quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Relembrando "Descendo às Minas dos Carris"


Relembro aqui este épico cinematográfico, esta nano-metragem que nos mostra como seria uma vertiginosa descida num dos poços mineiros dos Carris.

O filme foi estreado on-line a 18 de Janeiro de 2012 e resultou de um trabalho mega-amador, mas que nos permitiu pela primeira vez em dezenas de anos, visualizar parte das galerias das Minas dos Carris.

Fica aqui o texto que surgiu como apresentação do filme e a seguir o seu trailer bem como o 'making of'.

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O vídeo que aqui podem ver representa acima de tudo uma forte vontade de descobrir e de conhecer o nosso passado histórico. Memórias presas numa época amarelecida pelo passar do tempo, a escuridão daquele poço mineiro sempre foi para mim um mistério; como que um véu negro que impedia de ver mais profundamente o que ali se escondia...

Como disse André Gago a quando da apresentação do seu "Rio Homem", a Segunda Guerra Mundial foi para Portugal um acontecimento com um preço muito alto e muito mais duradouro do que muitos podem supor. Na busca de uma vida melhor, dezenas de pessoas procuraram nas serras o sustento para uma parca existência acabando por dar origem a pequenos núcleos mineiros que com o final deste e de conflitos posteriores, ficaram esquecidos na nossa memória como nação. O mesmo aconteceu com as Minas dos Carris...

Na tentativa de saber mais, de tirar a poeira do tempo, surgiu a ideia de se explorar como nunca se tinha explorado. A forma amadora como foi feita esta filmagem deu origem a este «filme» e ao ímpeto de cada vez querer saber mais, superando as dificuldades que a falta de um título ou de um factor qualquer possa ter incrementado nesta sociedade regulada por uma mediocridade que espezinha a boa qualidade de qualquer um.


Making of

Estas são filmagens que ficaram guardadas desde Abril de 2007, tendo sido gravadas a 1 de Abril a quando da minha 102ª visita ao complexo mineiro dos Carris. A ideia inicial do «projecto» era a de tentar obter algumas imagens do interior de um dos poços mineiros existentes nas Minas dos Carris. Aquele poço mineiro constituiu sempre um mistério e a curiosidade de descobrir o que lá havia só era superada pela noção de segurança e perigo que se deve ter quando nos abeiramos daquele abismo de cerca de 150 metros.

Na altura surgiram da nossa imaginação várias ideias, desde fazer descer uma webcam que enviaria imagens através de bluetooth para um computador à superfície, passando por tentar arranjar um sistema automático que nos permitisse guiar uma câmara e ver em pormenor o que aquele poço mineiro nos escondia e até se chegando a pensar em utilizar um mini-helicóptero numa missão quase suicida pelo poço abaixo.


Havia muita vontade e imaginação, faltava-nos os meios. Diz-se que a necessidade aguça o engenho e de facto assim foi. Uma tarde e José Afonso e eu, sentámo-nos e pensamos de que forma se poderiam obter essas imagens? O Diogo acabou por facilitar o que à partida seria o mais difícil de arranjar: uma câmara de vídeo não profissional, mas capaz de imagens de alta definição... nem pedíamos tanto! Porém, o facto de ser uma câmara de vídeo bastante cara (e eu disposto a sacrificar a minha máquina fotográfica de 1 Mpixel!) levantava o problema de como proteger a câmara de pedras que pudessem cair ou da água e humidade. Esta última não seria muito problemática pois ao fim e ao cabo o tempo que a câmara passaria no interior do poço não iria implicar qualquer dano aos seus sistemas... esperávamos nós! Restava o problema de a proteger da água e de como a baixar através do poço. A solução foi encontrada numa pequena e barata caixa de plástico comprada num armazém. A câmara, colocada no seu interior, teria uma abertura numa lateral da caixa através da qual seria projectada a objectiva. No interior da caixa, a câmara era fixada com a ajuda de fita aderente.

