quinta-feira, 20 de setembro de 2012

188... Na alma do Gerês (I)



A curiosidade pelas Minas dos Carris surge-nos porque alguém já ouviu falar ou esteve numas ruínas nos píncaros geresianos. Na realidade, não existe qualquer indicação bem visível que nos mostre o caminho certo para Carris, e por um lado se bem que parece contraditório, ainda bem que assim é! A única indicação do trilho que estará visível ao observador minimamente atento encontra-se junto do início da antiga estrada mineira, mesmo antes da cancela e ao lado da ponte sobre o Rio Homem. Uma indicação pintada a tinta branca indica “Carris” e uma seta aponta nessa direcção.

O caminho inicia-se a uma altitude de 720 metros e rapidamente nos apercebemos que não será um percurso fácil para os mais desprevenidos. A sua dificuldade vai aumentando ao longo do percurso não tanto pela inclinação, mas mais pelo estado do piso. Em quase 9,8 km de extensão, é na sua maioria composto por pedra solta que dificulta a progressão e são escassas as extensões em que o terreno é suave. Na quase totalidade do seu comprimento a velha estrada é acompanhada pelo jovem Rio Homem e o seu rumor por entre as rochas acompanha-nos quase sempre até chegarmos à Chã das Abrótegas.

O caminho para as Minas dos Carris está em grande parte inserido num vale de extrema importância para o Parque Nacional da Peneda-Gerês, no interior da Área de Ambiente Natural e classificado como Zona de Protecção Total e Zona de Protecção Parcial do Tipo I, segundo o Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês.


O percurso pode ser dividido em duas partes: da Portela do Homem até ao Modorno, e do Modorno até aos Carris. O Cabeço do Modorno, silhueta delimitadora do fundo do vale para quem o sobe, atinge-se após se ter vencido já cerca de 300 metros de altitude por entre pedra solta e uma paisagem única de um vale glaciar. A partir do Modorno, onde se pode maravilhar com o Vale do Homem e as suas quedas de água, o caminho vai-se tornando mais suave há medida que nos aproximamos da Ponte das Águas Chocas, sendo uma caminhada mais fácil a partir daí e até ao planalto onde se inicia a subida final para o complexo mineiro, já na Corga da Carvoeirinha (ou da Carvoeira). À passagem pela Ponte das Abrótegas somos presenteados por uma paisagem que nos leva a percorrer com o olhar desde o Alto do Pássaro passando pelo Outeiro Redondo até às alturas do Altar de Cabrões já na raia e o marco geodésico dos Carris.

No início dos anos 90 ainda era possível observar ao longo do Vale do Alto Homem uma linha de postes de madeira sobre os quais assentava o cabo metálico de telégrafo, que permitia as comunicações com o complexo mineiro. Nos nossos dias são raros os sinais, ao longo do caminho, daquilo que mais tarde iremos encontrar no sopé de Carris. Tirando os últimos trabalhos executados nos anos 90 pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês, com o objectivo de melhorar o caminho para a reflorestação de zonas de alta montanha, é possível observar, mesmo no seu início, conjuntos alinhados de rochas que marcam o que então teria sido uma estrada em terra batida que permitia a passagem de camiões e veículos ligeiros para o transporte do minério e não só. Antes do início da construção da estrada existia um caminho de «pé posto» que ligava a antiga estrada florestal que tinha origem na Portela de Leonte aos Carris e pelo qual muitos dos materiais que seriam utilizados para a construção do complexo dos Carris eram transportadas em ombros pela quantia de 2$50 nos idos anos de 40. Voltando aos nossos sinais... ao longo da agora decrépita estrada vamos observando um ou outro pequeno muro, ou um ou outro alinhamento de pedras que nos podem sugerir a existência de uma rude estrada serrana. O primeiro sinal sólido da existência de algo mais complexo na serra surge-nos junto da zona que dá pelo nome de ‘Água da Pala’. Aqui, e já coberta pela vegetação, observamos à nossa esquerda uma área delimitada por um pequeno e baixo muro. Em tempos terá servido de curral para abrigo dos rebanhos, tal como é referido num artigo publicado no Século Ilustrado em Março de 1955 tendo também servido como armazém relacionado com a exploração mineira ou manutenção do estradão por parte de cantoneiros Do lado direito podemos observar, também por entre a vegetação, uma pequena construção com tijolos de cimento que nos dá a ideia de ser uma pequena guarita, sendo também referenciada como um pequeno abrigo dos cantoneiros que mantinham o estradão em estado de circulação. Esta zona antecede uma ponte em pedra e todo este lugar é extremamente peculiar e bucólico.



Na Água da Pala iniciava-se um trilho de pé posto, ou carreiro, que atravessava o Rio Homem e subia ao longo do rio pela sua margem direita no sopé da Encosta do Sol até atingir o topo do Cabeço do Modorno, algumas centenas de metros após atravessar novamente o Homem sensivelmente à cota de 1050 metros de altitude. Não havendo registos cartográficos deste trilho em direcção aos Carris, documentos fotográficos atestam a sua continuação para as zonas mais elevadas da serra. Quem observa a Encosta do Sol a partir da Água da Pala, terá a sensação de ainda poder vislumbrar o traçado deste pequeno trilho que, sem dúvida, nos proporcionaria uma visão distinta do vale. Porém, e após várias tentativas de observar no terreno a sua progressão, cheguei à conclusão de que este trilho já desapareceu em muitos locais e será extremamente difícil tentar seguir o seu antigo percurso, senão mesmo impossível.

