segunda-feira, 30 de junho de 2025

Casas Florestais serão requalificadas em Terras de Bouro

 


Já havia referido a intenção por parte do Município de Terras de Bouro de proceder à recuperação e reutilização de algumas Casas Florestais existentes neste concelho.

O seguinte texto foi publicado na edição n.º 179 do Boletim Municipal disponível aqui.

No dia 11 de Fevereiro foi assinado um Protocolo entre o Município de Terras de Bouro e Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), entidades representadas no ato pelo Presidente da Câmara Municipal de Terras de Bouro, Manuel Tibo e pela Vogal do Conselho Diretivo e Diretora Regional da Conservação da Natureza e Florestas do Norte, Sandra Sarmento, tendo em vista a cedência de 6 casas florestais existentes no nosso território, importante património histórico e que serão assim requalificadas. 

Assim, prevê-se a reabilitação e adaptação da Casa Florestal de Leonte, da Casa Florestal da Pedra Bela, da Casa Florestal da Ermida, da Casa Florestal da Junceda, da Casa Florestal de São Bento e da Casa Florestal do Beiral, algo que o Município de Terras de Bouro já procurava realizar há muito tempo, terá como objetivos: a recuperação das referidas casas; a realização de atividades de dinamização ambiental, preservação e conservação considerando a forte vocação de sensibilização e educação ambiental em torno dos valores naturais do Parque Nacional da Peneda-Gerês; exposições temáticas e outras ações de cunho técnico-científico, de caráter permanente ou temporário; ações de formação, workshops e eventos temáticos, designadamente na área da Educação e Sensibilização Ambiental, dirigidos às comunidades científica e educativa e à sociedade civil; apoio a projetos de investigação e promoção de circuitos de visitação para motivação e incrementação dos conteúdos programáticos e promoção dos recursos naturais do Parque Nacional da Peneda-Gerês.

Importante referir, por último, que relativamente à Casa Florestal da Ermida já existe verba disponível para a instalação de um Centro Interpretativo da Cabra Montês e igual procedimento para a Casa da Pedra Bela, que será reconvertida no Centro Interpretativo da Vezeira. Muito em breve, as obras avançarão nas restantes casas florestais cedidas pelo ICNF.

Imagem: Município de Terras de Bouro

domingo, 29 de junho de 2025

Paisagens da Peneda-Gerês (MDCCCLXXI) - Pé de Medela numa tarde de Verão

 


Descendo para o Prado do Vidoal, Serra do Gerês, surge-nos à distância a paisagem do Pé de Medela numa tórrida tarde de Verão.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

sábado, 28 de junho de 2025

Paisagens da Peneda-Gerês (MDCCCLXX) - Pitões das Júnias desde Currachã

 


A paisagem serrana, em finais do mês de Junho de 2025, mostra-se quase árida, tal como um deserto, onde a falta de água molda os tons das cores da palete com que se pinta um cenário de seca.

Pitões das Júnias encima uma colina de campos amarelados em tons de meados de Agosto, sendo batida pelos ventos secos de Sul. A Capela de S. João da Fraga surge no alto do promontório granítico, altiva como um farol nos dias quentes do estio.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Trilhos seculares - A demanda por Pitões das Júnias

 


Sem dúvida que a grande travessia por excelência que se pode fazer no Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) é iniciada na Portela do Homem e finalizada em Pitões das Júnias. Percorrer os velhos carreiros que a Serra do Gerês nos oferece, é uma experiência única tanto a nível físico como pessoal (da maneira como a quiserem entender!).

Já referi que, em tempos, um dos antigos directores do PNPG perguntava-se como era possível os visitantes não terem um percurso que ligasse estes dois extremos do Parque Nacional na Serra do Gerês? Decorridos tantos anos, tal ainda não existe e, na verdade, não vejo que venha a existir, mas pelo que se tem visto nos últimos tempos, se calhar é melhor que assim seja.

