As lendas são o que são, não passam de narrativas que são transmitidas oralmente, tentando explicar acontecimentos misteriosos ou sobrenaturais, misturando factos reais,com imaginários, que se vão modificando através do imaginário popular.
Ora, ouvindo eu as histórias da antiga peregrinação à fonte, bem como os milagres da sua Santa água que, em tempos antigos, provocava romarias e querendo saber a razão desta devoção, além de também entender porque razão esse interesse se foi diluindo, resolvi juntamente com o Márcio Azevedo, mais conhecedor dessa zona do que eu, fazer uma caminhada na procura da Fonte Santa de Penacriva e tentar descobrir a milagrosa fonte que deixou de fazer milagres e o que de especial ela tinha.
Já a caminhada ia a meio quando encontrámos o "Ti" António da Adelaide a apascentar calmamente as suas cabras do alto dos seus 87 anos, a quem perguntámos informações sobre a famosa fonte, ao que prontamente respondeu: "ui,aquilo é muito antigo, já o meu avô falava que no tempo dele vinham pessoas de todo lado, de Montalegre, Pitões, Galegos, sei lá... Vinham de muitos lados, com cabaças e odres e levavam água... diziam que era Santa que fazia bem aos olhos, e às feridas, alguns passavam água por todo o corpo, aquilo ali é muito antigo. Deve ser para aí do tempo dos Mouros."
Depois de ouvir a explicação do "Ti" António, lá continuámos a caminhada até Penacriva, ao chegar lá, viramos a esquerda por um trilho cheio de fetos e árvores e tojos, muito fechado e que tornava a fonte quase imperceptível pela densa vegetação, mas ao fim de uns 60 metros e ao fundo de uma corga, lá estava ela, a Fonte Santa de Penacriva, uma fonte normal, quase sem água, igual a tantas outras, não fosse o local distante e ermo.
Passamos algum tempo a observar o local e a tentar perceber como era possível, aquela fonte ser tão conhecida e falada, uma fonte Santa e sagrada, capaz de fazer as pessoas percorrer dezenas de quilómetros em busca da sua água.
Cumprido que estava o objectivo de ver a Fonte Santa, era a hora do regresso a S. Lourenço, local do começo da jornada, é aí que me despeço do Márcio e vou aldeia abaixo em direcção a Cabril, quando encontro a "Ti" Maria,que logo me pergunta: "ó Ulisses o que andas a fazer por aqui?" Ao que eu lhe digo que fui ver a Fonte Santa de Penacriva. E ela sem mais demora,diz-me: "Ah...é uma água muito boa, já os antigos falavam que vinha muita gente, até de Espanha, à procura da água, agora ninguém vai lá, em Junho tinha aqui um sinal na cabeça e fui lá buscar umas garrafas, o que é certo é que com a água e com uma pomada, lá desapareceu... Ainda tenho ali uma garrafa guardada."
Assim terminou da melhor forma a minha caminhada. Como terá começado a lenda? Penso que se perdeu o seu começo nas brumas da memória, a sua pouca procura nesta altura, já é mais fácil de compreender e explicar, mas ainda há procura e a "Ti" Maria é disso exemplo. Quanto a mim, não sei no que acreditar... Mas pelo sim pelo não, lá bebi um golinho de água e lavei as mãos e a cara, só por causa das coisas...
Texto e fotografia de Ulisses Pereira
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