As várias aldeias de Cabril, nasceram e cresceram encravadas entre pedras e fragas na serra do Gerês, com pequenos núcleos habitacionais encostados à montanha, e que fizeram destes povos um verdadeiro paradigma da sobrevivência desde tempos muito remotos. Estas populações tinham na agro-pecuaria a actividade dominante, uma agricultura de minifúndio que era completada com a pastorícia, os animais eram muito importantes. Durante os rigorosos Invernos dormiam por baixo das habitações e eram pastoreados pelos montes paroquiais de cada aldeia e formando a mesma as suas próprias vezeiras.
Quando chegava o tempo ameno e o mês de Abril, era a altura em que as várias vezeiras começavam a subir a serra.
A serra era fundamental aos povos que a escolheram para viver, e o povo quase fazia uma migração para a alta serra, uns para fazer o carvão e outros no volfrâmio. Havia ainda aqueles que arriscavam a vida no contrabando e na passagem de homens para a clandestinidade. Tudo vidas difíceis e muitas das vezes a roçar a miséria, por isso a serra e a montanha sempre esteve enraizada no coração destes povos, para o bem e para o mal era da serra que vinha a sobrevivência, era onde se ganhava algum dinheiro, de onde se cultivava o centeio, onde se buscava o pasto para os animais. ~
Em Abril subiam as vezeiras das cabras, no primeiro dia do mês de Maio era a vez da subida da vezeira das vacas. A subida dos bois só ocorria no fim do mês de Maio, tinham de ficar na aldeia, tinham que carrar o esterco para os lameiros, tinham de lavrar e engradar, era na altura em que eram feitas as grandes bessadas que chegavam a ter mais de 20 pessoas de enchada na mão, por isso a serra dos bois era diferente, era a serra alta que começava a partir da cigarra. tanto a vezeira dos bois como a das vacas tinha o seu próprio vezeireiro que acompanhava e tomava conta deles até ao fim do mês de Setembro eram cinco meses a viver na serra, a dormir nas cabanas e a olhar pelos animais, só regressava a aldeia no dia 29 de Setembro, a partir desta data os animais deixavam de estar guardados e a responsabilidade do vezeireiro para com eles terminava.
Era nesta altura em que alguns dos donos dos animais optavam por deixar ficar o gado mais quinze dias na serra e criavam os vezeiralhos, que eram pequenos núcleos de animais que ficavam para traz e que eram guardados a vez pelos seus donos. Nestas alturas também havia uma maior dispersão dos animais e alguns chegavam-se a perder. O não saber ou perder um animal na serra era sempre encarado como uma preocupação, pois os lobos não andavam a dormir. Muitos recorriam às pessoas mais velhas e respeitadas da aldeia para lhe rezar o responso das coisas perdidas. O religioso e o profano esteve sempre presente nestes povos. O responso era rezado de noite e sem o mínimo barulho para não se enganar, e sempre virado em direcção a igreja e o responso dito era este:
Santo António se levantou
Se vestiu e se calçou,
Seus pés e suas mãos lavou,
E para o paraíso caminhou,
O senhor encontrou,
Que lhe perguntou :
Onde vais tu antonio?
-senhor convosco vou.
-tu comigo não irás,
Tu no mundo ficarás,
O vivo guardarás,
E O perdido encontrarás
Pelo hábito que vestiste,
Pelo cordão que cingiste,
Pelo livro que abriste,
Assim como tiraste o teu pai da sentença falsa
Livrai (aqui diz-se o que se quer responsar) da má sorte,da morte, de lobos e lobas, raposos e raposas e dos males do mundo
Pela honra e glória da virgem Maria um pai nosso e uma avé Maria
Era rezado de joelhos e em silêncio, se quem diz o responso não se enganar o animal não corre perigo, se se enganar, há perigo e é necessário ir logo procurar o animal antes que algo lhe suceda.
Texto de Ulisses Pereira
Texto de Ulisses Pereira
Fotografias © Ulisses Pereira (Todos os direitos reservados)
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