Esta caminhada foi um evento organizado por RB Hiking & Trekking que nos levou desde a Portela do Homem até à aldeia de Pitões das Júnias num magnífico dia de montanha pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês. Neste dia fez-se um percurso de cerca de 27 km, cuja primeira parte envolveu a travessia do Vale do Alto Homem.

Vencido o Vale do Homem, inicia-se uma verdadeira demanda por Pitões das Júnias. Neste tipo de caminhadas, onde o percorrer quilómetros para se atingir o objectivo se torna a prioridade, a concentração é um dos aspectos mais importantes a ter em conta. Saber dosear o esforço tanto a nível físico, como a nível psicológico (sendo este talvez o mais importante) é o segredo para atingir o final e isto torna-se particularmente importante num dia quente, como foi o caso!





Relativamente à travessia que se quer fazer entre a Portela do Homem e Pitões das Júnias é importante referir o total desconhecimento por parte do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e do Parque Nacional da Peneda-Gerês, do estado dos carreiros de montanha. A utilização abusiva e viciantemente aditiva das ferramentas de escritório e o desconhecimento do terreno, leva a que por vezes se proponha a quem desejar fazer uma actividade deste tipo, trajectos que não são os mais aconselhados. Com a justificação de que "não se devem abrir novos caminhos", sugerem-se traçados de percurso que não são utilizados há muitos anos, levando a uma perda de tempo e um despender de esforço nestas actividades que não é aceitável.

Por outro lado, sabemos que partes da serra já não são percorridas pelas vezeiras, perdendo-se os seculares rituais e deslocações que mantinham os caminhos abertos. Isto leva a que por vezes se tenham de percorrer verdadeiros campos de mato o que, associado à má selecção da roupa, possa levar a um certo desespero por parte de quem se desafia a estas aventuras.





Neste dia, prosseguindo pelos velhos carreiros e tomando a orientação das mariolas, seguiu-se na direcção do Salto do Lobo percorrendo a sua margem direita até descermos a Corga de Lamalonga. Daqui, seguimos para o Curral de Lamalonga (Curral do Teixeira) e iniciamos a descida para os Currais da Matança, atravessando de seguida a Ribeira das Negras em direcção à mariola bifurcada. Neste ponto, seguimos para o Curral das Rochas de Matança (já no Vale da Ribeira de Biduiças) e, caminhando na margem direita da ribeira, chegávamos enfim ao Curral de Biduiças. Estávamos assim num mundo de quase silêncio onde os grandes blocos de granito compunham a paisagem por entre o caos e a saudade, numa paisagem glaciar onde a profusão de moreias assinala tempos em que o planeta estava mais frio.

Aqui, perante uma ribeira que se extingue a cada dia que passa neste Verão intenso de calor, tivemos oportunidade de um descanso e de saciada a sede. Seguia-se, talvez, a parte mais dura do percurso.

Atravessando a Ribeira de Biduiças, seguimos para o Curral do Poço Verde e depois para o Curral de Fornalinhos de Baixo, onde fizemos um pequeno descanso à sombra dos seus frondosos carvalhos, retemperando forças. 

Sempre com o colosso dos Cornos de Candela à nossa esquerda, entrou-se na Corga de Pala Nova e seguimos em direcção ao velho Curral d'Arrabeças e daqui subimos para Currachã, perante a magnífica paisagem que nos proporcionavam os Cornos da Fonte Fria e os campos de Pitões das Júnias. 

Nesta altura, o grupo teve de se dividir, pois uma situação inesperada levou a que tivesse de tomar a decisão de não permitir que um dos elementos do grupo continuasse o seu desafio. O calor, a quase desidratação e o cansaço, foram os sinais para um «socorro» em Currachã.

O resto do do grupo prosseguiu a sua demanda, atravessando o Ribeiro de Teixeira já com os olhos postos no objectivo final da caminhada. Porém, faltava ainda a passagem pelo Fojo de Pitões das Júnias (um belo fojo de cabrita) e o Carvalhal do Teixo, tomando então o caminho para a Mata do Beredo e para o Porto da Lage, iniciando então a «interminável» subida para Pitões das Júnias.

