A curiosidade pelas Minas dos Carris surge-nos porque alguém
já ouviu falar ou esteve numas ruínas nos píncaros geresianos. Na realidade,
não existe qualquer indicação bem visível que nos mostre o caminho certo para
Carris, e por um lado se bem que parece contraditório, ainda bem que assim é! A
única indicação do trilho que estará visível ao observador minimamente atento
encontra-se junto do início da antiga estrada mineira, mesmo antes da cancela e
ao lado da ponte sobre o Rio Homem. Uma indicação pintada a tinta branca indica
“Carris” e uma seta aponta nessa direcção.
O caminho inicia-se a uma altitude de 720 metros e rapidamente
nos apercebemos que não será um percurso fácil para os mais desprevenidos. A
sua dificuldade vai aumentando ao longo do percurso não tanto pela inclinação,
mas mais pelo estado do piso. Em quase 9,8 km de extensão, é na sua maioria composto
por pedra solta que dificulta a progressão e são escassas as extensões em que o
terreno é suave. Na quase totalidade do seu comprimento a velha estrada é
acompanhada pelo jovem Rio Homem e o seu rumor por entre as rochas
acompanha-nos quase sempre até chegarmos à Chã das Abrótegas.
O caminho para as Minas dos Carris está em grande parte
inserido num vale de extrema importância para o Parque Nacional da
Peneda-Gerês, no interior da Área de Ambiente Natural e classificado como Zona
de Protecção Total e Zona de Protecção Parcial do Tipo I, segundo o Regulamento
do Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês.
O percurso pode ser dividido em duas partes: da Portela do
Homem até ao Modorno, e do Modorno até aos Carris. O Cabeço do Modorno,
silhueta delimitadora do fundo do vale para quem o sobe, atinge-se após se ter
vencido já cerca de 300
metros de altitude por entre pedra solta e uma paisagem
única de um vale glaciar. A partir do Modorno, onde se pode maravilhar com o
Vale do Homem e as suas quedas de água, o caminho vai-se tornando mais suave há
medida que nos aproximamos da Ponte das Águas Chocas, sendo uma caminhada mais
fácil a partir daí e até ao planalto onde se inicia a subida final para o
complexo mineiro, já na Corga da Carvoeirinha (ou da Carvoeira). À passagem
pela Ponte das Abrótegas somos presenteados por uma paisagem que nos leva a
percorrer com o olhar desde o Alto do Pássaro passando pelo Outeiro Redondo até
às alturas do Altar de Cabrões já na raia e o marco geodésico dos Carris.
No início dos anos 90 ainda era possível observar ao longo
do Vale do Alto Homem uma linha de postes de madeira sobre os quais assentava o
cabo metálico de telégrafo, que permitia as comunicações com o complexo
mineiro. Nos nossos dias são raros os sinais, ao longo do caminho, daquilo que
mais tarde iremos encontrar no sopé de Carris. Tirando os últimos trabalhos
executados nos anos 90 pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês, com o objectivo de
melhorar o caminho para a reflorestação de zonas de alta montanha, é possível
observar, mesmo no seu início, conjuntos alinhados de rochas que marcam o que
então teria sido uma estrada em terra batida que permitia a passagem de camiões
e veículos ligeiros para o transporte do minério e não só. Antes do início da
construção da estrada existia um caminho de «pé posto» que ligava a antiga
estrada florestal que tinha origem na Portela de Leonte aos Carris e pelo qual
muitos dos materiais que seriam utilizados para a construção do complexo dos
Carris eram transportadas em ombros pela quantia de 2$50 nos idos anos de 40.
