quinta-feira, 20 de março de 2014

O Homem e a Serra do Gerês


A Serra do Gerês é um espaço humanizado. Este é um facto inegável por muitas formulas matemáticas que se queiram impor para tentar provar o que não é possível provar.

Desenganem-se aqueles que pensam que esta humanização tem dois séculos, 500 anos ou se iniciou com a romanização da península. Errado! Esta humanização retrocede a vários milhares de anos numa altura em que o homem assinalava a sua presença através de marcas nas rochas. Testemunhos deste tipo estão espalhados pelas serranias geresianas e mesmo noutras serras do nosso único Parque Nacional.

Em finais do século XIX, o Estado tomou à força parte das terras que hoje fazem parte do Vale do Rio Gerês e do seu prolongamento até à Portela do Homem estendendo-se pelo Vale do Alto Homem. Este foi o início de um processo atribulado que resultou em inúmeros conflitos entre as populações locais e o Estado. Esta «invasão» foi prolongada no tempo com a figura dos Serviços Florestais e mais recentemente nos últimos 43 anos na figura do Parque Nacional da Peneda-Gerês.

A recente polémica surgida com a fantasiosa «wilderness zone» que não passa de uma modelação matemática, tinha (e ainda tem) como objectivo afirmar de forma peremptória que as serranias são espaços selvagens onde o homem há muito não tem a sua influência, tentando assim demonstrar que o território pura e simplesmente se livrara da milenar presença do homem. Tal falsidade tem como único objectivo um final económico num cenário de comercialização capitalista através do contrato assinado com a Pan Parks.

Como seria de esperar por toda a gente, esta situação levou a uma reacção quase heróica por parte das populações serranas naquilo que fez lembrar a contínua luta contra os defuntos Serviços Florestais. Mais uma vez, o Estado erguia-se contra a sua população querendo impor a sua vontade, levando às consequências dramáticas do Verão de 2010.

O Parque Nacional e o seu antecessor na figura do Gerês Florestal surgem tendo por herança as montanhas moldadas pelo homem. Se uns apontam a devastação imposta pelos incêndios para a criação das pastagens, outros apontam as seculares matas como prova de que as populações souberam cuidar do território. Porém, para lá destas lutas, a realidade é que o Homem é um elemento da serra, e esta é o reflexo daquilo que nele este fez.

Inúmeras são as marcas da sua presença através da rede de carreiros, currais, eiras, fontes e caminhos. Um exemplo destes velhos caminhos encontra-se antes da chegada à Portela do Confurco entre a Portela de Leonte e a Quelha Direita a caminho do Pé de Cabril ou do Prado Marelo. Açoitado pelos elementos, aquele curto troço de calçada é uma prova da presença do homem e da forma como ele de forma harmoniosa adaptou o terreno para a sua utilidade sem trazer um impacto profundo na paisagem. Outro exemplo de calçada pode ser encontrado a caminho do Curral do Vidoal vindo da Portela de Leonte, onde a mestria do homem criou um caminho que vai vencendo o declive da encosta.

O Homem é um elemento da Serra do Gerês e deve ser sempre um elemento do Parque Nacional, basta que para isso se esqueçam as formulações matemáticas e se comecem os diálogos que nunca ou mal existiram.

Fotografia © Rui C. Barbosa

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