quarta-feira, 19 de julho de 2023

A alteração do limite das Áreas de Protecção Total do PNPG - uma contribuição para o próximo Plano de Ordenamento

 


As actuais definições dos limites das Áreas de Protecção de Total do Parque Nacional da Peneda-Gerês - e principalmente na Serra do Gerês - são o produto da venda do espaço natural do nosso único Parque Nacional aos interesses económicos de uma fundação falida.

O Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 134/95, de 11 de Novembro, para vigorar por um período de 10 anos. O actual Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês foi publicado no Diário da República através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 11-A/2011, de 4 de Fevereiro (Diário da República n.º 25, Suplemento, Série I de 2011-02-04 - Presidência do Conselho de Ministros) e resulta de largos meses (senão anos) de uma acalorada discussão que a certo ponto levou à verdadeira catástrofe que se viveu no Parque Nacional no Verão de 2010.

Um pormenor interessante que mereceu uma discussão pública acesa foi a introdução da fórmula matemática do conceito 'wilderness' que tinha como objectivo a identificação de uma grande área sem influência do homem e que no Plano de Ordenamento está quase representada pela Área de Protecção de Total. Esta tentativa de isolar parte do parque nacional mereceu uma grande contestação por parte das populações e não só, encontrando apenas defensores nas hostes mais conservacionistas a nível ambiental e nos seus promotores dentro do PNPG. A contestação foi de dimensão tal, que o conceito acabou por ser aparentemente abandonado.

Na verdade, ao então promover esta grande área, o Estado Português na pessoa do então denominado Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, vendia-se aos interesses económicos da Fundação Pan Parks, indo assim em sentido contrário aos interesses da população local do PNPG e da verdadeira preservação do espaço que designamos como "PNPG."

Mas, de onde surge o conceito 'wilderness'? O actual POPNPG não pode ser compreendido sem ser relacionado com o contrato realizado entre Portugal e a Pan Parks. Este contrato foi assinado a 12 de Novembro de 2007 em Lisboa ao fim de vários anos de negociações e envolveu o ICNB (ICNF), o PNPG e a Fundação Pan Parks. O que é a Fundação Pan Parks? Esta era uma fundação europeia com o objectivo de certificar a gestão de áreas protegidas. A Pan Parks dizia que tinha como "missão a protecção dos habitats naturais e ecossistemas frágeis; o trabalho em cooperação com áreas protegidas europeias para utilizar a sua certificação para garantir a salvaguarda das áreas selvagens (wilderness); a promoção de um turismo sustentável e responsável para a expansão do amor, respeito e orgulho pelas áreas selvagens na Europa." A fundação foi criada em 1998 pela World Wide Fund for Nature e a companhia de viagens holandesa Molecaten, com o objectivo de se criar parques nacionais na Europa à imagem e modelos dos parques nacionais de Yellowstone e Yosemite, nos Estados Unidos. 

Apesar de todas estas boas intenções, a Pan Parks em tempos referia que "PAN Parks does not want to make nature 'available to all'. PAN Parks is the European wilderness protection organisation", simplesmente "A PAN não quer tornar a natureza 'disponível para todos'. A PAN Parks é a organização europeia de protecção da vida selvagem."

Resumindo, se o visitante tivesse dinheiro poderia ter acesso à Natureza, caso contrário visitava as fossas das cidades.

Com a assinatura do contrato com a Fundação Pan Parks, o Estado Português comprometia-se a criar uma zona wilderness no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Isto levou à criação de uma fórmula matemática totalmente artificial que criou na versão original uma área wilderness que se estendia entre parte da Serra Amarela e a parte superior do Vale do Homem, apostando na sua expansão ao longo dos anos, partindo do princípio do abandono das actividades de pastorícia por partes das populações serranas. A ideia era simples: com o desaparecimento da pastorícia na Serra do Gerês e a sua manutenção junto dos núcleos populacionais com um intuito meramente turístico (pois a imagem da pastorícia era vendida como um factor promocional pela Pan Parks para atrair os visitantes para os seus parceiros), seria mais fácil criar zonas totalmente interditas nas quais somente os visitantes Pan Parks pudessem aceder ao solicitar serviços dos parceiros turísticos credenciados pela própria Pan Parks.

No entanto, a criação destas zonas no imediato não seria possível por várias razões, sendo a principal a presença transumante dos gados na Serra do Gerês através das vezeiras. Assim, o POPNPG teria de criar as barreiras que ao longo do tempo levasse ao abandono destas actividades e ao abandono da presença de visitantes em determinadas zonas do nosso único Parque Nacional. Isto levou à implementação de diferentes áreas de protecção, sendo a Área de Protecção Total a área mais restrita em termos de protecção. O espírito com o qual o POPNPG foi lavrado indicava uma abertura do PNPG à visitação, algo que parece estar em contradição com as intenções da criação de uma zona wilderness na qual a influência e presença humana fosse mínima.

