Há já vários anos, publiquei neste blogue uma série de textos da autoria do Ulisses Pereira, que abordaram diversos aspectos da História do povo de Cabril. Penso ser a altura de os rever e assim, inicio hoje a republicação destes textos.
O Ulisses Pereira teve a oportunidade de conversar com o Ti Manel do Barreiro, sobre a sua vida de «passador» numa altura em que Portugal vivia uma longa ditadura. Eis a sua história...
Entre 1960 e 1975, cerca de um milhão e meio de portugueses, um sexto da população residente, saiu de Portugal.
Os portugueses fugiam da miséria, da ditadura e, acima de tudo, da guerra. Fugiam a pé, a "salto" pelas zonas raianas. Ora, é aí que entra o ti Manel, como um "passador" de homens.
- Ó!? Tio, como é que se tornou um passador? - pergunto eu.
- Oh pá! sei lá, não havia onde ganhar um tostão, era uma miséria, era o que dava a terra e os animais! Um dia o Zé Requité de Azevedo (aldeia) veio falar comigo e pronto... Foi assim: ganhava 500 escudos por cada passagem, andava o dia todo a lavrar e à noite ia ter à barca com o Zé, roubávamos a barca e íamos a Frades a um pinhal em que os "desgraçados" já lá estavam escondidos, o outro passador lá os entregava e lá íamos nós, a chover, a nevar ao frio, nem sei o que te diga... era um tempo!!! Subia com aqueles desgraçados pelo Jardim, em direcção ao Castanheiro, passava pela Garganta das Negras, sempre a corta monte, pois a Guarda-fiscal fazia esperas, levava sempre a arma, era andar toda a noite... Chegávamos de manhã a Espanha, a Vila Meã, aí íamos para um palheiro onde estava o outro passador que nos pagava e nos dava uma lata de sardinhas e um bocado de pão e dormíamos até à noite e depois lá vinha para Cabril. Ainda aproveitava para comprar um polvo seco, uma carne gorda seca, e às vezes um bocado de pano para a minha mãe fazer uma saia ou umas calças, era assim, uma miséria... Fiz isso doze vezes, e os meus pais só souberam da última vez que fiz, sabes porquê? Eu estava em Lagoa a beber água, agachado na fonte e, quando dei conta do gado mexer no Curral dos do Carvalho, quando me levanto para ver, dou com os olhos na Guarda-fiscal! Oh pá! Desatei a correr!!! Eles ainda mandaram um tiro, penso que foi para o ar, certamente que foi, mas o certo é que eu não parei, ao chegar às Lajas de Lagoa lá atirei com umas coisas que trazia para trás de uma mouteira de urzes e escondi-me, passei lá o dia todo, e quando cheguei a casa, já andava tudo à minha procura, e aí tive que contar à minha mãe, tempos do caralho era uma miséria, mas pronto, ganhei dinheiro para fazer a tropa.
O próprio Manel do Barreiro, após ajudar tantos a passar a fronteira, também acabou por emigrar, curiosamente, não para França, tendo escolhido a Alemanha como país de acolhimento.
- Oh! Rapaz, foi o melhor que eu fiz na minha vida, é um bom país...
Fotografia e texto © Ulisses Pereira (Todos os direitos reservados)
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