O Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês (POPNPG) encontra-se numa fase crucial de decisão, ou pelo menos assim deveria estar. Depois das denominadas 'discussões públicas' e com as escassas 200 sugestões por parte de naturais, residentes e daqueles que quase que são considerados personas non gratas pelo Departamento de Gestão das Áreas Protegidas - Norte, e ainda depois da operação de charme e de propaganda lançada nos jornais após a marcha do dia 12 de Dezembro, haveria ainda muito para discutir sobre este plano de ordenamento.
Entretanto, o país real, aquele que não anda dormente nem fantasiado com os futebóis e as novelas, importa-se a debater o que pode ser melhorado, o que deve ser alterado e todas as questões que se podem levantar sobre o futuro daquela área protegida são pertinentes.
Assim o fez no passado dia 10 de Dezembro o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda que dirigiu à Ministra do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, uma série de questões que com a devida autorização aqui transcrevo.
"Ex.mo Senhor Presidente da Assembleia da República,
O processo de revisão do Regulamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) e, em particular, a etapa da discussão pública que agora termina, deixou bem clara a existência de um sentimento de grande desconfiança das populações face à proposta de regulamento que lhe é apresentada. Este sentimento, do conhecimento dos funcionários e responsáveis do Parque, está bem expresso num dos documentos que serviram de base à proposta de Regulamento agora apresentada, que ora se cita: «No caso específico do PNPG o investigador considerou, com base nos depoimentos de alguns moradores, que o mecanismo pelo qual o Parque tem sido conduzido ao longo dos seus quase 40 anos, ou seja, a partir de uma relação distante com os actores locais, faz nascer nas pessoas um espírito de rejeição…» (página 13 do Relatório Síntese da 2ª Fase – Diagnóstico).
Da leitura do mesmo documento, verifica-se que o processo de auscultação das populações teve lugar através da realização de entrevistas à população em apenas três freguesias – Vilar da Veiga, Pitões das Júnias e Castro Laboreiro – ao passo que a auscultação de outros actores decorreu via aplicação de questionário escrito dirigido às Juntas de Freguesia, Comissões de Baldios, Municípios e ainda técnicos e vigilantes do Parque, tendo obtido muito fraca participação.
Durante a fase de discussão pública, em que se realizaram sessões de esclarecimento em todas as sedes dos concelhos que integram o Parque Nacional da Peneda-Gerês, e no seguimento da auscultação que o Bloco de Esquerda realizou junto de vários representantes da população e do actual director do PNPG, verificou-se que o distanciamento entre o Parque e os seus habitantes, apesar de diagnosticado, não foi minimizado e poderá ter ainda sido agravado.
Uma das questões mais polémicas prende-se com a adesão do PNPG à rede PAN Parks, que implica a criação de uma Zona de Protecção Total (ZPT) com cerca de dez mil hectares. Não obstante a proposta de regulamento em análise permitir como actividade humana «o pastoreio tradicional extensivo», o Relatório Síntese da 2ª Fase – Diagnóstico refere que «nestas actividades interditas na zona núcleo do PNPG inclui-se a pastorícia, embora tenha sido aceite pelos verificadores internacionais do PAN Parks a manutenção dos cavalos em regime silvestre na zona núcleo» (página 116).
Da análise do Relatório Síntese da 2ª Fase – Diagnóstico e da alínea f) do n.º 1 do art.º 12.º da Proposta de Regulamento depreende-se que o Regulamento salvaguarda os direitos do pastoreio tradicional. Porém, o n.º 3 do art.º 12.º daquele regulamento refere que o pastoreio tradicional «em casos excepcionais devidamente fundamentados (…) pode ser interditado pelo ICNB, IP, após consulta às autarquias locais territorialmente competentes e, no caso de terrenos comunitários, aos compartes».
Em audiência com o Bloco de Esquerda, o director do Parque garantiu que a proposta de Regulamento repõe os direitos de pastorícia na Zona de Protecção Total, apesar da excepção prevista no n.º 3 do art.º 12.º. Na sequência fica a dúvida sobre se estes direitos não colocariam em causa a certificação do PNPG junto da Fundação Pan Parks. Vale a pena salientar que o director do Parque assegurou que o relatório preliminar, resultante da auditoria feita pela própria PAN Parks, aceita a versão do Plano de Ordenamento, pelo que os direitos da população e a certificação do PNPG estariam salvaguardados.