As diferentes áreas de protecção estabelecem um (misterioso e desconhecido) 'factor carga' na visitação ao estipularem os números mínimos de visitantes para os quais é necessária uma autorização. Assim, a visita à Área de Protecção Total requer uma autorização seja qual for o número de visitantes, enquanto a Área de Protecção Parcial de Tipo I esse número é estabelecido num máximo de 10 (isto é, a visitação é permitida sem autorização até grupos de 10 pessoas) e na Área de Protecção Parcial de Tipo II esse número é fixado em 15 pessoas. Estas áreas estão dentro da denominada Zona de Ambiente Natural (na Zona de Ambiente Rural não há necessidade de qualquer autorização, seja qual for o número de visitantes e o local a visitar).

Partindo do pressuposto que os visitantes teriam a iniciativa de solicitar esta autorização, previa-se que o número de solicitações fosse aumentando ao longo do tempo. No entanto, a abertura do PNPG à visitação (mesmo com a necessidade de autorização em determinadas zonas) levaria a que a maioria dos potenciais visitantes não utilizasse os serviços das empresas e entidades certificadas pela Pan Parks. Assim sendo, por que razão as empresas de animação de turismo de natureza se iriam associar à Pan Parks?

Esta situação foi resolvida com o aparecimento da Portaria 1245/2009, de 13 de Outubro, na qual eram estabelecidas taxas a pagar pelos pedidos de autorização para a realização de actividades de visitação dentro das áreas protegidas nacionais. Na altura a taxa é estipulada em €200,00, mas esta portaria acabaria por ser revogada passado algum tempo pela Portaria 1397/2009, de 4 de Dezembro, devido aos fortes protestos gerados. A 4 de Março de 2010 é publicada a Portaria 138-A/2010 que não estabelece qualquer taxa a pagar pelos pedidos de autorização para a realização de actividades de visitação dentro das áreas protegidas nacionais. No entanto, e ao contrário do que seria de esperar, a tutela fez uma leitura abusiva, errada e ilegal de tal portaria, taxando todos os pedidos de autorização. Por que é que isto aconteceu? O que estava escondido no contrato celebrado entre o Estado Português e a Fundação Pan Parks? Será que, no fundo, as taxas foram a ponta visível de mais um mau negócio realizado pelos governantes deste país? Será que as taxas foram uma tentativa falhada de empurrar os visitantes do Parque Nacional da Peneda-Gerês para as tais empresas e entidades certificadas pela Pan Parks e que tiveram o efeito perverso de colocar os visitantes de outras áreas protegidas a pagarem taxas?

Felizmente, o pagamento das taxas pelos pedidos de autorização para a realização de actividades de visitação foi revogado pela Portaria n.º 122/2014, de 9 de Junho.


Assim, o verdadeiro objectivo destas Zonas de Protecção Total foi somente o de cumprir com as exigências da Pan Parks na sua missão de criar áreas naturais de visitação paga a coberto de uma suposta protecção e preservação ambiente, e nunca teve como missão a verdadeira conservação da Natureza.

Em resultado destas decisões de se estabelecer limites artificiais, criaram-se verdadeiras metástases de um cancro que contaminou o Parque Nacional da Peneda-Gerês e que ainda perdurarão por muito tempo. Pergunta-se então "quem foram os responsáveis por isto e que consequências sofrerem por tamanha má gestão?"

Nos ambientes de montanha, e tal como acontece na Serra do Gerês, os limites estão estabelecidos pelas denominadas "águas vertentes" ou pelos limites estabelecidos pelos cursos de água (rios, ribeiros, corgas). Estas definições são utilizadas em muitos casos para estabelecer o limite de freguesias, baldios, fronteiras nacionais, etc. Eram estas definições que estabeleciam, por exemplo, o limite da zona máxima protecção referida antes da entrada do actual Plano de Ordenamento. 

Com o actual Plano de Ordenamento foi criada uma Área de Protecção de Total baseada numa fórmula matemática (que tinha em conta variáveis como a presença de património edificado, redes de electricidade, etc.), criou-se algo absolutamente artificial e que é difícil de definir no terreno. Na verdade, apenas (algumas) entradas de carreiros estão sinalizadas como acessos à Área de Protecção de Total na Serra do Gerês, havendo outros acessos sem qualquer indicação, o que leva a que o visitante possa estar numa dessas zonas sem o saber! Da mesma forma, não existe qualquer sinalética em termos de mapas minimamente detalhados que informe o visitante ou mesmo o residente de que aquela zona seja uma zona de protecção total.

