terça-feira, 24 de setembro de 2019

O impasse na construção da estrada para as Minas dos Carris


A actividade de reparação da estrada florestal entre a Portela de Leonte e a Portela do Homem que assistimos no Verão e Outono de 2019, terá sido a mais intensa desde 1943 quando a sua construção ia percorrendo as vertentes do Vale do Homem em direcção aos pontos mais elevados da Serra do Gerês.

Com os trabalhos de abertura e melhoramento da estrada entre a Portela de Leonte e os Carris a terem início em Maio de 1943 e a decorrerem a bom ritmo, a Sociedade Mineira dos Castelos é surpreendida a 18 de Agosto com uma comunicação por parte do Engenheiro Chefe da 1.ª Circunscrição Florestal que refere que o Sub-Secretário da Agricultura havia determinado que ficava sem efeito o despacho emitido a 19 de Maio que autorizava o arranjo do caminho entre a Albergaria e os Carris ao longo do Rio Homem.

Em meados de Agosto os trabalhos haviam já avançado cerca de 6,2 km numa empreitada que envolvia cerca de mil operários. Esta imposição veio directamente do Ministério da Guerra, segundo Luiz de Castro e Solla. Perante esta situação que ameaçava o decurso dos trabalhos de exploração mineira nas concessões situadas nos pontos mais elevados da Serra do Gerês, Walter Thobe decide enviar, a 26 de Agosto, uma exposição escrita ao Director-Geral de Minas e Serviços Geológicos. Nesta carta, Walter Thobe vai referir os trabalhos já realizados na construção da estrada e os efeitos nefastos que a suspensão dos trabalhos trará para o desenvolvimento do campo mineiro e para a economia local com o despedimento de centenas de operários.

Porto, 26 de Agosto de 1943

Exmo. Snr.
Engenheiro – Director Geral de Minas e Serviços Geológicos,
Rua do Comércio,
Lisboa

Exmo. Senhor:

Refª. Reparação e melhoramento do caminho que, acompanhando o Rio Homem, vai de Albergaria ao ponto trigonométrico Carris, na Serra do Gerez

Como é do conhecimento de V. Ex.ca, é esta Sociedade detentora, quer por concessões, pedidos de concessão e registos, de uma longa área mineira, a qual pretende fazer a exploração, além de wolframio nas respectivas concessões, sobremaneira de molibdenite.

Estão em curso estudos para o apetrechamento adequado de maquinismo, etc.

Dentro destes estudos verificou-se que, como primeira necessidade para a realização do plano de exploração industrializada, deveria existir a faculdade da utilização de um caminho que permitisse a condução dos maquinismos.

Verificado que, a área em que poderia ser utilizado caminho está subordinada à 1ª Circunscrição Florestal da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas do Ministério da Economia:

- Em 20 de Abril do corrente ano apresentamos á dita Direcção-Geral requerimento, acompanhado de croquis, pedindo autorização para a reparação e melhoramento do caminho que, acompanhando o Rio Homem, vai de Albergaria ao ponto trigonométrico Carris, isto é: até à nossa concessão denominada “SALTO DO LOBO”.

- Em 24 de Maio deste ano comunicou-nos o Exmo. Sr. Engenheiro Chefe da 1ª Circunscrição Florestal “que por despacho ministerial de 19 de Maio tinha sido concedida a autorização solicitada”.

- Em 22 de Junho a mesma autoridade comunicou-nos que também tinha sido autorizado, igualmente por despacho ministerial de 16 de Junho, a utilização do caminho Leonte – Albergaria segundo havíamos solicitado a 3 de Junho.

Esta autorização foi-nos dada mediante condições que, embora duras e severas, por nós foram aceites e rigorosamente cumpridas, do que há testemunho dos próprios Serviços Florestais.

Em face de todas estas autorizações, iniciamos os trabalhos com largas equipas de operários, cujo número chegou a atingir perto de 1.000.

Os trabalhos seguiam sempre sob rigorosa fiscalização dos Serviços Florestais que nunca nos fizeram reparos.

Em meados de Julho, tanto os trabalhos efectuados referentes ao caminho como a própria região das minas, foram visitadas pelo Exmo. Sr. Capitão Casimiro Gomes, a quem foram prestados todos os esclarecimentos pedidos, inclusive demonstração das autorizações e plantas, sem que tivesse havido qualquer pronuncia de parte deste senhor.

Assim procedendo aos trabalhos, em perto de 3 meses, chegamos a preparar cerca de 6.200 metros, ou seja, mais ou menos a metade do caminho que reputamos indispensável para a condução dos maquinismos.

