domingo, 30 de janeiro de 2022

Serra do Gerês - Do Campo às Caldas e depois a volta

 


Esta foi uma caminhada entre o Campo do Gerês e as Caldas do Gerês aproveitando um dia de Primavera neste Inverno que nos engana com as suas manhãs de geada.

A saída do Campo do Gerês não foi muito madrugadora, pois primeiro era necessário homenagear o 25 de Abril exercendo o acto nobre da Democracia, mesmo que esta sirva para manchar a Assembleia da República com as nádegas sujas dos fascistas e liberais.

Tomando a direcção do Corvelho e Meadei, passamos o Ribeiro da Roda seguindo depois pelas encostas do Monte das Chãs até chegar ao Curral de Bostelo. Daqui, seguimos na margem oposta à Fraga Que Fala e chegávamos à Chã de Junceda passando pela Boca do Rio, prosseguindo da direcção do Miradouro da Junceda já no traçado da Grande Rota da Peneda Gerês (GR50) e do Trilho dos Miradouros (PR6 TBR). Seguindo este, iríamos ainda visitar o Miradouro da Boneca depois da Chã de Lamas e iniciávamos a descida para o Miradouro da Fraga Negra.

Deixando o Miradouro da Fraga Negra para trás, seguimos em direcção à Chã da Pereira (onde se localizava um antigo viveiro florestal e o Observatório Meteorológico) e depois passávamos pela Cascata das Caldas. Ainda no traçado comum à GR50/PR6 TBR, chegávamos ao Miradouro do Penedo da Freira sobre as Caldas do Gerês. 

Um texto de Tude de Sousa publicado na sua obra de 1927, "Gerez (Notas Etnográficas, Arqueológicas e Históricas)" ilucida-nos sobre a lenda da Freira (no seu texto original, aqui transcrito)


A Casa da Freira

Tem todos os visos de verdade aquela história de amor aventuroso da freira do Pôrto, que à sombra e aos murmúrios das árvores e das águas do Gerez se recolhera com o amante e que a tradição guardou com encanto até agora.

Na verdade, assim o confirmam as notas que próprio punho de Camilo Castelo Branco escreveu à margem do seu exemplar da Crónica de Cister, por Fr. Bernardo de Brito, edição de 1602, que pertencera ao mosteiro de S. Bento da Ave Maria, do Pôrto, e por onde as noviças faziam as suas leituras durante as refeições.

Nessas notas dizia Camilo que haveria então (1865) uns oitenta anos que uma freira fugida do convento se refugiara na serra do Gerez com o amante, indo ambos depois para Roma impetrar do papa licença para se casarem, o que com o tempo vieram a conseguir.

Tiveram filhos, e em Roma todos se ficaram, não impedindo, porém, êsses laços de amos e de sangur que o descaroável amante os abandonasse e á mãe, que por um irreflectido, ou impulsivo arrebatamento de paixão, rompera a clausura na forma em que o fêz.

Como à freira de Beja, o amor foi para esta desventurada o grande calvário da vida.

A todos valeu a protecção do papa Ganganelli, que educou os filhos da freira na vida clerical e lhes deu bom arrumo na vida.


Não dizem as notas de Camilo, nem o diz a tradição, os nomes dos dois heróis desta aventura, indicando apenas aquelas que a freira era tia de um professor do liceu do Pôrto na data em que êle as escreveu e esta que êle seria um castelhano; mas parece não ser, talvez, difícil reconstituir o drama em tôdas as suas prováveis minudências, seguindo o rasto que deixam bem aberto as alusões do romancista (1).

No nosso livro Serra do Gerez (Pôrto, 1909), referindo o caso dos amorosos foragidos, dávamo-lo como andando na tradição e reproduziamos um soneto que se dizia a êle referente.



Êsse soneto teve origem do seguinte:

Publicado aquele nosso livro, o falecido e sábio arqueólogo e professor, filho amantíssomo da serra, Padre Martins Capela, fêz-lhe várias anotações e referências em artigo publicado na revista católica Estudos Sociais, de Coimbra, no número de Junho de 1910 e, aludindo ao caso de lá se dizer que a lápide onde o soneto está gravado fôra encontrada por uns pastores de Vilar da Veiga e levada depois para o Bom Jesus de Braga, diz o seguinte:

«Há nisto um equívoco. A lápide, que ainda há poucos anos vi no Bom Jesus, nunca esteve no Gerez.

«O soneto foi composto por um professor de retórica, dr. Jerónimo, aqui de Braga, e mandado insculpir por uma roda de literatos românticos, com intenção de o irem lá colocar na tal cova ou quinta do Castelhano, o que, aliás, não realizaram. Isto tendo de uma testemunha contemporânea, digna de todo o crédito. Quanto à lenda, se algum fundo tinha de verdade, é presumível fôsse ampliada, por amor da arte, na mão dos românticos da época, que de muito menos faziam cousas bem maiores.»


Também Albano Belino, publicando o soneto no seu livro das Inscripções e letreiros da cidade de Braga e algumas freguezias ruraes (Pôrto, 1895), dia que a pedra fôra encontrada em 1844 ao abandôno, atrás da Igreja do Bom Jesus e que êle (o soneto) alude a um facto histórico acontecido na serra do Gerez, facto que, aliás, não explica.

