Esta foi daquelas caminhadas com um gosto especial! Já há muito que não sentia a emoção da descoberta de algo novo e aquele vislumbre há muito tido, fazia-me caminhar com a certeza de que algo especial à sua medida estaria lá, pronto para começar a revelar os seus segredos.
Sabemos que a ocupação do território que hoje constitui o Parque Nacional da Peneda-Gerês em geral e a Serra do Gerês em particular, não se limita às últimas centenas de anos e muito menos a partir da ocupação romana. Esta presença tem uma história de milhares de anos ao longo dos quais o Homem se foi adaptando à serra e por outro lado adaptando-a às suas necessidades.
De forma geral, e excluindo os currais serranos, são visíveis em muitas partes da Serra do Gerês pequenas construções toscas de pedra solta, abrigos temporários de pastores desprevenidos pela invernia, ou de carvoeiros que utilizavam o alto da serra para o fabrico de carvão. Estas construções seriam também ocupadas pelos contrabandistas e mesmo por movimentos de peregrinação entre Trás-os-Montes e Minho ou mesmo em grandes travessias até S. Tiago de Compostela.
A verdade é que estas construções constituem memórias silenciosas dessa presença. Nesta incursão na Serra do Gerês era meu objectivo desvendar um segredo que encontrava (e se encontra) para lá do Pico da Nevosa. Fui em busca de um segredo para lá da Nevosa... regressei pejado de dúvidas sobre caminhos há muito esquecidos, vidas olvidadas, olhares vazios de emoção e a respiração sôfrega de cansaço e medo. Algo se move naquelas paragens... são os murmúrios do passado que insistimos esquecer no presente. Mistérios de homens e dos tempos idos onde a Serra do Gerês se escurecida à luz do Inverno.
Manhã fresca a lembrar farrapos de Outono que chega com sons de invernia. Céu pontilhado de nuvens e picos que ao longe rasgam o céu sem deixar marca. A Ermida da Nª Sr.a do Xurés é local de partida de muitas caminhadas naquelas bandas da Serra do Xurés, a continuação natural da Geresiana serra e separadas apenas pelo sotaque. Seguimos a Ruta das Sombras que nos levou numa primeira parte a descer até à Ponte de Porta Paredes sobre o Rio de Vilameá, seguindo um carreiro que passa entre os Cabezos de Pedro Rodeiro e o Picouto das Chans de Baixo. Chegando à ponte e atravessando para a margem direita, o caminho vai-se transformar num carreiro que, reza a história, seria utilizado pelos mineiros das Sombras antes da abertura do estradão que agora marca de forma indelével a paisagem. O carreiro empina vale acima ao lado d'A Xesta na direcção da Carballosa, sempre ao som do Rio de Vilameá que vai formando pitorescas e inacessíveis quedas de água, e lagoas de águas transparentes a lembrar um Verão agora ido.
O vale vai afunilando em direcção às Sombras e ao fundo, por entre os escarpados, denota-se o traçado lateral do estradão que serpenteia pelo vale. Em breve, o Pión de Paredes domina a paisagem esquerda à medida que o traçado se aproxima da Escada Paredes em direcção ao abrigo ao velho abrigo de pastores. O percurso vai atravessar o estradão perto da Chan da Viella de Abaixo e seguir na margem direita do Rio da Amoreira em direcção ao complexo mineiro de Mercedes As Sombras.
O velho complexo, em avançado estado de degradação e vandalização, é composto por um número reduzido de edifícios em comparação com a sua congénere e contemporânea Portuguesa. São facilmente reconhecíveis a lavaria, o edifício de alojamento dos mineiros e secretaria, e o antigo edifício onde se encontrava um gerador que me recordo de ainda o ver em princípios dos anos 90. Reconhecível é também um posto de transformação eléctrica afastado do complexo de edifícios, várias escombreiras e explorações a céu aberto. A mina em si, cuja boca mina em tempos chegou a ser selada, é composta por três pisos.