Após passar a Água da Pala, o caminho continua a sua lenta subida em direcção aos Carris. Na margem esquerda do Homem, temos a oportunidade de observar os picos escarpados que delimitam os Prados Caveiros. Esta fase mais plana do trilho segue pela Ponte do Cagarouço sobre a Ribeira do Cagarouço, um pequeno afluente do Rio Homem, que percorre um estreito vale encaixado. É nesta fase que o caminho se volta a inclinar ligeiramente e ouvimos o rugido do jovem rio a poucos metros de distância. Por entre a vegetação é por vezes fácil ter um olhar sobre lagoas que no Verão são sempre uma forma de retemperar forças. O trilho ultrapassa a cota dos 1000 metros de altitude momentos antes de entrarmos numa fase do percurso onde vamos superar vários metros de altitude em pouca distância, ultrapassando assim um bom declive. O trilho flecte para a direita no que são conhecidas como as ‘Curvas das Febras’ e em pouca distância subimos 30 metros em altitude antes de flectir para a nossa esquerda. Nesta parte do caminho podemos ter uma imagem do Vale do Homem só superada pela paisagem que nos aguarda poucos metros após a passagem da Ribeira do Modorno. Um pouco mais à frente entramos numa parte do caminho que é ladeado, à direita, por uma parede sólida de granito e, à esquerda, por uma queda de 50 metros que termina no Rio Homem. O declive aqui é acentuado e notório, mas o esforço para chegar à meia distância merece a pena.


Somos chegados a meio do caminho e o descanso na Ponte do Modorno é merecido. A água da ribeira é sempre fresca e corrente, mesmo no Verão. Ao entrar neste pequeno vale temos a visão de uma pequena queda de água por debaixo da ponte e são poucos os que resistem a uma fotografia. Situados na ponte em direcção ao final do vale, por onde vemos o Rio Homem, temos à nossa direita o imponente Cabeço do Modorno, uma escarpa granítica que atinge os 1317 metros de altitude. Conheci todas as pontes até ao Modorno já em cimento, mas o meu fascínio por este vale e por Carris começou a ser despertado pelas velhas pontes de madeira que antigamente permitiam a passagem célere e um tanto ou quanto aventureira. É sempre bom descansar e retemperar forças junto do Cabeço do Modorno, mas é hora de prosseguirmos pois, logo ali à frente, temos uma surpresa à nossa espera. Logo após abandonar a Ponte do Modorno e seguindo o nosso caminho, vamos encontrar uma das mais fantásticas paisagens que a Serra do Gerês tem para nos oferecer. É com deslumbre que observamos o Vale do Alto Homem e a forma como este se projecta no céu. O seu delimitar pelos picos das serras leva-nos a imaginar, sonhar um mundo antigo. Atenção ao vocabulário, pois é aqui que nos começam a faltar as palavras... O vale foi esculpido aos longos dos séculos pelas forças da Natureza e a sua forma remonta aos tempos das últimas glaciações. Segundo A. Brun Ferreira (et al.) e citando os trabalhos de Schmidt-Thome, “…ao longo do vale do Rio Homem, as línguas glaciárias teriam atingindo a altitude de 600 m.” “Segundo o mesmo autor, no máximo da glaciação, a espessura mínima do glaciar do vale do Rio Homem seria de 500 m.” Ao longe vemos a Serra Amarela e com bom tempo facilmente se vislumbram as antenas do Muro localizadas em Louriça. Saindo do pequeno vale da Ribeira do Modorno entramos novamente no vale do Alto Homem e logo ali à nossa frente observamos uma estreita queda de água com uma altura superior a 110 metros. Toda este zona propicia paisagens deslumbrantes em ou após dias de chuva com as paredes rasgadas pelos cursos de água que se precipitam no vale, ou então nos frios dias de Inverno com a imagem das quedas de água geladas que se amarram às paredes graníticas.


