segunda-feira, 10 de julho de 2023

A pernoita no PNPG - uma contribuição para o próximo Plano de Ordenamento

 


A propósito da publicação relativa à travessia da Serra do Gerês entre a Portela do Homem e Pitões das Júnias, foram levantadas algumas questões pertinentes relativamente à pernoita no Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG).

Por considerar que este deve ser um assunto a ser revisto aquando da revisão (passe-se a redundância) do Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês (POPNPG), deixo aqui algumas considerações pessoais e elementos que deveriam ser considerados nessa revisão.

Antes, algumas definições de interesse...

- Pernoita: Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, a pernoita significa passar a noite onde não é costume passá-la.

- Campismo: Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, o campismo é o estacionamento no campo, em barracas (tendas) semelhantes às de campanha.

- Acampar: Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, acampar é entendido se instalar no campo ou estabelecer-se no campo, assentar arraial, sendo uma permanência mais prolongada.

- Bivaque: Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, o bivaque é entendido como um acampamento provisório e ao ar livre.

O que nos diz o POPNPG sobre a pernoita?

Segundo a alínea s) do art.º 7 'Actos e actividades interditos' do Capítulo II 'Disposições comuns' do POPNPG, é interdita "a prática de campismo ou caravanismo fora dos locais para tal destinados, bem como a pernoita fora das condições autorizadas."

Segundo a alínea g) do Ponto 2 do art.º 8 'Actos e actividades condicionados' do Capítulo II 'Disposições comuns' do POPNPG, pode ser autorizada "a pernoita, quando associada a uma actividade de pedestrianismo."

Ora, diz-nos a experiência a lidar com a burocracia e os mal feitos do Instituto da Conservação da Natureza (ICNF) que a maior percentagem das solicitações de autorização de pernoita são recusadas tendo por base uma regra que dirá que "se a pernoita se realiza a menos de 3 km de uma estrada, esta não será autorizada". Lembro que estamos a considerar pedidos de pernoita que cumprem a alínea g) do Ponto 2 do art.º 8 'Actos e actividades condicionados' do Capítulo II 'Disposições comuns' do POPNPG, isto é, pedidos associados a actividades de pedestrianismo.

Usualmente, os pedidos de autorização de actividades de visitação são submetidos ao cravo burocrático dos funcionários do ICNF que para além do POPNPG por vezes usam interpretações pessoais ou supostas «regras internas» para analisar os pedidos que são, como já referi, na maior parte das vezes recusados. Assim, os pedidos são recusados e quem os pede acaba por realizar estas pernoitas mesmo sem autorização, pois sabe que a vigilância nesta área protegida é extremamente limitada.

Uma maneira de rodar a questão, é sempre tentar contactar os baldios que gerem a maior parte do território do PNPG ou mesmo contactar privados para assim conseguir uma zona de pernoita.

Mas, e se de facto a próxima revisão do POPNPG contemplar zonas de pernoita estabelecidas em locais próprios mesmo na Área de Ambiente Natural que engloba as Áreas de Protecção Total e as Áreas de Protecção Parcial de Tipo I e II?

Em tempos, recordo-me de um dos Directores do PNPG assumir a ideia da possibilidade de se criar estas zonas de pernoita autorizada que seriam locais onde quem visita as zonas mais remotas do Parque Nacional, teria a oportunidade de fazer a pernoita montando o seu bivaque pouco antes do pôr-do-Sol e levantar campo pouco depois do nascer-do-Sol, à imagem do que é feita noutras áreas protegidas internacionais que nunca viram o seu estatuto ameaçado por existirem regras deste tipo. Pelos vistos, somente as ideias repressivas que serão implementadas nessas áreas interessam...

Dependendo das suas localizações, estas zonas de pernoita autorizada seriam estabelecidas com os respectivos baldios (verdadeiros detentores da maior área do PNPG), que fariam a gestão das mesmas da forma como melhor entendessem, podendo, por exemplo, criar-se uma gestão semelhante há que é aplicada nas zonas de pesca desportiva com a emissão de uma licença ou sendo aplicado outro tipo de gestão que assim melhor se entendesse.

Esta solução terminava com a burocracia associada aos pedidos de autorização que teriam de ser feitos ao ICNF e que deixavam de estar sujeitos a interpretações pessoais e «maus figos», e regras que ninguém conhece (mesmo dentro do próprio ICNF), criando zonas «refúgio» que seriam equipadas com sanitas químicas ou biológicas, além de pontos de água.

Esta seria também uma boa solução a ser considerada ao longo da Grande Rota da Peneda-Gerês onde encontramos alojamentos ou locais de campismo que não aceitam uma estadia de uma só noite.

Para manter a protecção de zonas sensíveis no PNPG, a pernoita fora destes locais seria punida como uma contraordenação ambiental muito grave.

Qual a vossa opinião e que outras sugestões dariam para este tema?

Fotografia: https://sobrevivencialismo.com/

4 comentários:

paaf disse...

Concordo com o a sua opiniao

Francisco Ascensão disse...

Penso que deveria ser dada aos baldios um maior poder de decisão, e nesta matéria específica em relação à pernoita na serra, penso que deveriam ser os baldios a conceder a autorização, sem precisar do parecer do ICNF. Mas para que tal acontecece era necessário que a própria direção do parque nacional e o ICNF conseguissem trabalhar com os baldios de forma equilibrada e regrada. No entanto, detendo os baldios o poder de decisão em relação à pernoita nos seus territórios, acho que mesmo assim deveria ser mantido um perímetro nas zonas sensíveis do parque onde não seria permitido montar tenda (ex. : áreas de proteção total). Só que com isto levanta-se também uma questão. Terão os caminhantes conhecimento da existência dos baldios e da forma como funcionam? Acho que isso e a educação ambiental que cada um tem não pode ser o parque a fazer, a não ser que na parte do dar a conhecer, se faça uma maior divulgação da existência e funcionamento dos baldios. Lembro-me de aquando da caminhada que fiz com o Rui o ano passado, abordamos este tema e lembro me de o Rui referir que a maioria das pessoas não fazia a mínima ideia a quem pedir autorização ou se seria necessário pedir! Acho que ainda mais importante antes de alguém pernoitar/bivacar, é ter consciência daquilo que tem à sua volta quando está no parque nacional, da sua sensibilidade e necessidade de ser preservado, isso sim é algo que cada um individualmente pode trabalhar

Rui C. Barbosa disse...

Excelente, Francisco. Isso mesmo.

Francisco Ascensão disse...

Faltou apenas acrescentar que para que a pernoita pudesse efetivamente acontecer, deveria haver sem dúvida mais vigilantes da natureza, e não só nos locais habituais, mas na alta serra também