domingo, 19 de janeiro de 2025

Trilhos seculares - Por caminhos onde falta a memória

 


Naqueles dias, a Serra do Gerês era atravessada por uma rede quase infinita de carreiros que nos levavam aos mais diferentes pontos das montanhas. A sua utilidade era variada: por vezes conduziam-nos aos velhos currais; outras vezes pareciam conduzir a lado algum, perdendo-se na imensidão dos espaços e na imensidão da memória.

Com uma ocupação milenar, a serra foi sendo moldada pelo Homem que dali retirava o seu sustento e sobrevivência. Afastado do burburinho das cidades e da vida cosmopolita pelas distâncias que se tornavam maiores pela dificuldade dos acessos, as gentes viravam-se para as corgas fundas, vales profundos, prados e currais de retinham memórias de outros tempos; para lá dos horizontes da serra, o mundo era outro.





As memórias e o conhecimento ia-se passando nas longas noites ao borralho, por entre histórias de lobisomens e bruxas, de encantamentos e fados enquanto os ventos uivavam lá fora ou se atrevia pelas frinchas das portas e das toscas janelas tocadas pela chuva fria ou pela neve que naqueles dias perdurava nos altos.

Quando os dias se alongavam e as neves mostravam os carreiros, chegavam os dias mais quentes e o ciclo das vezeiras repetia-se, imutável e interminável. Porém, a escassez e as dificuldades dos dias que passavam nas folhas rasgadas dos calendários, fizeram com que muitos fossem para lá dos horizontes procurar a fortuna nas cidades ou no novo continente. A memória foi-se turvando e esquecendo ao longo dos anos, levando que os velhos caminhos que as neves iam mostrando fossem desaparecendo dos relatos ao borralho.

As serranias do Parque Nacional estão cheias destes velhos carreiros, ansiosos de nos contar histórias e revelar segredos seculares. Por ali, habitam memórias que se cruzam com velhas mariolas, muros esquecidos e abrigos toscos feitos de pedra solta coberta de musgo e tapeteados por anos de folhas dos carvalhos com os seus ramos retorcidos pela passagem do tempo.




Os nomes das coisas e dos espaços esquecem-se, substituídos pela modernidade incaracterística e pela ignorância que se cultiva a cada publicação nas redes sociais.

Nestes dias, os velhos carreiros levaram-nos a espaços silenciosos por entre o velho mato, passando por fantasmas de árvores, homens de granito, paisagens esquecidas, mariolas que indicam a direcção para lado algum. Os caminhos estão lá, falta-lhes a memória...


































Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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