quarta-feira, 15 de maio de 2024

Terá existido um forno pastoril nos Prados da Messe?

 


Uma questão que por vezes me intriga, é o facto de em alguns currais encontrarmos diferentes tipos de abrigos pastoris.

Especulando sobre a possível utilização histórica destes abrigos, havia considerado que os fornos pastoris - singelas construções de pedra tipo 'iglu' cobertas com torrões de terra - representariam uma segunda fase de utilização histórica dos abrigos pastoris.

Na Serra do Gerês podemos distinguir três tipos distintos de abrigos pastoris: as palas - abrigos naturais que tiram partido de grande pedras inclinadas que proporcionam um abrigo dos elementos, os fornos pastoris e as cabanas em pedra - pequenas edificações com duas águas cobertas em telha.

Estes abrigos podem ser vistos nos múltiplos currais existentes na Serra do Gerês e em alguns, por exemplo, no Curral de Gamil temos a presença de um forno pastoril e de uma pala nas proximidades. A sua ocupação pode ter sido simultânea ou diferenciada no tempo, podendo o forno pastoril representar uma construção e utilização posterior à pala.

Noutros currais temos a presença somente do forno pastoril (Mijaceira, Espinheira, Lomba de Pau, etc.) ou da cabana (Teixeira, Malhadoura, Camalhão, Prados da Messe, etc.).

Apesar de haver cabanas com uma datação que nos permite saber o ano da sua construção ou restauro (por exemplo, a cabana do Prado do Vidoal acima da Portela de Leonte), a maioria destes edifícios não se encontra datada ou existe qualquer referência à sua construção. Sabemos que alguns já existiam e eram utilizados em orincípios do século XX, tal como atesta a fotografia em baixo onde podemos ver a cabana do Curral de Vilar da Veiga (ou de Leonte de Cima), que ainda hoje podemos observar.


Outros currais mostram vestígios de velhos abrigos pastoris há muito abandonados. Por exemplo, no curral do Prado, parecem existir rochas numa disposição que me leva a crer da existência muito antiga de um abrigo (forno) pastoril que foi substituído pela actual cabana. Noutros currais (Lameirinha, Bebedoiro, Rebolo da Porca, Bruzaleite, etc.) as ruínas dos velhos fornos pastoris por vezes passa, despercebidas, cobertas pela vegetação e esquecimento.

Assim, com todos estes vestígios sempre me questionei se nos Prados da Messe teria em tempos existido um forno pastoril, isto é, uma edificação tipo 'iglu', que mais tarde foi substituída por uma cabana?

No seu livro "Gerez - Notas Etnográficas, Arqueológicas e Históricas" (Coimbra, 1927), Tude de Sousa faz um breve resumo dos abrigos existentes na Serra do Gerês, escrevendo o seguinte relativamente à sua distribuição geográfica, "Vilar da Veiga, quási todos de pedra e telha, tem os fornos dos currais dos prados da Messe, do Conho, de Leonte de Cima, e outros, tendo caído em desuso os da Mijaceira e Vidoeiro, por estarem cortados e devassados agora pela estrada pública para a fronteira (...)."

Ora, Tude Sousa não faz qualquer diferenciação entre o 'forno pastoril' e a 'cabana pastoril', referindo-se de forma geral a 'fornos' sejam eles cobertos de terra ou feitos em pedra e telha.

Um caso que considero de interessante análise, é o Curral dos Prados da Messe. Actualmente, o curral é servido por uma cabana com duas divisões, sendo no entanto a divisão Poente a mais recente e construída com as pedras que foram retiradas das ruínas da antiga casa florestal existente nas proximidades.

A questão que se coloca é: terá existido algum forno pastoril nos Prados da Messe antes da construção da cabana pastoril? De facto, por detrás do actual abrigo - e se olharmos com atenção - parece existir uma disposição circular de pedras e a certo ponto o que parece ter sido a entrada para um abrigo.





No livro "Mata do Gerês" (Tude Martins de Sousa, 1926, regente florestal à época) o seu autor refere (pag. 132), "Não havendo nenhuma casa, ou abrigo, para o pessoal florestal na extensa zona da serra alta, desde a Pedra Bela aos Prados, havia sido solicitada a construção de uma pequena casa no curral dos Prados, que foi feita neste ano (1908).

Sendo certo que nenhuns trabalhos haviam sido ainda por ali realizados, não era menos certo que aquela parte da serra era de elevada importância, por ser um dos mais aproveitados centros de pastoreação dos gados vizinhos e ainda por ter a curtas distâncias bons núcleos de arborização espontânea.

Ao mesmo tempo, aproveita-se a oportunidade de prestar um bom serviço aos vezeiros de Vilar da Veiga, a quem o usufruto do curral pertence e cujas boas relações de vizinhança convém absolutamente manter, proporcionando-se lhes melhor acolhida do que a que o seu forno lhes dá, o que se fez, destinando-se-lhes metade da referida casa, que em Setembro ficou já concluída."

Sabemos então que em Setembro de 1908 foi terminada a construção da casa dos Serviços Florestais nos Prados da Messe. No entanto, e com o turvar da memória desses tempos e não havendo testemunhos orais transmitidos às gerações seguintes, não é possível indicar se o referido abrigo foi alguma vez utilizado pelos vezeireiros do Vilar da Veiga e, também importante, quando deixou de ser utilizado?

Teria esta casa substituído um forno pastoril ou a cabana pastoril já existiria na altura? A cabana pastoril terá sido construída com as pedras de um possível forno pastoril mais antigo e que tenha sido alagado? Se foi utilizada, porque não se conservou a casa dos Serviços Florestais para utilização destes ou pelos pastores? Porque foi abandonada?

Os fornos pastoris da Serra do Gerês, bem como os seus congéneres que podemos encontrar nas outras serras do Parque Nacional da Peneda-Gerês, são um património edificado que deveria ser preservado como uma memória da presença milenar do Homem nestas serranias.

Para terminar, deixo as palavras de Tudo de Sousa em 1927, "O forno dos pastores gerezianos, ligado ao regimen comunalista e pastoril que os seus povos têm, é bem ainda, pelo espírito ancestral que representa, o espêlho liso da tradição em que aquela gente, sequestrada do mundo, vivia noutras eras a vida de paz, a vida simples de fraternidade e de amor, que os novos tempos e as civilizações novas lhes vão dia a dia enfraquecendo e quebrando.

Conservá-lo, é conservar e respeitar uma típica característica geral do passado."

Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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