Prosseguindo o trilho ao longo do vale vamos ganhando altitude, atingindo os 1200 metros de forma suave. Nesta fase o caminho chega a complicar-se devido ao seu estado degradado. Na cota dos 1190 metros e olhando para o Rio Homem, deveríamos observar algumas construções surgem assinaladas na Folha 31 na sua edição de 1949, mas já não surgem na edição de 1997 e no terreno não se observam quaisquer construções. O Rio Homem é, nesta fase, constituído por uma série de pequenos ribeiros que têm origem nos inúmeros vales que golpeiam o topo da serra. Aos 1200 metros de altitude, na zona do velho Curral do Teixo (que assim se chama porque se diz que antigamente ali existia uma árvore desta espécie), o trilho flecte ligeiramente para a direita seguindo um dos pequenos riachos que, juntamente com o riacho do Corgo dos Salgueiros da Amoreira, irá formar o Rio Homem. O nosso percurso segue a base da Rocha da Água do Cando, passando pela Ponte das Águas Chocas (1285 metros) e entrando na Chã das Abrótegas até atingir a Ponte das Abrótegas (1325 metros). A Chã das Abrótegas definem, juntamente com o Outeiro Redondo, uma área plana que é atravessada pela velha estrada mineira até atingir e seguir ao longo da base do contraforte dos Carris. Foi neste planalto, mais precisamente no Curral das Abrótegas, onde esteve montado nos dias 17 a 19 de Setembro de 1908 o acampamento da primeira expedição venatória levada a cabo na Serra do Gerês. Esta expedição, organizada pela revista Illustração Portugueza, teve como objectivo atestar que na altura de facto a cabra selvagem estava extinta, pois caso contrário poderia ser caçada… Na zona têm origem vários carreiros de pé posto, sendo os mais interessantes aqueles que seguem para as Minas das Sombras (Galiza - Espanha) e para os Cocões do Concelinho (através das Lamas de Homem) e, mais tarde, Minas de Borrageiros e Lagoa do Marinho.

Na Ponte das Abrótegas somos interrogados por umas peculiares construções semelhantes a pequenos pilares de rocha e cimento que tinham essa mesma função. Estas construções serviriam de ponto de apoio, certamente de uma tubagem metálica para transportar água desde uma pequena represa ali existente até ao Salto do Lobo ou até à lavaria nova situada no topo da Corga de Lamalonga. Esta captação de água terá sido desactivada em 1954 pois tornou-se desnecessária após o aumento do paredão da represa dos Carris. Nesta fase do caminho a paisagem aqui permite-nos observar o marco geodésico de Carris (1508 metros) e o Altar de Cabrões (1538 metros). Neste planalto podemos também observar vários currais destinados às pastagens de altitude e à transumância ainda levada a cabo na Serra do Gerês na figura das vezeiras de decorrem entre Maio e Setembro.



A zona das Abrótegas permite o descanso antes da subida final, verdadeiro calvário para quem já está cansado do caminho. Ao percorrer o início da subida, um pormenor passa despercebido à quase totalidade das pessoas. Logo no início do declive a antiga estrada dividia-se em duas, com uma a seguir a direcção do Salto do Lobo, local onde decorreram as primeiras extracções de volfrâmio tirando partido do aluvião vindo da Corga da Carvoeirinha. No terreno é difícil vislumbrar sinais desta parte da estrada e só andando alguns metros no caminho principal que segue em direcção a Carris, e depois olhando para trás, é que se vê a antiga estrada já coberta de vegetação. Nesta área não existem construções ou edifícios, exceptuando uma ou outra pequena construção de pastores (os formos) ou outros abrigos. Esta zona provavelmente teria o apoio de edifícios de madeira dos quais não existem quaisquer sinais. Por esta zona deveria passar uma conduta de água que teria a sua origem na pequena represa das Abrótegas e que, apoiada em pilares feitos com aglomerados de pedra, atravessava o pequeno planalto para lá das Abrótegas. Mais pilares são visíveis no extremo deste planalto, que serve de pastagem de altitude ao gado que nos meses da vezeira passeia pela serra, já próximo do caminho antes deste flectir para a esquerda para iniciar a subida final. Seguindo o prolongamento deste caminho secundário e depois entrando em trilhos de pé posto, chega-se às Minas de Carris pela sua zona inferior junto da lavaria nova, no extremo topo do vale da Corga de Lamalonga. Mas voltemos à estrada principal e iniciemos a subida final para Carris. A parte final da estrada vence um declive de 70 metros ao longo da Corga da Carvoeirinha e sem dúvida que é para muitos a parte mais complicada de todo o trajecto. No entanto, o final do árduo caminho é sempre uma motivação forte para vencer estes últimos metros. No troço final o declive torna-se menos intenso, com a estrada a tornar-se quase plana mesmo a chegar ao muro que delimitava a entrada no complexo mineiro dos Carris.




























Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

4 comentários:

Pedro Silva disse...

Olá Sr. Rui Barbosa.
Antes de mais parabens por este seu blog, e por divulgar este nosso PNPG.
Agora queria-lhe só fazer uma questão (bem sei que isto já foi bastante debatido aqui no blog), afinal como estamos com a portaria 138-A-2010, podemos ou não podemos fazer o trilho do carris, sem ter que pagar a taxa? Obrigado e continuação do bom trabalho.

Rui C. Barbosa disse...

Caro Pedro,

Em relação à Portaria 138A/2010 ainda aguardamos pela sua alteração que segundo o governo teria lugar, provavelmente, após o Verão. Assim, continua tudo na mesma.

joca disse...

muito bom! uma amostra do livro?

Pedro Silva disse...

Obrigado.
Esperemos então que o governo altere e que as alterações sejam para melhor e não mais uma emenda pior que o soneto, como infelizmente é o costume no nosso País...
Abraço.