Assim, é premente que seja feita uma revisão da Área de Protecção Total na Serra do Gerês, tornando-a mais explícita a quem calcorreia as montanhas por ela abrangida, nomeadamente delimitando-a pelos cumes e tendo em conta as águas vertentes, abandonando de vez uma delimitação artificial que nunca teve presente os antecedentes históricos da Serra do Gerês e do território do Parque Nacional.

Qual é a vossa opinião sobre o assunto?

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

6 comentários:

Francisco Ascensão disse...

Mais uma vez penso que deveria ser feita uma maior aposta por parte das entidades competentes na divulgação daquilo que verdadeiramente interessa a nível ambiental e de organização do parque. Se há áreas de proteção total, que os visitantes e caminhantes tenham essa informação disponível e acessível, principalmente para quem não conhece a zona. Alguém que não conheça o interior da serra do Gerês e olhar para o mapa do plano de ordenamento ( se chegar a olhar) pelas primeiras vezes como é que vai saber identificar os locais/limites destas áreas? De igual modo, se a sinalização no terreno não estiver em condições ou nem sequer existir, como é que alguém que caminha pelas primeiras vezes no local, pode saber? Outro ponto essencial que deveria ser resolvido a par com a alteração dos limites das áreas de proteção total seria o aumento do número de guardas florestais e consequentemente da fiscalização na alta serra. Se não há ninguém a vigiar os altos serranos, de uma forma regular como é que se pode por exemplo salvaguardar estas áreas preciosas da caça furtiva? Não se pode tentar resolver um problema quando outro antecedente ainda está sem solução.
Outro ponto que acho importante abordar é: deve-se deixar que certas zonas tenham uma visitação extremamente limitada? Como por exemplo a mata do cabril, do ramiscal, palheiros. Ou deve-se permitir uma visitação regrada, organizada, à semelhança do que acontece na reserva natural de muniellos em Espanha? O que acha Rui? É verdade que o próprio acesso à estes locais é difícil, mas em certos sítios sei que não é impossível. Em termos de pastorícia, levanto outra questão: os animais (bovinos e caprinos) não exercem uma grande pressão sobre zonas muito sensíveis? Penso que deve ser permitido o livre acesso aos residentes nas áreas de proteção total, e quanto aos animais estes deveriam pastar maioritariamente nos currais se tal, for possível claro. Por fim, e mais uma vez, é preciso que haja mais diálogo entre a população local e os dirigentes do ICNF e Parque Nacional, para que futuramente o PNPG possa ter um futuro mais equilibrado!

Rui C. Barbosa disse...

Seria interessante a criação de "Zonas de Protecção Integral" com classificação mais elevada do que as "Zonas de Protecção Total". Maioritariamente, seriam zonas de bosque ou floresta (Ramiscal, Cabril e Palheiros) onde o pastoreio é não, ou quase não, existente e onde o acesso seria simplesmente interdito.

Francisco Ascensão disse...

E essas zonas seriam "dentro" das áreas de proteção total? Ou seja a uma parte específica da área de proteção total seria mesmo proibido o acesso? Será que em vez de proibir poderiam ser concedido acessos limitados? Por exemplo: Um máximo de 10/15 acessos por mês que teriam de ser pedidos com antecedência; cada pessoa só poderia entrar nestes espaços 1 vez por ano e teriam de ser locais onde o acesso se fizesse de forma segura. Digo isto porque, na mata do cabril, por exemplo, há ainda património humano que cada vez está mais esquecido. Há uma série de pontes e até abrigos pastoris no interior da mata que cada vez estão mais inacessíveis e esquecidos. Será que devemos cortar o acesso total e deixar tudo isto cair no vazio? Em certas zonas talvez sim, mas não sem antes ver o que ainda lá persiste

Rui C. Barbosa disse...

É uma excelente questão.

Na minha opinião, a situação poderia ser resolvida com um estudo sério e profundo dessas zonas, com uma catalogação intensiva do património edificado lá existente (aliás, é o que o PNPG já deveria ter feito logo desde o início).

Essas zonas não teriam de ficar «dentro» das Áreas de Protecção Total.

As condicionantes à visitação teriam, a par das mesmas nas outras áreas de protecção, de ser bem estabelecidas.

Francisco Ascensão disse...

Concordo perfeitamente um estudo das áreas em questão seria essencial, e não só das em questão, mas do parque nacional em geral. É pena que muitas destas ideias fiquem por aqui e nem cheguem aos ouvidos dos dirigentes e responsáveis, oxalá que este plano de ordenamento traga benefícios para o futuro do PNPG.

Só uma pergunta Rui, o próximo plano de ordenamento tem de entrar em vigor brevemente certo? Já passou da data limite o atual, ou estou errado?

Rui C. Barbosa disse...

Sim, já deveria estar em vigor, mas ainda nem começou a ser discutido.