sábado, 30 de janeiro de 2010

A Serra! (VI)


Esta é a sexta e última parte do artigo "A Serra!" que em Junho de 1935 os repórteres da defunda Latina escreveram após visitarem a Serra do Gerês.

Disponível no seu n.º 4 - Julho de 1935 (Vol. II), este artigo escrito por Camacho Pereira (Director da Revista Latina), descreve um passeio pela Serra do Gerês. O texto é aqui transcrito mantendo as suas características originais.

"(...)

Um atalho onde por vezes patinamos nos vai trazendo encosta abaixo.

A certa altura perante uma rampa mais inclinada do que seria para desejar e com um fim um tanto ou quanto trágico o Carlos declara, sentando-se, que não anda mais. Complicação inesperada: a encosta era longa ainda, o sol tocava quasi as cristas fronteiras e na serra os luscos-fuscos são curtos.

A muito custo se convenceu da sua loucura e lá fizemos a passagem sem novidade, mais adeante encontramos uma pequena cobra de meio metro que nos fez lembrar os perigosos javalis, felismente raros.

Laspedo e Bargiela, avolumam-se e encastelam-se no espaço, mais um cenro de zig-zags e chegamos ao vale perto da casa de Albergaria.

Junto a um torrentoso ribeiro, vendo o sol já a escapulir-se nos penhascos do Laspedo fizemos a nossa ceia; eram já horas e a cesta que cheia estava , no fim mostrou-nos o fundo. O Senhor Maia tinha acertado.

A subida do vale do Leonte por entre a celebre e velha mara de carvalhos deve ser por demais conhecida pelo tanto que dela se tem falado. Muitas pontesinhas pitorescas e pequenas cascatas e também algumas trutas, quando chegámos a Leonte já era noite, era tempo, tempo de tomar a estrada, onde ainda tinhamos de fazer 7 km. às escuras, que teriam sido dolorosos se fossem como os que vinhamos de passar.

Da linda e magnífica estrada que pela Preguiça leva do Gerez ao Leonte entre vertentes abruptas, sempre engalanadas de verdura, com as mirabolantes curvas e contra curvas de enormes muros suportes e acertados pilares de protecção ficou-nos uma grata mas fatua recordação que mais tarde no novo passeio a S. João do Campo viemos avivar então confortavelmente instalados no Plymouth do nosso amigo Gaspar.

Por alturas da Preguiça e par que não faltasse um detalhe característico, os cães que sempre esploravam as margens da estrada começam em intermináveis latidos, cada vez a perderem-se mais no alto da encosta.

O Avelino excitado e constrangido por não poder abandonar-nos declara.

- Por esta ceia não esperava aquela corça! Anda uma por estes sítios, já que não a largam tão cedo.

E de facto, os latidos continuavam sempre, sentia-se a perseguição.

De repente o guia dá-nos as

- Boas noites.

E nós aterrados

Então deixa-nos sós aqui, no meio da serra?

- Os Senhores estão já no Gerez, eu, se me dão licença vou para minha casa que é por aqui, e sem mais desapareceu.

Era verdade, logo na volta da estrada apareceram as últimas casas das termas, a colunata, a fila dos hóteis e às 11 horas depois de 17 de caminhada aportámos ao Grande Hotel do Parque, onde, Castelo Branco e todo o pessoal já em cuidados nos esperavam e ao ouvirem a nossa narrativa fiseram estalar a língua.

Camacho Pereira

Director da Revista Latina"

Fotografia: © Rui C. Barbosa (Originais de Camacho Pereira e Carlos Ribeiro)

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