Ficam as memórias e algumas fotografias do dia...











Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

sexta-feira, 27 de junho de 2025

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Trilhos seculares - Por Fechinhas e ao Curral de Bezerros

 


O problema de escrever sobre as caminhadas «muitos» dias depois, é que muitas das notas mentais acabam por ser esquecidas, ficando apenas uma memória ou outra memória visual dos locais por onde passo.

Foi o que aconteceu nesta caminhada cujo objectivo era o de recordar um velho carreiro que une (ou deverei já dizer 'unia') o Curral de Bezerros ao Curral de Fechinhas e que havia percorrido há já muitos anos. Apesar de algumas das mariolas ainda lá se encontrarem, a verdade é que já existem poucos vestígios do carreiro numa zona onde a vegetação cresceu, ocupando toda a paisagem. Daquela passagem, fica a recordação de um rio seco em Junho e a cabra solitária galgando a encosta a caminho de Porta Roibas.

Como muitas incursões na Serra do Gerês, esta começou na Portela de Leonte. Local de inauguração do Parque Nacional da Peneda-Gerês, em Outubro de 1970, ali podemos ver a triste memória de uma casa florestal que serve de postal de boas-vindas a quem visita o coração do nosso único Parque Nacional. Herdeira da anterior casa que ali existia, o actual edifício serviu de moradia a um Guarda Florestal durante dezenas de anos até que a imposição de uma suposta melhor gestão dos recursos financeiros do país veio ditar a extinção daquele corpo de vigilância e de cuidado da floresta, e o consequente abandono destas casas. Com o passar dos anos, muitas deles arruinaram-se por completo e outras ficaram destinadas ao silêncio, sendo poucas as que têm uso nos nossos dias.



A manhã surgiu com um ar fresco a contrastar com os dias anteriores. Farrapos de nevoeiro percorriam as encostas serranas e na Portela de Leonte uma leve nevoa criava jogos de luz por entre as ramadas dos grandes cedros. Caminhando pela floresta, o carreiro que se dirige a Nascente vai-nos fazer subir a Costa do Murjal e em breve chegamos a uma velha calçada que nos facilita a subida. Logo no início vemos os sinais da milenar ocupação do território e a marca da pastorícia está sempre presente. Não sei se este lajeado terá sido construído pelas populações ou se terá sido construído pelos Serviços Florestais para facilitar o acesso aos pastos de altitude numa altura que se tentava amenizar a relação destes com as populações locais. Aquele ziguezaguear encosta acima, não deixa de ser uma obra notável de resiliência e da vivência nestas paragens.

O caminho serpenteia serra acima e em breve a forma do Pé de Cabril que nos vigia a cada passo que damos, vai-se afundando na paisagem que se alarga para outros horizontes. Com o caminho a tornar-se menos inclinado, somos chegados à Chã do Carvalho e daqui a vista já alcança outras serranias do Parque Nacional. No entanto, o nosso olhar tende a perscrutar os relevos mais próximos e o Vale de Maceira com os seus pináculos no Pé de Medela e em Carris de Maceira acaba por chamar a nossa atenção. Para lá da mancha verde da Mata de Albergaria, ergue-se a serra que se despe de árvores e a Serra do Gerês dá lugar à Serra Amarela encimada pelas antenas erectas na Louriça.





O caminho continua, serpenteando, por entre a penedia. A vegetação rasteira define a paisagem por estas paragens, apenas para ser substituída pelos velhos carvalhos, azevinhos ou teixos nos curais, prados ou linhas de água mais abrigadas. Somos chegados ao Prado do Vidoal com o seu abrigo pastoril e a sua mariola central. Situado à sombra do Outeiro Moço, o Prado do Vidoal (muitas vezes erradamente designado como "Mourô") é um dos típicos prados de altitude que se pode encontrar na Serra do Gerês. É também um livro de História, para os mais atentos, mostrando os vestígios de ocupações anteriores com os restos de abrigos pastoris há muito abandonados ou mais contemporâneos.

