terça-feira, 11 de setembro de 2012

O grande nevão de Fevereiro de 1955



Vale apenas histórias destas em dias de calor...

Nos nossos dias a actividade mineira atinge aspectos que nos impressionam. Todos nós já teremos visto num momento ou outro, as imagens dos mineiros a abandonar a boca da mina. Os seus rostos cerrados e cansados ou o sorriso branco que se destaca no rosto negro da poeira mortal que cobre as suas faces e contamina os pulmões. Nos nossos dias as condições de trabalho são ainda arriscadas e os acidentes vão acontecendo com mais ou menos frequência. Imagine-se então há dezenas de anos atrás onde a procura cega do volfrâmio e a consideração pela qualidade de vida do operário mineiro era inversamente proporcional à riqueza que os grandes senhores do volfrâmio iam acumulando.

A vida nas minas era dura, mortal e deixava marcas para a vida. Todas estas características eram aumentadas pelas duras condições de vida que na Serra do Gerês adquiriam particularidades extremas. As condições meteorológicas na Serra do Gerês por vezes fizeram sublinhar a dureza do trabalho naquela zona. As temperaturas desciam vários graus abaixo dez erro como recorda Virgílio Murta, “Lembro-me do frio na Mina dos Carris, embora, pela roupa que usávamos e como pode ver por algumas fotos com neve, pareça que não era assim tanto. Aí pelas sete e meia da manhã, nesta época do ano, quando tomava o pequeno-almoço com o nosso «meteorologista», tenente Silva Pereira, ele sempre me informava que a temperatura estava entre menos 6ºC e menos 8ºC, e que o termómetro de máxima e mínima existente no nosso «observatório» marcava, às vezes, menos 17ºC, durante a noite, claro... Isto quando o vento e a neve lhe permitiam acesso ao local, para verificar. Eu não sei se o tenente informava os Serviços Meteorológicos Oficiais e se haverá ainda dados arquivados.”

Episódio singular das dificuldades originadas pelo mau tempo, ocorreu em Fevereiro de 1955. Naquela altura, e durante mais de uma semana, nevou intensamente e de forma contínua na Serra do Gerês de tal maneira que em alguns pontos a neve chegou a atingir cerca de quatro metros de espessura, tornando impossível o trânsito de veículos e mesmo de peões. A mais de 1400 metros de altitude, os mineiros e o pessoal técnico e administrativo num total de cerca de duzentas pessoas que na altura trabalhavam nas Minas dos Carris, ficaram isolados nas sua instalações, tornando-se problemática a situação que de dia para dia o estado do tempo foi criando. Pelo telefone, uma vez que os fios resistiram ao peso da neve, foi sendo mantido contacto, até que as notícias se tornaram alarmantes: o pessoal, em especial os mineiros (que eram cento e vinte) estavam sem pão nem legumes, com escassa roupa e cada vez mais à mercê dos lobos, que segundo o jornal ‘O Século’ que uivavam famintos, noite e dia, por aquelas redondezas. 

Devido à situação alarmante que se desenvolvia nos píncaros do Gerês, foi decidido organizar uma brigada de socorro e depois de organizada, esta brigada saiu da Portela de Leonte e percorreu em circunstâncias difíceis a distância ate à Água da Pala, onde entrou em contacto com o pessoal dos Carris. Os mineiros tiveram de descer até ao ponto de contacto, ligados uns aos outros por uma corda e meio enterrados na camada de neve. Segundo relatos de Carlos Sousa, filho de um dos então sócios gerentes da Sociedade das Minas do Gerês, os mineiros percorreram o caminho no Vale do Homem cantando canções patrióticas e ‘A Portuguesa’ para assim manter o ânimo durante a difícil operação. Foram necessários oito dias de trabalho intenso para desobstruir as vias de acesso às minas bloqueadas. Vinte e oito operários ofereceram-se para essa difícil tarefa, a fim de se conseguir passagem para uma camioneta carregada de pão, visto ser este o alimento que fazia mais urgente falta e não ser possível levar simultaneamente legumes e roupas. Após trabalho fatigante e perigoso, pôde a brigada fazer chegar a camioneta ao ponto combinado onde os mineiros esperavam, havia bastante tempo, sob um frio cortante e com receio de que não desse resultado o plano que se traçara. Quase quatro horas duraram a heróica escalada daqueles sete quilómetros. Por fim viveu-se outra faceta da dramática e abnegada aventura: os mineiros tardavam a chegar ao ponto combinado e, dada a intensidade do nevão que caía e que tapava os sulcos abertos horas antes, receava-se que os homens se perdessem ou, ligados uns aos outros, perecessem todos na tragédia da queda em algum precipício encoberto. Quando o telefone retiniu com a boa nova da chegada, soltaram-se gritos de entusiástica alegria.

Fotografia: © Rui C. Barbosa

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