Um problema que surgiu com a utilização da caixa foi conseguir a sua estabilização durante a descida. Suspensa em quatro pontos, sabíamos através de cálculos de física extremamente avançada, que cedo entraria em rotação, pois os quatro pontos de suspensão teriam a origem num único ponto principal de suspensão correspondente ao cabo de descida (cabo de descida!... é um nome fino para corda de sisal!). A solução, pensamos nós, seria utilizar um cabo de estabilização... que impedisse a rotação da caixa, permitisse a sua estabilização e além disso teria como função extra ser um cabo de segurança que permitiria recuperar a câmara caso acontecesse alguma tragédia.



Resolvido o problema da protecção da câmara de vídeo xpto e resolvido o problema da descida, surgia-nos um novo problema: como fazer descer? Mais uma vez, e após o desenho técnico de várias opções de engenharia, decidimos elaborar um sistema de guincho através do qual iria correr o cabo de suspensão. fazendo atravessar sobre o poço um cabo mestre que serviria de apoio a uma roldana, seria através desta que iria passar o cabo de suspensão. A roldana era conduzida por um outro cabo que a fazia deslocar para o centro geométrico do buraco!

Finalmente, todo o conjunto foi colocado sobre um dispositivo de flutuação... uma bóia de praia que evitaria que a câmara e a caixa afundassem caso encontrassem água na descida. 

A nível de material acabamos por utilizar: câmara de vídeo, corda de sisal (2 rolos), roldana (2, para o caso de uma não funcionar!), câmara fotográfica fraquinha, fita aderente, caixa de plástico comprada numa superfície comercial de dúbia qualidade, dispositivo de corte (ok, tesoura ou faca!), lanternas, uma bóia de praia e veículo de transporte (imagine-se qual!?).




Munidos de todo o material e da equipa técnica que para além de mim, do Zé Afonso e do Diogo, contava com o Ricardo e a Rita, lá fomos para os Carris. Como é óbvio, e pelas óbvias razões, o projecto não teve o apoio de qualquer entidade oficial, sendo assim um projecto profissional inteiramente privado e financiado por... nós próprios! Chegados à Serra do Gerês, tínhamos ainda de fazer uma caminhada entre a Lagoa do Marinho e os Carris. Apear de estarmos na Primavera, era um dia frio e as nuvens para os lados de Pitões das Júnias ainda nos iriam trazer uma boa surpresa no «final» do dia. Chegados ao complexo mineiro preparamos o nosso sofisticado equipamento, montando o sistema de guincho, preparando a câmara (ou dando a extrema unção!). Estando tudo pronto, iniciamos uma descida de teste e rapidamente verificamos que a solução de estabilização teria mesmo uma dupla função de segurança. De notar que a câmara iria só à partida filmar um dos lados do poço, isto é o lado que sabia onde existir as galerias. O sistema de estabilização resultou bem... nos primeiros metros (!), pois a partir da altura em que o ângulo entre o cabo de suspensão e o cabo de segurança foi nulo, a câmara entrou numa rotação que só iria terminar (de forma que nos fez temer o pior) já no final da filmagem a quando da sua recuperação.

Sem saber o que estava a ser filmado, a câmara iria captar e por vezes parar em zonas bastante interessantes. Uma destas paragens permitiu-nos descobrir e explorar dias depois uma abertura de acesso a uma das galerias! Tendo um comprimento limite de entre 70 a 80 metros, acabaríamos por utilizar a totalidade da extensão do cabo, iniciando a sua recolha. À medida que a câmara ia subindo, o desentrelaçar dos cabos permitiu-nos uma visão de 360º de boa parte do poço levando à «descoberta» de novas galerias.

No final, a velocidade de rotação da câmara é tal que pensávamos que o conjunto se ia desfazer, mas felizmente tudo correu pelo melhor e o resultado é o que podem ver em "Descendo às Minas dos Carris".



Vídeos e Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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