Neste dia, para deixar o Prado do Vidoal, decidi seguir pela encosta Norte do Outeiro Moço e chegar ao Colo da Preza por Poente. Estes carreiros vão sendo mantidos abertos pela passagem dos animais das vezeiras e foi mesmo a vezeira que iria encontrar pouco depois de passar o Outeiro Moço. Tirando partido da brisa da manhã que lambia as alturas, os animais ali estavam a gozar de um descanso que os dias estranhamente quentes do início do Verão nos trouxeram. Usando espertas passagem por entre pequenas corgas, acabaria por descer para o Colo do Preza tendo já como visão o «longo» Vale de Teixeira com os seus dois magníficos prados.





Para chegar à Chã da Fonte, decidi seguir pelo carreiro que me levou a passar pelo Enfragadouro. Nos nossos dias é difícil imaginar como seria a vida nas nossas aldeias mesmo na primeira metade do Século XX, quanto mais nos dias que se escondem nas brumas do tempo. A vida na aldeia é muitas vezes representada de uma forma idílica, onde a paz e o sossego reinam nos dias vividos ao ritmo das estações. Porém, existem aspectos muitas vezes escondidos que mostram que a nossa Humanidade muitas vezes se aproximam de uma condição animalesca, mesmo tendo em conta que o comportamento dos animais é, em muitos aspectos, mais humano do que muitas das nossas atitudes.

Existem duas histórias que sempre me impressionaram e que mostram que o valor do ser humano dependia da sua utilidade para a sociedade na qual estava inserido. A lenda do acto de 'enfragar' é um cruel exemplo disso mesmo. Em certas aldeias do Gerês conta-se a história de que em dias perdidos na memória dos homens, os filhos levavam os seus pais até uma zona erma, umas fragas próximas de um abismo. Chegados ali, entregavam aos seus pais já velhos uma manta para o proteger do frio enquanto o idoso aguardava pelo chegar da sua hora. Certo dia, um filho levou o seu velho Pai até uma fraga perto da Cascata de Leonte e ali chegados entregou a seu Pai uma manta para o proteger do frio. Quando o Pai viu o que o filho iria fazer, rasgou a manta a meio e entregou uma das metades ao seu filho dizendo-lhe, "Pega esta metade, pois vais precisar dela quanto a tua hora chegar..." Desde então, nenhum velho Pai foi «enfragado»!





Outra história é contada no livro "Minas dos Carris - Histórias Mineiras na Serra do Gerês" (Rui C. Barbosa, Dezembro de 2013). Esta é a história do «abafador» e é assim relatada, "...a história do Abafador contada por um vezeiro a Virgílio de Brito Murta e que dizia que “na sua aldeia, que ficava lá na Serra,”por trás do sol-posto quinze dias”, perto da fronteira (se não estou em erro chamava-se Vilarinho de qualquer coisa), não havia médico, guarda, junta de freguesia, escola, correio, nada mesmo. As doenças eram tratadas por meio de mesinhas caseiras e/ou pelas artes de Bruxaria. Se os doentes se curavam, tudo bem, se não se curavam ou já eram velhos demais, não podendo trabalhar, então “os homens bôs” reuniam-se no largo da aldeia, debaixo de uma árvore, e decidiam o que fazer com o enfermo. Se chegavam à conclusão de que o doente não tinha cura, convocavam o Abafador para resolver o assunto. Este vizinho, cujos méritos eram reconhecidos por todos, entrava no quarto do doente, conversava um pouco com ele e depois “abafava-o” com uma almofada, ficando assim a Comunidade livre de um elemento improdutivo. E a coisa ficava por aí mesmo. Claro que um dia, quando o Abafador perdesse qualidades, seria substituído por outro, que o abafaria, se ele não tivesse a sorte de morrer antes…”

Assim, e tentando separar a lenda ou mito da realidade, a existência do topónimo "Enfragadouro" pode atestar estas histórias, se bem que tentar saber a sua origem seja quase impossível: era ali onde se «enfragavam» os velhos ou seria ali onde os animais se perdiam?





