quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Trilhos seculares - Caminhada à Corga das Mestras e Cigarra

 


O colosso granítico de Borrageiros é uma característica que não se perde por parte de quem caminha pelos carreiros mais selvagens e silenciosos da Serra do Gerês. Na sua altivez, marca uma área da montanha geresiana que nos envolve de mistério e História, albergando à sua sombra as velhas ruínas e restos de uma secular exploração mineira. A caminhada até Borrageiros passando pela Corga das Mestras não é fácil e demasiado longa para os dias curtos de Outono, mas o Verão, com os seus tórridos dias, dá-nos a janela de oportunidade para que a caminhada se concretize.

A jornada começou na Portela de Leonte seguindo na direcção da Chã de Carvalho e Vidoal. O dia nasceu fresco, como que a ajudar a descansar do cruel estio que o ano nos trouxe. O calor abrasador secou a paisagem que se transformou numa paleta de tons amarelos e ocres por entre a penedia granítica, seca e agreste.



Subindo em direcção ao Vidoal, o Pé de Cabril estava envolto num mar de nuvens que se dissipava à medida que o Sol se erguia e reinava nos céus. Apesar da seca que é sentida, as fontes na serra iam brotando a água fresca que ajudava aqui e ali, a aplacar a sede ao longo do dia e a refrescar a pele exposta ao Sol. Assim aconteceu na Fonte da Borrageirinha, após passar o Colo da Preza e subir à Chã da Fonte, apesar de a manhã ainda ser curta.

Seguindo pela turfeira da Gralheira, sem os habituais charcos, chegava à Lomba de Pau e depois descia para o Conho. Aqui, mais uma paragem na fonte do curral e um pequeno descanso à sombra dos grandes carvalhos cujos ramos balançavam ao vento. Por esta altura, já havia tido a visão do colosso de Borrageiros e dos cumes de Porta Roibas que, desta vez, não seriam o destino da jornada.


Descendo para Porto de Vacas, onde já não corria água e onde o pequeno charco de águas paradas servia de último refúgio a uma cobra de água e a alguns anfíbios, chegava então à passagem entre o Curral da Pedra e os Prados da Messe, seguindo então para o Rendeiro. Nesta transição tenho sempre a sensação de que entro num Gerês mais selvagem onde o silêncio é mais profundo e as paisagens mais pujantes perante o isolamento e a imensidão dos espaços. Apesar de se caminhar através de pequenos corgas ou vales, estes vão-se abrir a Sul e transformar-se em profundos rasgos na paisagem, agigantando as encostas que se elevam aos altos cumes de granito com as suas peculiares formas esculpidas pela passagem das eras.

O caminho que se percorre leva-nos a passar perto do Curral de Bezerros e do Curral de Premuinho (Premoim) antes de entrar na Corga de Valongo e no Corrego de Cambeiro. O carreiro vai percorrendo a encosta e ladeando o Cabeço de Valongo, mas no ponto onde flecte à esquerda, surge a oportunidade de continuarmos a Sul e logo ali descobrirmos os primeiros vestígios de uma velha exploração mineira contemporânea da exploração que existiu em Borrageiros e que terá sido realizada na mesma altura dos trabalhos realizados em Cidadelha (Cidadelhe). Esta exploração (Mina de Arrocela) foi desenvolvida a céu aberto e as suas escombreiras e direcção filoneana são bem discerníveis.



Por esta altura queria seguir para os velhos Currais de Arrocela (Curral de Borrageiros) que já não visitava há vários anos. Recordava-me da presença de velhas mariolas por aquelas paragens; algumas associadas à pastorícia e outras certamente indicando os caminhos dos carvoeiros nas suas idas e vindas das aldeias sobranceiras ao Rio Cávado para o Curral do Teixo onde o carvão seria vendido para as Caldas do Gerês na primeira metade do século XX. Na passagem por aquelas paragens neste dia, não deixei de notar que poucas mariolas restam... Assim, seguindo pelo que resta dos velhos carreiros e fazendo algum corta-mato, acabei por passar pelo Cabeço da Arrocela e chegar aos currais onde tranquilamente descansavam duas vacas.