Voltando aos nossos sinais... ao longo da agora decrépita estrada vamos
observando um ou outro pequeno muro, ou um ou outro alinhamento de pedras que
nos podem sugerir a existência de uma rude estrada serrana. O primeiro sinal
sólido da existência de algo mais complexo na serra surge-nos junto da zona que
dá pelo nome de ‘Água da Pala’. Aqui, e já coberta pela vegetação, observamos à
nossa esquerda uma área delimitada por um pequeno e baixo muro. Em tempos terá
servido de curral para abrigo dos rebanhos, tal como é referido num artigo publicado
no Século Ilustrado em Março de 1955 tendo também servido como armazém
relacionado com a exploração mineira ou manutenção do estradão por parte de
cantoneiros Do lado direito podemos observar, também por entre a vegetação, uma
pequena construção com tijolos de cimento que nos dá a ideia de ser uma pequena
guarita, sendo também referenciada como um pequeno abrigo dos cantoneiros que
mantinham o estradão em estado de circulação. Esta zona antecede uma ponte em
pedra e todo este lugar é extremamente peculiar e bucólico.
Na Água da Pala iniciava-se um trilho de pé posto, ou
carreiro, que atravessava o Rio Homem e subia ao longo do rio pela sua margem
direita no sopé da Encosta do Sol até atingir o topo do Cabeço do Modorno,
algumas centenas de metros após atravessar novamente o Homem sensivelmente à
cota de 1050 metros
de altitude. Não havendo registos cartográficos deste trilho em direcção aos
Carris, documentos fotográficos atestam a sua continuação para as zonas mais
elevadas da serra. Quem observa a Encosta do Sol a partir da Água da Pala, terá
a sensação de ainda poder vislumbrar o traçado deste pequeno trilho que, sem
dúvida, nos proporcionaria uma visão distinta do vale. Porém, e após várias
tentativas de observar no terreno a sua progressão, cheguei à conclusão de que
este trilho já desapareceu em muitos locais e será extremamente difícil tentar
seguir o seu antigo percurso, senão mesmo impossível.
Após passar a Água da Pala, o caminho continua a sua lenta
subida em direcção aos Carris. Na margem esquerda do Homem, temos a
oportunidade de observar os picos escarpados que delimitam os Prados Caveiros.
Esta fase mais plana do trilho segue pela Ponte do Cagarouço sobre a Ribeira do
Cagarouço, um pequeno afluente do Rio Homem, que percorre um estreito vale
encaixado. É nesta fase que o caminho se volta a inclinar ligeiramente e
ouvimos o rugido do jovem rio a poucos metros de distância. Por entre a
vegetação é por vezes fácil ter um olhar sobre lagoas que no Verão são sempre
uma forma de retemperar forças. O trilho ultrapassa a cota dos 1000 metros de altitude
momentos antes de entrarmos numa fase do percurso onde vamos superar vários
metros de altitude em pouca distância, ultrapassando assim um bom declive. O
trilho flecte para a direita no que são conhecidas como as ‘Curvas das Febras’
e em pouca distância subimos 30
metros em altitude antes de flectir para a nossa
esquerda. Nesta parte do caminho podemos ter uma imagem do Vale do Homem só
superada pela paisagem que nos aguarda poucos metros após a passagem da Ribeira
do Modorno. Um pouco mais à frente entramos numa parte do caminho que é
ladeado, à direita, por uma parede sólida de granito e, à esquerda, por uma
queda de 50 metros
que termina no Rio Homem. O declive aqui é acentuado e notório, mas o esforço
para chegar à meia distância merece a pena.
Somos chegados a meio do caminho e o descanso na Ponte do
Modorno é merecido. A água da ribeira é sempre fresca e corrente, mesmo no
Verão. Ao entrar neste pequeno vale temos a visão de uma pequena queda de água
por debaixo da ponte e são poucos os que resistem a uma fotografia. Situados na
ponte em direcção ao final do vale, por onde vemos o Rio Homem, temos à nossa
direita o imponente Cabeço do Modorno, uma escarpa granítica que atinge os 1317 metros de altitude.