O caminho pelo Enfragadouro leva-nos à Chã da Fonte. Ora, muitas vezes - e há falta de uma observação atenta - justifica-se o topónimo com o que nos parece mais óbvio. Assim, a existência de uma fonte mais acima no caminho serve como justificação deste lugar. Porém, por que é que uma fonte tão afastada iria servir para designar este lugar? De facto, ali existia uma velha fonte da qual os restos ainda são visíveis para quem sobe vindo da Pegada das Ruivas e foi esta fonte que deu nome àquela pequena chã e não a fonte que se encontra mais acima na direcção do Arco do Borrageiro. A esta fonte que se encontra no meio da vegetação dá-se o nome de "Fonte da Borrageirinha".

Nos tempos do Gerês Clássico de finais do século XIX e primeiras décadas do século XX, era usual usar-se os termos "Borrageirinho", "Borrageira" ou "Borrageirinha", para se designar ao que hoje denominamos por "Borrageiro" e uma excursão a estas paragens desde as caldas do Gerês constituía um feito para os aventureiros de então.






Pouco depois da Fonte da Borrageirinha, e seguindo na direcção da Chã do Caçador, atingimos o ponto de maior altitude neste dia, descendo então para as Lamas de Borrageiro e seguindo para uma zona húmida de turfeira que por estes dias se encontrava já com muito pouca água. Aqui será a "Chã do Caçador" que se encontra entre a Chã da Gralheira e as Torrinheiras. O carreiro aqui torna-se mais suave ao atravessar uma zona plana, permitindo algum descanso numa jornada que ainda é curta. Passando uma outra pequena corga, o carreiro leva-nos então para a "Lomba de Pau".

A Lomba de Pau é uma zona bastante interessante. Luís Borges apresentou uma interessante explicação para este topónimo: assim, o termo "lomba" estará associado à larga formação geológica que a caracteriza, isto é, uma «lomba» granítica junto de uma zona húmida (paúl). Aqui, encontramos Histórua com os restos de uma pequena mineração, um velho marco de delimitação do perímetro florestal do Gerês efectuado em 1888 e o Curral de Lomba de Pau com o seu "recuperado" abrigo pastoril. Por que razão coloco «recuperado» entre aspas? Mais uma vez, a observação do espaço circundante mostra-nos sinais interessantes que podemos tentar explicar (ou num exercício mais aberto, podemos testar especular). No texto "Um estudo descontraído do dólmen (ou cista) da Lomba de Pau", publicado neste blogue a 2 de Abril de 2025, tento explicar o que penso ser na realidade os restos de um dólmen, ou cista, não estudado ou mesmo referenciado naquele lugar. No artigo refiro que "chego a esta conclusão através da análise visual do local e pelo facto de o abrigo pastoril que se encontra nas proximidades, apesar de apresentar a normal estrutura em falsa cúpula típica dos abrigos pastoris da Serra do Gerês, ser construído utilizando grandes blocos graníticos, ao contrário das inúmeras pedras que constituem os variados abrigos pastoris que podemos apreciar nas serranias geresianas. Estes grandes blocos graníticos terão sido canibalizados do dólmen anexo." A Serra do Gerês terá sempre muitos segredos para nos maravilhar!

Deixando a Lomba de Pau para trás, chegamos a uma das magníficas «varandas» serranas que nos apresenta uma paisagem única: o olhar mergulha na direcção do Curral do Conho e eleva-se, passeando ansiosamente em busca de todos os detalhes e revoltas da serra. A cumeada alarga-se desde a Encosta do Sol, percorrendo a Torreinheira (Cabeço da Cova da Porca), Cidadelhe, Lage do Sino, Altar de Cabrões, Carris e Nevosa, seguindo para o Outeiro do Pássaro e Borrageiros, terminando em Palma. Da profundeza dos vales e da rudeza das corgas surge-nos as encostas que se elevam em Porta Roibas e nas Velas Brancas, vales e corgas percorridos por pequenos ribeiros e cursos de água que irão alimentar os grandes rios mais a juzante. A imensidão dos espaços toma lugar e impõe-se um silêncio na alma numa profunda contemplação da enormidade do que se nos depara perante nós. Ali, à nossa frente, temos Natureza, História, Emoções e a Vida das pequenas aldeias que resistem.

