios: informação que se esconde nos velhos livros e nas vicissitudes de obscuros mapas, vestígios que descansam por entre a tranquilidade de frondosos bosques. Tanto uns, como outros estão lá à espera de ser (re)descobertos, mas que por virtude de uma protecção que se quer eficaz e séria, devem permanecer um tanto ou quanto secretos e escondidos dos mais ávidos destruidores da tranquilidade desses lugares em busca de uma selfie efémera que se vai perder na torrente de uma qualquer rede social, ou no buzz de um voo de um drone para uma filmagem invasiva.

Define-se a 'História' como "...a ciência que estuda as ações humanas ao longo do tempo", sendo o "...trabalho do historiador..." "...uma análise minuciosa dos documentos que permitem o estudo do passado." Por outro lado, a História "...é a ciência que estuda o ser humano e a sua ação no tempo e no espaço concomitantemente à análise de processos e eventos ocorridos no passado." Assim, para de facto percebermos o contexto actual da presença humana no território do Parque Nacional da Peneda-Gerês em geral e no território que corresponde agora a parte do concelho de Terras de Bouro, teremos de mergulhar nos registos escritos, mas também no território em si.

Os registos mostram físicos gravados nas rochas mostram que, pela mesma altura em que Ötzi morre perto da actual fronteira entre a Áustria e Itália, as tribos nómadas percorriam os pontos mais elevados da Serra do Gerês e gravavam os baixos-relevos do Absedo e criavam a possível mamoa de Lomba de Pau. A ocupação deste território, é assim, muito anterior à chegada das legiões de Roma que o vão transformar e criar as bases de uma paisagem humana que todos os anos recebe milhares de visitantes. Estes mesmo povos foram mais tarde invadidos pelas ordas bárbaras que ajudaram a criar as tradições e lendas que forjaram as histórias contadas ao borralho nas noites frias do Campo do Gerês, de Brufe ou de Vilarinho da Furna.

No seu eterno isolamento, Vilarinho da Furna foi criando uma sociedade comunitária ao longo dos séculos que, entrada no século XX, já muito havia abandonado devido às alterações que, entretanto, haviam ocorrido no território. O desaparecimento do urso, as alterações na intensa actividade pastoril, a emigração, a organização do território espanhol e a chegada dos Serviços Florestais às serranias geresianas, foram alterando a presença humana no Vale do Homem e nas actividades dos povos de Vilarinho. A machadada final surge em finais dos anos 60 com a construção da barragem que lhe queria roubar o nome.

As serranias da Amarela e do Gerês, em tempos ocupados por estes povos, mergulham ainda mais num silêncio apenas quebrantado pela passagem fugidia de um animal, pelo uivar dos lobos ou do vento. No território ficaram as marcas da presença milenar, os vestígios seculares dos pequenos currais, as velhas fontes, os muros dos colmeais ou as altaneiras paredes de isoladas silhas.

E são estes vestígios que devem merecer a atenção do estudioso, o raciocínio do intelectual, mas longe da estupidez de um qualquer palerma. É urgente que se faça este registo para que a História do concelho não seja um quadro com espaço brancos de esquecimento.

As fotografias mostram a Silha do Monte Agudo, Serra do Gerês.

Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

2 comentários:

Francisco Ascensão disse...

É uma estrutura que foi agora (re) descoberta Rui?
Tal como o Rui me explicou e ensinou, devemos pôr a imaginação a trabalhar nestes momentos e levantar todo o tipo de hipóteses que tenham fundamento e coerência na sua relação com o espaço envolvente. Isto Porque na verdade, percebi que quem gere o parque nacional, pouco se preocupa com a investigação da história do passado e a que se escreve no presente do PNPG, o que na realidade, devido a esta ausência de atuação, faz com que muitas estruturas, histórias, topónimos, objetos, etc., estejam hoje abandonadas e na ignorância de todos nós, podendo no entanto estar a uns escassos metros de um estradão ou trilho.
Como exemplo claro, tem-se o fojo de urso que o Rui me tinha falado! Como pode um parque nacional que tem mais de cinquenta anos de existência não ter dado conta da existência de um possível exemplar único de fojo em Portugal e quiçá no mundo?! A resposta é simples, apenas aquilo que está "à mão de semear" para se ver (ou apenas para o turista até), é que interessa, ficando de fora de um possível estudo, a região que eu gosto de apelidar de "essência do Parque nacional". Tal como o Rui disse, e bem, talvez seja melhor que não sejam muito divulgadas, mas pelo menos um estudo e investigação adequada têm que ser feitas em diversas zonas do parque, porque só assim é possível que a história que ainda resta seja conservada e não caia no vazio do esquecimento

Rui C. Barbosa disse...

Francisco,

Gosto de dizer que foi redescoberto.

Abraço