A passagem pelo curral foi rápida, o suficiente para beber água e fotografar os abrigos pastoris ali existentes (um forno pastoril, uma pala e os restos do que teria sido um forno pastoril agora alagado). Dirigi-me então na direcção do titã que se ergue majestoso sobre a Corga das Mestras. Os efeitos da seca eram bem visíveis em toda a paisagem e o silêncio fazia adivinhar que o curso de água lá, no fundo, estava quase exangue.



Estando sobranceiro ao vale, acabei por encontrar as mariolas que indicam a descida através da margem direita e fui descendo à medida que Borrageiros parecia que se agigantava na paisagem. Por esta hora, o Sol já queimava sem piedade e qualquer sombra serviria de abrigo para o merecido descanso. Passando pelo Curral das Mestras, segui então pela Cigarra, galgando encosta acima até ficar sobranceiro à paisagem do Couço (Couce) com os seus vários currais. Encontrada uma pequena sombra com o Sol a pino, foi hora do descanso e de um pequeno repasto.

Depois do merecido descanso era hora então de encetar o regresso. Passando de novo pela Cigarra, segui pela chã que me levou à Corga de Arrocela e daqui entrei de novo no Corrego de Cambeiro, subindo depois a Corga de Valongo até encontrar o carreiro que me levaria às imediações da Torrinheira (Cabeço da Cova da Porca). Seguindo já na direcção da Chã do Cimo da Água da Pala, decidi passar pelo cimo da Ravina da Cova da Porca que encima parte da Corga do Cagarouço. A paisagem neste ponto é magnânima, intensa e única, permitindo vislumbrar a Corga do Cagarouço em todo o seu esplendor.



Deixando para trás esta magnífica paisagem onde o «outro» lado do Vale do Alto Homem está «mesmo ali à frente», segui então na direcção do Rendeiro, fazendo depois o trajecto inverso em relação ao que havia feito na manhã.

Ficam algumas fotografias do dia...



















































Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

1 comentário:

Francisco Ascensão disse...

Rui, sei que esta publicação não é de agora, mas à que comentar, tão magnífica jornada!
Estes são daqueles posts do blog que se esperam à anos!!
Magnífico! Curral de borrageiros e curral da corga das mestras no mesmo dia, é uma caminhada de homenagem à montanha! Só faltava haver a junção ao curral de absedo, para se tornar no tour dos currais extremos da serra do Gerês!
Para mim o curral de borrageiros é um dos mais interessantes que algum dia possa visitar. E tal como o Rui disse à uns anos... Currais "Extremos na paisagem agreste, extremos na dificuldade em lá chegar, extremos nas condições que apresentam e extremos na rudez e na dificuldade com que o homem serrano um dia, perdido na memória das gerações passadas, decidiu que ali seria um bom lugar para abrigar os seus animais. Tempos idos, dos quais hoje somente restam pedras e silêncio."
Eu nunca lá fui, mas todas as fotos, descrição e qualidade do post em si, ajudam a imaginar o que será estar nesses currais no profundo isolamento da serra geresiana, na serra que tanto adoro e que cada vez mais tenho vontade de conhecer! Como remate deste comentário deixo outra transcrição do post maravilhoso do "tour dos currais extremos" e o desejo de um dia partilharmos uma caminhada até estes três currais: absedo, mestras e borrageiros! "Todas aquelas paisagens são a História viva onde as figuras de Absedo nos levam a milhares de anos atrás. Memórias cravadas no granito, esta é a serra viva, o Gerês que poucos conhecem e o Gerês que nos põe a pensar ao passar num vislumbre de uma sombra, de um muro de pedra solta, de um entalhe numa rocha, do serpentear de um caminho. A paisagem descreve-se com mil palavras, mas há sempre mais uma e mais outra a dizer.

Este é o adjectivo supremo, a palavra que mais enaltece os sentimentos, a dureza, o cansaço e a satisfação de lá estar e de lá ter estado, na ânsia de lá voltar! Algo nos prende lá e algo de nós fica lá. Algo nos impele a lá ir através de corgas e dos altos, das lombas e dos ribeiros, vencendo o calor ou o frio com que a serra nos brinda e acolhe. " Boas caminhadas Rui!