quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Trilhos seculares - Entre Vilarinho da Furna e a Picota

 


Visitar Vilarinho da Furna, a aldeia mártir submersa pelas águas da barragem que lhe quis tirar o nome, é uma experiência transcendental, porém, somente quando feita no silêncio de uma manhã e longe do rebuliço mercantil e tabloide a que por vezes é condenada.

Caminhar na suas ruas por entre as decrépitas ruínas que de ano para ano se transformam em amontoados de pedras desordenados, transporta-nos numa viagem interior, talvez só possível a quem por lá caminhe sem o intuito de uma fotografia parola no Instagram ou um reels efémero que será perdido na vaidade do momento.

Vilarinho da Furna sente-se. Vilarinho da Furna chora-se. Vilarinho da Furna revolta!...

Requiem

Viam a luz nas palhas de um curral,

Criavam-se na serra a guardar gado.

À rabiça do arado,

A perseguir a sombra nas lavras,

Aprendiam a ler

O alfabeto do suor honrado.

Até que se cansavam

De tudo o que sabiam,

E, gratos, recebiam

Sete palmos de paz num cemitério

E visitas e flores no dia de finados.

Mas, de repente, um muro de cimento

Interrompeu o canto

De um rio que corria

Nos ouvidos de todos.

E um Letes de silêncio represado

Cobre de esquecimento

Esse mundo sagrado

Onde a vida era um rito demorado

E a morte um segundo nascimento.

Miguel Torga

Barragem de Vilarinhos da Furnas

18 de Julho de 1976

No dia em que me levantei cedo para visitar Vilarinho da Furna, o céu surgiu tingido de tons plúmbeos e por vezes a chuva transformou o cenário da aldeia. As águas estavam calmas e tranquilas, mesmo perante um vento que teimava frio. Porém, as nuvens acabariam por se transformar em farrapos num tapete azul.

Deixei Vilarinho para trás quando chegou o primeiro carro, destruindo a tranquilidade do local. «Fugindo» através das bouças e atravessando o Livro Aberto, chegava de novo ao caminho florestal para me ir cruzando com aquelas pessoas que não cumprimentam nem respondem a um 'Bom dia!"

Caminhando em direcção à barragem, decidi então enveredar pelo Vale Tejo e subir à Picota para vislumbrar Campo do Gerês e a Veiga de S. João, numa altura em que o ar ainda era fresco. Lá em cima, o calor já se faria sentir...

















































































Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)


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