Para quem nos nossos dias caminha pelas serranias Geresianas, certamente não terá a noção de como era fazer a mesma caminhada no princípio do Século XX.
Com o acesso à Portela do Homem facilitado pela estrada asfaltada, em 1908 este acesso fazia-se por um duro caminho que, partindo da Portela de Leonte, percorria a Mata de Albergaria em direcção à Portela do Homem. Chegando à frágil ponte sobre o Rio Homem, o caminho seguia vale acima pela margem esquerda atravessando à margem direita já na Água da Pala e vencendo o declive, voltava à margem esquerda já depois do Modorno, volteando o Vale do Teixo e passando junto do curral do mesmo nome, local de pastoreio, e fabrico e venda de carvão.
Fica aqui uma memória desses dias...
Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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“Atravessada a ponte em corcova, galgados os muros ciclópicos da Calcedónia, numa erudição feita à custa dos pés, e guiado pelos miliários imperiais, segui a geira romana até chegar à Portela do Homem, onde as legiões invasoras pareciam aquarteladas. Mas foi a guarda fiscal, vigilante, que me recebeu.
A uma sombra tutelar, pouco depois, num minuto de descanso, a História recente da Pátria avivou- se.
- Uma das incursões monárquicas foi por aqui...
- Tentaram... Tentaram...
- Este Minho! Este Minho!...
- Tem uma costela talassa, tem...
Mas recusei-me a reintegrar, por simples razões partidárias, aquelas viris penedias no planisfério verdurengo de onde a própria natureza as libertara. Tranquei as portas da memória e, pela margem do rio, subi aos Carris. Uma multidão minava as fragas à procura de volfrâmio, por conta da guerra e de quem a fazia. Teixos e carvalhos centenários acompanharam-me quase todo o caminho. Só desistiram quando me aproximei do cume da montanha, onde a vida, já sem raízes, tenta levantar voo.
Agora, sim! Agora podia, em perfeita paz de espírito, estender a minha ternura lusíada por toda a portuguesa Galiza percorrida. Pano de fundo, o mar de terras baixas era apenas um cenário esfumado; à boca do palco reflectiam-se nas várias albufeiras do Cávado a redonda pureza da Cabreira e a beleza sem par do Gerês. (...)
Em acção de graças (...), rezei orações pagãs no Altar de Cabrões, antes de subir à Nevosa e aos Cornos da Fonte Fria a experimentar como se tremem maleitas em pleno Agosto.”
Miguel Torga (Portugal, 1950)
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