Conheci todas as pontes até ao Modorno já em cimento, mas o meu fascínio por
este vale e por Carris começou a ser despertado pelas velhas pontes de madeira
que antigamente permitiam a passagem célere e um tanto ou quanto aventureira. É
sempre bom descansar e retemperar forças junto do Cabeço do Modorno, mas é hora
de prosseguirmos pois, logo ali à frente, temos uma surpresa à nossa espera.
Logo após abandonar a Ponte do Modorno e seguindo o nosso caminho, vamos
encontrar uma das mais fantásticas paisagens que a Serra do Gerês tem para nos
oferecer. É com deslumbre que observamos o Vale do Alto Homem e a forma como
este se projecta no céu. O seu delimitar pelos picos das serras leva-nos a
imaginar, sonhar um mundo antigo. Atenção ao vocabulário, pois é aqui que nos
começam a faltar as palavras... O vale foi esculpido aos longos dos séculos
pelas forças da Natureza e a sua forma remonta aos tempos das últimas
glaciações. Segundo A. Brun Ferreira (et al.) e citando os trabalhos de
Schmidt-Thome, “…ao longo do vale do Rio Homem, as línguas glaciárias teriam
atingindo a altitude de 600 m.”
“Segundo o mesmo autor, no máximo da glaciação, a espessura mínima do glaciar
do vale do Rio Homem seria de 500
m.” Ao longe vemos a Serra Amarela e com bom tempo
facilmente se vislumbram as antenas do Muro localizadas em Louriça. Saindo do
pequeno vale da Ribeira do Modorno entramos novamente no vale do Alto Homem e
logo ali à nossa frente observamos uma estreita queda de água com uma altura
superior a 110 metros.
Toda este zona propicia paisagens deslumbrantes em ou após dias de chuva com as
paredes rasgadas pelos cursos de água que se precipitam no vale, ou então nos
frios dias de Inverno com a imagem das quedas de água geladas que se amarram às
paredes graníticas.
Prosseguindo o trilho ao longo do vale vamos ganhando
altitude, atingindo os 1200
metros de forma suave. Nesta fase o caminho chega a
complicar-se devido ao seu estado degradado. Na cota dos 1190 metros e olhando
para o Rio Homem, deveríamos observar algumas construções surgem assinaladas na
Folha 31 na sua edição de 1949, mas já não surgem na edição de 1997 e no
terreno não se observam quaisquer construções. O Rio Homem é, nesta fase,
constituído por uma série de pequenos ribeiros que têm origem nos inúmeros vales
que golpeiam o topo da serra. Aos 1200 metros de altitude, na zona do velho
Curral do Teixo (que assim se chama porque se diz que antigamente ali existia
uma árvore desta espécie), o trilho flecte ligeiramente para a direita seguindo
um dos pequenos riachos que, juntamente com o riacho do Corgo dos Salgueiros da
Amoreira, irá formar o Rio Homem. O nosso percurso segue a base da Rocha da
Água do Cando, passando pela Ponte das Águas Chocas (1285 metros) e entrando
na Chã das Abrótegas até atingir a Ponte das Abrótegas (1325 metros). A Chã das
Abrótegas definem, juntamente com o Outeiro Redondo, uma área plana que é
atravessada pela velha estrada mineira até atingir e seguir ao longo da base do
contraforte dos Carris. Foi neste planalto, mais precisamente no Curral das
Abrótegas, onde esteve montado nos dias 17 a 19 de Setembro de 1908 o acampamento da
primeira expedição venatória levada a cabo na Serra do Gerês. Esta expedição,
organizada pela revista Illustração Portugueza, teve como objectivo atestar que
na altura de facto a cabra selvagem estava extinta, pois caso contrário poderia
ser caçada… Na zona têm origem vários carreiros de pé posto, sendo os mais
interessantes aqueles que seguem para as Minas das Sombras (Galiza - Espanha) e
para os Cocões do Concelinho (através das Lamas de Homem) e, mais tarde, Minas
de Borrageiros e Lagoa do Marinho.
