domingo, 3 de junho de 2018

A última luz no fechar do olhar


Escolhi o sítio para os meus últimos dias... 
Será ali, vês?
No alto daquelas serras imensas e altaneiras onde só eu vou chegar
De cristas escarpadas e longos vales
Onde os horizontes são largos e infinitos
E o céu se enche de estrelas e véus de negritude
Por entre o silêncio e as sombras
Por entre o granito e as árvores de ramos retorcidos
Talvez à luz cinéria de uma tímida Lua d'Inverno
Entre as memórias e os rasgos de saudade
Caminhando nas florestas de silêncio 
Sentindo os últimos raios de Sol do meu último dia
Olhando a tremeluzente luz das estrelas que vão preenchendo o meu último vislumbre
Fico deitado nos dias do fim onde vou sentindo o frio a chegar, empurrando as nuvens que pejam o céu 
Tomando conta do meu corpo e envolvendo o meu ser
Entorpecendo os movimentos e turvando o olhar
Lentamente e inexoravelmente, ela vai chegando
A Morte vem vestida de negro com um véu esvoaçante na brisa tépida da noite
Com as suas mãos frias toma o meu corpo e eleva-me às profundezas da Terra 
Na negritude dos dias
E assim, vou chegando ao fim
...
Os sons que se tornam murmúrios cada vez mais ténues 
E uma voz que vai chamando por mim
Por entre os ecos infinitamente repetidos nas galerias escuras 
As lágrimas traçam o meu rosto que escondo por detrás das mãos já frias
A última luz no fechar do olhar 
Despeço-me de ti...
...e transformo a saudade na esperança do teu último beijo.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)