A Casa da Freira, de que hoje não há restos, nem memória firme de situação, parece ter sido no local designado por Zanganho, antes chamado a Cova ou Quinta do Castelhano, logo após a saída das Caldas, à direita, no caminho para S. João do Campo, quanto aos versos evocadores da infortunada freira, que tanto padeceu por muita amar, são como segue e vem no livre de Belino:

Passageiro! êste chão que vês diante,
Na encosta dêste monte desabrido,
Dim castelhano foi que, perseguido,
Aqui se recolheu co'a terna amante.

Quebrando por êle a fé constante,
Que havia ao espôsp eterno prometido,
Trocou por ermo agreste e desprovido
Sua cela mimosa e abundante.

A era em que isto foi vai indo perto;
Mas da choça que aos dois prestou abrigo
Nem sequer um calhau se aponta ao certo.

Tudo o tempo varreu, levou consigo,
E só tradição no livro incerto
Se encontra o caso que eu aqui te digo (2)

Mas, nem só os velhos românticos de Braga se impressionaram com o sabor apaixonado da lenda da probre freira: o tema, próprio para excitar as fibras de maior sensibilidade dos corações, deu rebate também à inspiração deliciosa de Azul, um distinta Senhora (D. Zulmira Franco Teoxeira Falcarreira), que muiyo queria ao Gerez, para o soneto que se segue, por ela publicda em Agôsto de 1913 (3), e que aqui fica também a perfurmar a suavíssima tradição da que trocou as delícias da clausura e do hábito, pelos espinhos cruciantes da aventura e do pecado, embora êle, talvez por necessidade de rima, altera bastante a tradição.

A Casa da Freira
(Lenda gereziana)

Para a mais pitoresca e recortada
Serra que existe - a Serra do Gerez -
Fugiu, segundo a lenda, uma vez,
Uma freira professa e excomungada.

Segue-lhe os passos pela rude estrada
Um desertor, oficial francês;
De amor funde-se o hábito e o arnês
No seio de uma brenha ensombreada

Trinta anos sofre a natureza bruta
Os amores sacrilegos da gruta,
Que a mêdo as águas segregando vão...

E ainda hoje, em sonhos, julga o forasteiro,
Verna rocha uma espada de guerreiro
Envolvida num véu de profissão.

(1) As interessantes notas vêm reproduzidas no livro Camilo, 16 de Março, 1825-1925, comemorativo do centenário do nascimento de Camilo Castelo Branco, editado pela Comissão, a páginas 57 e 58, em artigo que o seu autor, o sr. J. M. Cordeiro de Sousa, teve a amabilidade de nos comunicar e para o quel remetemos o leitor.

(2) Este soneto tem umas pequenas variantes o que vem publicado no nosso livro e que não nos recorda já onde e como o obtivemos. Talvez no jornal de Lisboa O Século, de 11 de Setembro de 1908, onde, em artigo datado de Braga e assinado, A. R. se diz: «Ao lado do Hotel do Sul, na encantadora estância do Bom Jesus do Monte, ergue-se e mostra-se uma elegantíssima fonte... Por detrás mesmo dessa fonte... está o tal granito onde se gravou com esmêro e cuidado, o ligeiro drama de amor que teve por scenário a cordilheira do Gerez». Ainda sôbre êste assunto, dizia-nos em Janeiro de 1913 o distinto publicista sr. Alberto Veloso de Araújo: «O soneto que V. apresenta no seu belo livro Gerez mereceu do velho Guimarães da Estamparia do Bolhão. Êste Guimarães falecido aos 94 anos de idade, foi íntimo amigo do Dr. Advogado, velho cliente e autor do soneto. Há mesmo dêste advogado lisboeta uns lindos versos de consagração às águas do Gerez. O velho Guimrães recitou muitas vezes êsse soneto ao genro, que o possui e conhece muito bem a lenda». Também nos nossos apontamentos encontramos a nota, cuja autenticidade não pudemos verificar, de que um jornal de Braga publicava em 1885 ou 86 um artigo do falecido dr. Pereira Caldas, relativo a êste assunto.

(3) Em um jornal, cremos que o Diário de Notícias, de Lisboa, de onde ao tempo o recortámos.

Deixando aqui o traçado da GR50, seguimos pelo PR6 TBR até Pedrogo onde fizemos uma paragem para o almoço antes de iniciar a longa subida em direcção a Junceda. O percurso vai-nos levar a passar na proximidade do antigo Viveiro da Vacaria no Vidoeiro, passando acima das Palas e pelo Campo Grande, subindo depois encosta acima em direcção à Fraga do Torgo e passando sobre a Roca Grande e perto da escondida Cascata do Torgo, antes de vencer os metros finais até Junceda.

Entrando de novo no traçado da GR50, seguiu-se pela Chã de Junceda e através de uma paisagem que teve uma magnífica intervenção por parte dos Sapadores Florestais, até chegarmos ao ponto de partida na aldeia do Campo do Gerês no final de 21,1 km e 994 metros D+.










Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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