"Estes tempos de barragens são uma verdadeira nova no mundo."
Qualquer dia na escola, o mestre olha para o mapa e diz, "Antes do período albufeirozoico, aqui era Barroso", Miguel Torga.
Nunca uma frase se adequou à baixa de Cabril como esta, pois a construção da albufeira de Salamonde veio modificar e alterar a paisagem, pois muitas das terras, lameiros, zonas piscatórias, poços do linho, ficaram submersos. O largar de azeite, que ficava junto ao Poço do Rodelas, foi mudado para as Olas, e vários moinhos como o do Sebastião, da Drova, o Do Adro, Junpires e da Ponte também foram mudados. Vários poços grandes ficaram submersos como o Poço dos Burros, o Dornalho, o Poço Lava Pés e o Poço dos Sapos Conchos (nome dado aos cágados pela gente de Cabril ) e no qual existiam bastantes.
Tudo isto foi negociado e pago pela HICA (Hidroeléctrica do Cávado), tudo menos o lameiro do "Ti" Rendeiro, pois ele pedia milhões pelo lameiro, o equivalente ao custo da albufeira na altura. Criou-se então o impasse e o "Ti" Rendeiro foi convocado para ir a uma reunião juntamente com os seus herdeiros na central de Vila Nova.
É aí que o "Ii"Rendeiro contacta a Maria de Carvalho, da Casa da Ponte, e lhe pede uma toalha de linho bordada à mão e na toalha embrulha um santo que existia em sua casa e põe-no ao colo, dirigindo-se à central de Vila Nova. Ao chegar lá tira o santo e diz para os engenheiros, "Aqui está o herdeiro, agora negoceie com ele, o meu preço está feito."
Como é óbvio, não houve acordo e a barragem começou a encher, é aí que o "Ti" Rendeiro pega no santo e o coloca no lameiro e lhe diz, "Se fazes milagres é agora, daqui para cima, nada de água!"
No dia a seguir, quando chega ao lameiro e vê o santo a boiar, puxa-o com a sachola e a berrar para o santo diz-lhe, "Ó! meu grande malandro, tu não tomas conta do que é teu?!" E, sem mais esperar, desfere-lhe uma sacholada que logo partiu um dedo e um braço ao santo, trazendo-o para a aldeia com a cabeça virada para baixo.
O "Ti" Rendeiro nunca quis, nem chegou a receber dinheiro pelo seu lameiro "...ou era todo, ou não queria nenhum, assim estavam sempre em dívida!", dizia ele.
Muito obrigado ao João Batista da Casa da Ponte, e à Maria da Barca, pela história, paciência e ensinamentos, e à Casa do Corga, Alcides e Arminda, por continuar a guardar e a preservar e me deixar ver o famoso santo do "Ti" Rendeiro.
Texto e fotografias: Ulisses Pereira
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