Desço então através das memórias dos dias de neve que compõe a paisagem de forma única. O Inverno irá eventualmente chegar, trazendo os dias frios, o gelo e as cores de uma paisagem que se transmuta a cada momento, tal como nós.





A chegada ao Curral do Conho traz o alívio da frescura da sua fonte. Por estes dias, saber hidratar e manter o nível de energia para aguentar o esforço, é fundamental para evitar problemas nestas (e noutras) montanhas. Após uma pequena paragem, segui então na direcção da Lameira da Mourisca. O carreiro desce inicialmente junto da margem esquerda do ribeiro, atravessendo-o um pouco antes de chegar a uma pequena fecha que fica diante de nós quando voltamos à margem esquerda. Aqui, já estamos num magnífico vale glaciar que desce desde a Mourisca até ao Curral de Fechinas. Guardado por paredes quase verticais, o lugar é um dos espaços esquecidos das vezeiras onde os carreiros se dissipam na memória e os dias passam sem número no calendário. Impéra o silêncio que se quebra aqui e ali com o tímido correr da água que salta em pequenas fechas ou com o restolhar das folas e da era seca debaixo da sola das botas.

Apesar deste dia não surgir muito quente, procuro por vezes o alívio de uma sombra por entre as pequenas manchas de carvalhos que habitam no vale. O caminho vai sendo tomado pela vegetação e as muitas zonas somente as velhas mariolas nos ajudam a poupar alguns metros. Descendo o vale, o caminho segue em parte pelo velho "Trilho da Vezeira de Fafião", um percurso não homologado que, iniciando na aldeia de Fafião, nos leva a percorrer alguns dos velhos currais da sua vezeira.

Sou então chegado ao Curral de Fechinhas com o seu abrigo pastoril que se encontra «à sombra» dos titãs que o rodeiam. As paredes alcantiladas das Velas Brancas impressionam, bem como as encostas que, elevando-se das Sombrosas, cumeiam os altos de Porta Roibas. 





Em ""Fichinhas" ou "Fechinhas"?" tento explicar este topónimo... A toponímia ajuda-nos a compreender os lugares dando-nos pistas sobre as suas características ou sobre acontecimentos que ali ocorreram. Veja-se o exemplo de "Matança" ou o exemplo do caso em questão. Assim, deve-se dizer "Fichinhas" ou "Fechinhas"? Olhemos para o vale que se eleva em direcção à Lameira da Mourisca. O vale é percorrido por um curso de água onde existem muitas pequenas cascatas ou quedas de água. Na Serra do Gerês o termo "fecha" é um regionalismo que significa "cascata". De facto, para manter o rigor da toponímia, não se deveria utilizar este termo (Cascata do Arado, Cascata do Zanganho, Cascata de Cela Cavalos), mas sim "fecha" (Fecha do Arado, Fecha do Zanganho, Fecha de Cela Cavalos), tal como se utiliza em "Fecha de Barjas".

Quando escrevemos "Fichinhas" estamos reproduzir a forma como dizemos (erradamente) o nome, isto é, a sua oralidade e não a reproduzir a sua forma verdadeira, isto é, "Fechinhas" - pequenas quedas de água que existem ao longo do rio que percorre o vale onde está situado o curral. Um erro semelhante surge em "Arrocela"; neste curral foi colocada uma placa com a inscrição "Arrucela". Ou referir "chá" em vez de "chã".

Assim, deve-se escrever "Curral de Fechinhas" e não "Curral de Fichinhas".