Pese embora sejam vários os pontos que suscitam a dúvida e desconfiança das populações, alguns aspectos não parecem, de facto, estar bem clarificados na Proposta de Regulamento. Ora, o enunciado do artigo 14.º – que enumera quais os casos em que é permitida a actividade humana nas Zonas de Protecção Parcial de Tipo 1 – tem originado várias interpretações, na medida em que não contém qualquer ponto que clarifique quais as interdições enunciadas não aplicáveis aos residentes. Acresce ainda que o mesmo artigo, no seu ponto 3, suscita dúvidas quanto aos direitos de circulação dos residentes nas duas estradas florestais citadas no documento.
Por seu turno, o artigo 33.º daquele regulamento, referente às «Actividades Desportivas e Recreativas», tem sido igualmente objecto de forte polémica, uma vez que, da sua leitura, se pode concluir que qualquer passeio pedestre «para observação e interpretação da Natureza» está «sujeito a autorização do ICNB, I.P.». Nesta medida, qualquer passeio a pé na Mata da Albergaria, por exemplo, carece de autorização prévia pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês.
O artigo 32.º daquele documento, referente a «Edificações e Infraestruturas», estabelece a obrigatoriedade de «todos os projectos de arquitectura, com excepção das obras de reduzida relevância urbanística, devem ser da responsabilidade de um arquitecto e contemplar, para além dos elementos constantes na legislação em vigor, a sua localização, apresentada em sistema vectorial e georeferenciada». Ora este aspecto tem gerado simultaneamente grande controvérsia, na medida em que o conceito de «reduzida relevância urbanística» não se encontra clarificado, o que origina as mais diversas interpretações e merece as mais variadas desconfianças.
«Também é necessário analisar a questão dos recursos humanos afectos a esta área (Engenharia Civil e Arquitectura), pois os atrasos e morosidades na emissão de licenças podem dar-se justamente por haver carência dos mesmos», tal como definido na página 11 Relatório de Síntese da 2ª Fase –Diagnóstico.
Cabe ainda realçar as conclusões do “Estudo dos Aspectos Socio-Ecológicos do Parque Nacional da Peneda-Gerês: Uma Contribuição Para a Revisão do Plano de Ordenamento”, realizado por Flávio Bezerra Barros (Lisboa, Agosto de 2007), citadas no Relatório Ambiental: «A falta de diálogo sentida pelas populações residentes, pelo que os resultados revelam, parece ser hoje a maior fragilidade do PNPG, e do ponto de vista da gestão de uma Área Protegida que inclui populações no seu interior, este distanciamento funciona como um entrave, dificultando os objectivos do Parque. É justamente esta privação que origina muitos desconhecimentos e conflitos.» (página 10)
Atendendo ao exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda vem por este meio dirigir ao Governo, através do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, as seguintes perguntas:
1. Tendo em conta as conclusões do “Estudo dos Aspectos Socio-Ecológicos do Parque Nacional da Peneda-Gerês: Uma Contribuição Para a Revisão do Plano de Ordenamento”, supra citadas, considera o Governo que o processo de auscultação e de consulta das populações, tal como decorreu, contribuiu para fomentar o diálogo entre o Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) e os cidadãos, bem como clarificar os objectivos do PNPG para o próximo decénio?
2. Entende o Governo que a adesão do PNPG à rede PAN Parks e suas consequências para o quotidiano e futuro das populações foi devidamente explicitada e esclarecida junto da população e seus representantes?
3. Pretende o Governo tornar público o Relatório Preliminar resultante da auditoria que a PAN Parks realizou ao PNPG, em nome do princípio da transparência devida a todos organismos públicos e a bem do tão necessário diálogo que se impõe promover entre o Parque e a população?
4. Atendendo a que a falta de diálogo entre o PNPG e a população foi considerada como um dos entraves à prossecução dos objectivos gerais ou específicos do Parque, não deveria a proposta de ordenamento contemplar a participação da população na definição e acompanhamento da actividade do Parque, entre os 26 objectivos enumerados?
5. Entende o Governo que a proposta de Ordenamento apresentada em discussão pública preserva, de forma clara e inequívoca, os direitos das populações e dos visitantes?
6. Face às notícias que têm vindo a público, às tomadas de posição de populares e de representantes da população e ao descontentamento que tem vindo a ser acumulado nas populações da área do PNPG, pretende o Governo promover o prolongamento do período de discussão pública, de forma a garantir melhor esclarecimento dos actores envolvidos neste processo, bem como uma efectiva auscultação e participação da população?
Palácio de São Bento, 10 de Dezembro de 2009.
O Deputado, Pedro Soares
A Deputada, Rita Calvário"
Fotografia © Rui C. Barbosa
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