A partir da Mina das Sombras existem três opções possíveis para se chegar ao marco geodésico dos Carris, o nosso próximo ponto de passagem. Duas destas opções passam pela Amoreira, atravessando a raia e seguindo a Este em direcção ao marco geodésico; a terceira opção leva-nos por Marabaixo. Por representar um esforço desnecessário e por desconhecermos o estado do acesso desde as Sombras até Marabaixo, decidimos prosseguir pela Amoreira, optando tomar o carreiro que se inicia junto ao antigo edifício de alojamento dos mineiros e que passa por cima da entrada da mina (a outra opção seria tomar um carreiro que se inicia um pouco abaixo do complexo mineiro junto do Rio da Amoreira). O percurso levou-nos a atravessar um carvalhal espontâneo já perto da Portela da Amoreira e em seguida entravamos já em solo português, flectindo então para Este e subindo em direcção ao marco geodésico dos Carris. Depois de chegar ao colo que é formado entre os Carris e a Cabreirinha, descemos para lá da represa dos Carris em direcção ao colo de Marabaixo para depois subir ao Pico da Nevosa com os seus 1.545 metros de altitude.
O dia estava agora perfeito para algumas fotografias e dali consegui logo vislumbrar o objectivo final desta jornada pelas alturas do Gerês. Porém, era tempo de retemperar forças abrigados na sombra do granito. O Sol estava quente, mas a sombra trazia já a memória dos dias frios que estão para vir.
Corpo descansado e forças restabelecidas, era então tempo de chegar mais perto do nosso segredo e levantar um pouco do véu daquela construção. Na verdade, já há muitos anos que havia visto este conjunto de pedras soltas que forma um pequeno edifício, por sinal a construção a maior altitude em todo o Gerês. De forma quadrangular, o pequeno edifício parece conter uma pequena divisão onde possivelmente estaria uma zona de lareira. Aparentemente, estará construído junto de um antigo percurso que parece surgir de Lamelas e que vai vencendo a altitude passando a Sul da Nevosa. Este trajecto faz todo o sentido em relação àquele que muitas vezes é utilizado por quem faz o percurso entre Pitões das Júnias e as Minas dos Carris seguindo a raia, pois a zona de acesso à Nevosa implica uma subida que não é natural em percursos serranos. Estes, favorecem o vencer dos declives de forma pausada e nunca a festo, conservando assim a energia e poupando no esforço de quem em tempos idos tinha de fazer longas jornadas pela serra. Junto do edifício parece visível um pequeno conjunto de pedras que devido à sua posição parecem indicar um antigo caminho que passando a Sul do edifício, seguia então em direcção a um colo que dá acesso ao verdadeiro carreiro que levada à Nevosa. Este, agora escondido pela vegetação e pouco utilizado devido ao facto de haver gente que pensa que os percursos mais curtos na montanha são os menos desgastantes, está bem delineado por pequenos muros de sustentação. O homem serrano não constrói nada que não seja necessário e útil, e a presença destes muros atesta a importância daquele trajecto.
A pergunta que se coloca é: qual a utilidade daquele tosco edifício? Nas proximidades não existiam minas, logo penso ser uma construção mais antiga que serviria de abrigo às jornadas entre as lonjuras do Barroso e o Minho. Poderia ser também utilizado pelos carvoeiros, contrabandistas ou peregrinos, mas não creio ter sido um abrigo de pastoreio. No entanto, não deixa de ser interessante que na Folha 31 da Carta Topográfica do Exército elaborada em 1949, surge a referência à 'Fonte da Nevosa' num local próximo da localização do edifício.
Fotografado e devidamente georreferenciado, deixamos aquele lugar e iniciamos a jornada de regresso ao ponto de partida que nos levaria a passar pelas Minas dos Carris e na margem da sua represa, seguindo então o carreiro que, iniciando mesmo adiante da entrada do complexo mineiro, nos levaria a passar por várias pequenas explorações mineiras a céu aberto e depois desceria para a Amoreira, levando os caminheiros a passar por antigos abrigos de contrabandistas antes de iniciar a «longa» descida em direcção às Minas das Sombras e enveredando novamente pela Ruta das Sombras, passar pela Ponte de Porta Paredes e daqui em direcção à Ermida de Nª Sr.a do Xurés.
Distância folheto: Não disponível
Distância GPS: Não disponível
Distância odómetro: Não disponível
Distância GEarth: 21,5 km
Altitude máxima folheto: Não disponível
Altitude máxima GPS: Não disponível
Altitude máxima GEarth: 1.510 m
Altitude média GEarth: 1.083 m
Altitude mínima folheto: Não disponível
Altitude mínima GPS: Não disponível
Altitude mínima GEarth: 685 m
Duração folheto: Não disponível
Duração jornada (GPS): 9h 9m
Avaliação final (máx. 10): 9,0
Algumas fotografias do dia...
Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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