Na Ponte das Abrótegas somos interrogados por umas
peculiares construções semelhantes a pequenos pilares de rocha e cimento que
tinham essa mesma função. Estas construções serviriam de ponto de apoio,
certamente de uma tubagem metálica para transportar água desde uma pequena
represa ali existente até ao Salto do Lobo ou até à lavaria nova situada no
topo da Corga de Lamalonga. Esta captação de água terá sido desactivada em 1954
pois tornou-se desnecessária após o aumento do paredão da represa dos Carris.
Nesta fase do caminho a paisagem aqui permite-nos observar o marco geodésico de
Carris (1508 metros)
e o Altar de Cabrões (1538
metros). Neste planalto podemos também observar vários
currais destinados às pastagens de altitude e à transumância ainda levada a
cabo na Serra do Gerês na figura das vezeiras de decorrem entre Maio e
Setembro.
A
zona das Abrótegas permite o descanso antes da subida final, verdadeiro
calvário para quem já está cansado do caminho. Ao percorrer o início da subida,
um pormenor passa despercebido à quase totalidade das pessoas. Logo no início
do declive a antiga estrada dividia-se em duas, com uma a seguir a direcção do
Salto do Lobo, local onde decorreram as primeiras extracções de volfrâmio
tirando partido do aluvião vindo da Corga da Carvoeirinha. No terreno é difícil
vislumbrar sinais desta parte da estrada e só andando alguns metros no caminho
principal que segue em direcção a Carris, e depois olhando para trás, é que se
vê a antiga estrada já coberta de vegetação. Nesta área não existem construções
ou edifícios, exceptuando uma ou outra pequena construção de pastores (os
formos) ou outros abrigos. Esta zona provavelmente teria o apoio de edifícios
de madeira dos quais não existem quaisquer sinais. Por esta zona deveria passar
uma conduta de água que teria a sua origem na pequena represa das Abrótegas e
que, apoiada em pilares feitos com aglomerados de pedra, atravessava o pequeno
planalto para lá das Abrótegas. Mais pilares são visíveis no extremo deste
planalto, que serve de pastagem de altitude ao gado que nos meses da vezeira
passeia pela serra, já próximo do caminho antes deste flectir para a esquerda
para iniciar a subida final. Seguindo o prolongamento deste caminho secundário
e depois entrando em trilhos de pé posto, chega-se às Minas de Carris pela sua
zona inferior junto da lavaria nova, no extremo topo do vale da Corga de
Lamalonga. Mas voltemos à estrada principal e iniciemos a subida final para
Carris. A parte final da estrada vence um declive de 70 metros ao longo da
Corga da Carvoeirinha e sem dúvida que é para muitos a parte mais complicada de
todo o trajecto. No entanto, o final do árduo caminho é sempre uma motivação
forte para vencer estes últimos metros. No troço final o declive torna-se menos
intenso, com a estrada a tornar-se quase plana mesmo a chegar ao muro que
delimitava a entrada no complexo mineiro dos Carris.
4 comentários:
Olá Sr. Rui Barbosa.
Antes de mais parabens por este seu blog, e por divulgar este nosso PNPG.
Agora queria-lhe só fazer uma questão (bem sei que isto já foi bastante debatido aqui no blog), afinal como estamos com a portaria 138-A-2010, podemos ou não podemos fazer o trilho do carris, sem ter que pagar a taxa? Obrigado e continuação do bom trabalho.
Caro Pedro,
Em relação à Portaria 138A/2010 ainda aguardamos pela sua alteração que segundo o governo teria lugar, provavelmente, após o Verão. Assim, continua tudo na mesma.
muito bom! uma amostra do livro?
Obrigado.
Esperemos então que o governo altere e que as alterações sejam para melhor e não mais uma emenda pior que o soneto, como infelizmente é o costume no nosso País...
Abraço.
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