Inesperadamente e sem que nos fosse dada qualquer outra explicação esclarecendo motivos:

- Em 18 de Agosto foi-nos comunicado, por intermédio do Exmo. Sr. Engenheiro Chefe da 1ª Circunscrição Florestal, que:

“Sua Exa. o Senhor Sub-Secretário da Agricultura determina que fica sem efeito o seu despacho de 19 de Maio p. p. em que autorizava a Sociedade de arranjar o caminho na Serra do Gerez, de Albergaria aos Carris, junto do Rio Homem, e de forma que os trabalhos paralisassem imediatamente”.

Não obstante da gravidade que para nós contém esta ordem, fizemo-la imediatamente cumprir, isto é, ordenamos a imediata paralisação dos trabalhos.

Permita-nos, todavia, V. Exa. ainda algumas observações a este respeito:

- Foram surpreendidos por esta ordem cerca de 800 homens, dos quais, grande parte, chefes de família, que, de um dia para o outro, tivemos de despedir, tirando-lhes, assim, o ganha pão que, pelo menos, até alturas do inverno, estava garantido, ficando, assim, aumentado o rol dos desempregados.

Os nossos planos, de dar a maior número possível de operários, trabalhadores de estrada, uma vez pronto o caminho, trabalhos nas minas quer em transportes de maquinismos, fundações, edificações, trabalhos mineiros, enfim em tudo o que pertence ao largo desenvolvimento da exploração mineira, atenuando assim a falta de trabalho que a conclusão do caminho teria como lógica consequência, pela nova ordem de proibição, já não são realizáveis.

Além disso, vimos de momento, posto em dúvida todos os nossos projectos de exploração, sobretudo a de molibdenite, á qual grandes e fundadas esperanças nutríamos e cuja exploração já há meses está objecto de carinhosos estudos por parte dos nossos engenheiros e geólogos, pois como V. Exa., melhor do que ninguém, sabe, depende dos meios de comunicação e trânsito o desenvolvimento industrializado duma região mineira como a que reputamos ser a da Serra do Gerez.

Rogamos a V. Exa. se digne reconhecer que enormes prejuízos não só há como ainda hão-de advir, tanto para nós como também para a economia nacional desde que a proibição seja mantida.

Ao dizer isso, não somente pretendemos referir ás largas centenas de contos que, entretanto, já gastamos na reparação do caminho, para as quais havemos de pedir indemnização, dada a circunstância de os nossos trabalhos se terem realizado somente depois de prévias autorizações por despachos ministeriais, mas sobretudo às consequências resultantes da não realização dos projectos da exploração a que fomos virtualmente condenados pela proibição dos trabalhos do caminho.

Feita esta exposição a V. Exa., para a qual pedimos a sua benévola atenção, rogamos que V. Exa. se digne prestar-nos o seu valioso concurso para que seja revogada em contrário a já falada proibição.

Aceite V. Exa. os protestos da nossa mais elevada estima e consideração.

Sociedade Mineira dos Castelos, Lda.
O Gerente
Hans Carl Walter Thobe

Sem a possibilidade de poder melhorar o caminho até às suas concessões mineiras, a Sociedade Mineira dos Castelos via-se numa posição delicada. No entanto, parece que a exposição terá merecido a melhor atenção do Director Geral de Minas e Serviços Geológicos, pois a 28 de Agosto era manuscrito no verso de uma das folhas da exposição o seguinte comentário “O Eng. Joaquim Salgado, em 28 / 8 / 1943, disse-me, oficiosamente, que o impedimento da continuação da estrada vinha do Ministério da Guerra.” Na mesma folha está também escrito, “O Sr. Heinz Weber confirmou e disse que tinha falado, pessoalmente, com o Exmo. Sub-Secretário de Estado da Guerra. Não necessitava resposta minha.”

Assim, as melhorias nos acessos às concessões mineiras terão continuado, abrindo uma via vital para o desenvolvimento e modernização do complexo mineiro. Os trabalhos de abertura da estrada serrana eram feitos em condições muito precárias com os trabalhadores a terem de construir os seus próprios abrigos na serra. Estes eram feitos em granito e muitas vezes cobertos de urze e torrões de terra, tal como acontecia em muitos fornos dos pastores serranos.

Texto adaptado de "Minas dos Carris - Histórias Mineiras na Serra do Gerês" Rui C. Barbosa (Dezembro de 2013)

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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