Passando o Curral de Fechinhas, chegava então à aventura deste dia. Há muitos, muitos anos recordo-me de percorrer o carreiro entre o Curral de Bezerros e o Curral de Fechinhas. A curiosidade de o voltar a encontrar surgiu há uns meses quando desci do Rendeiro para Fechinhas e deparei-me com as velhas mariolas que ainda resistem por aqueles lados. Era então chegada a hora de reencontrar o velho caminho, no fundo, encontrar memórias não só minhas, mas da presença do Homem na serra.

O Curral de Fechinhas parece ainda não ter recebido a visita da vezeira. Com a erva e a vegetação alta, o caminho disfarça-se e esconde-se por entre os caules secos das abrótegas. Atravessa-se o Ribeiro do Porto de Vacas e começa-se a seguir os vestígios do que há muitos anos seria o carreiro para o Curral de Bezerros. As mariolas, ora maiores, ora mais pequenas, mas muitio antigas, vão ajudando na demanda que parece ser curta, parecia que o objectivo estaria ali, na volta do rio, e que as encostas mais inclinadas seriam fáceis de ultrapassar. Porém, e principalmente em princípios do Verão quando a Primavera já fez o seu trabalho de restabelecer a vegetação perene, o desafia aumenta a cada passo que se dá. De facto, o velho carreiro ia aparecendo em alguns troços, trazendo ânimo à alma, e da mesma forma, a paisagem que ia surgindo, fazia-me parar e levantar o olhar do chão. As Velas Brancas pareciam a proa de um grande navio que percorre as dimensões oceânicas da paisagem que me rodeia. Certamente que em comparação com outros espaços montanhosos, aqueles lugarem são pequenos, mas naqueles momentos em que vivemos «a aventura», em que nos desafiamos e em que o pequeno demónio nos insta a prosseguir, estamos perante algo que nos torna minúsculos perante a sua grandeza relativa.

Enquanto que prosseguia pelo silêncio do vale que se estreitava, onde o rio desaparecera e as rochas do seu leito estavam queimadas pelo Sol, surgiu um restolhar mais adiante. O animal caminhava cuidadosamente por entre a vegetação, mas não se conseguia esconder por completo. Certamente que já me havia visto muito antes de eu o ver a ele. O grande macho de cabra-montês mirava-me de forma inquisitória, talvez interrogando-se o que faria por ali. Mais adiante, mas a uns poucos metros do primeiro animal, surgia um segundo que acabaria por se esconder de forma mais eficaz do que o primeiro que, entretanto, iniciava a subida da encosta para Porta Roivas. Foi um bom momento...





Continuando na minha demanda, procurava na encosta os sinais das mariolas que há muito já haviam desaparecido. No meio do pequeno vale, chegava então à conclusão que o caminho estava já esquecido da memória da própria serra e nem o vislumbre de uma ou outra possível mariola, lhe traria a recordação dos velhos tempos. Subindo a encosta que inclinava, e já a poucas dezenas de metros do Curral de Bezerros, surgiram mais mariolas que atestavam a existência de um velho carreiro, mas do qual já não existiam sinais no solo.

Passando ao ldo do Curral de Bezerros com o seu abrigo pastoril afastado da velha zona de guarda dos animais, segui em direcção ao famoso carreiro que liga os Prados da Messe a Borrageiros, visitando os pequenos altos que definem a paisagem e que permitem que olhar se espalhe ao longo do Vale do Rio da Touça (quando este ainda se chama "Ribeiro de Fechinhas"). O olhar abranje desde o Cocão das Quebradas e as Velas Brancas até Porta Roibas, passando pelo Curral de Fechinhas e Sombrosas.

Chegando ao carreiro já por muitas vezes calcorreado, este levou-me ao Rendeiro e de seguida aos Prados da Messe onde a vezeira di Vilar da Veiga já havia chegado, mas antes do tempo. Após o já mais do que merecido almoço e descanso, o regresso à Portela de Leonte fez-se ao passar ao largo do Curral da Pedra e atravessando o Ribeiro do Porto de vacas até chegar ao Curral do Conho, fazendo o carreiro em sentido inverso que havia feito de manhã.

Ficam algumas fotografias do dia...


















Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)