terça-feira, 18 de abril de 2023

Serra do Gerês - Os segredos do Pé de Medela

 


Altivo na paisagem da Serra do Gerês, o alto de Pé de Medela não passa despercebido a quem demanda os pontos mais elevados da montanha. A sua forma característica, faz-nos lembrar paisagens dos épicos filmes de fantasia e as exclamações surgem quando imaginamos seres míticos por lá a deambular.

De facto, a zona próxima do Pé de Medela terá muito para contar: desde os primórdios da ocupação destas paragens, até aos tempos mais recentes, encontramos vestígios que, ao caminheiro mais atento, desperta curiosidade.

Apesar de já por lá calcorrear vezes sem conta, esta caminhada levou-me a paragens um pouco para lá daquele altaneiro castelo granítico em busca de algo mais.



Como referi, existem pequenos vestígios que nos intrigam. Sejam velhos abrigos em locais inóspitos, pequenos muros de pedra solta ou outros mais consolidados, a área verte História por todos os lados. Infelizmente, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas através do Parque Nacional da Peneda-Gerês, nunca se importou muito por estes vestígios. Estas marcas do passado, que na verdade atestam a presença do Homem por estas paragens desde há milhares de anos, não interessam para nada na narrativa da conservação ou então só se estuda o que verdadeiramente está à vista, pois seria escandaloso que assim não se fizesse.

A demanda do Pé de Medela inicia-se na Portela de Leonte. Seguindo por algumas dezenas de metros o velho caminho dos Serviços Florestais, adentrámo-nos no bosque que ladeia a estrada e concede um cenário bucólico ao Curral de S. João do Campo. Adiante, o caminho vai-se perdendo por entre as ramadas caídas e então subimos à estrada, podendo de quando em vez fazer uma baixada até à margem do ribeiro de incansavelmente corre para o Rio Maceira.



Entremos no Vale do Rio Maceira junto da ponte que liga as suas margens e dirigimo-nos por um carreiro de pé posto na direcção do Curral de Maceira. Abrigado por entre as vertentes do pequeno vale, o curral permanece ali como testemunho dos tempos da vezeira, servindo ainda de abrigo aos animais que por ali vai procurando a sombra no estio do Verão.

No Curral de Maceira iniciamos a subida da encosta que nos levará ao Curral de Carris de Maceira passando pelo que seria o velho Curral das Tábuas. A subida faz-se passo a passo para ir habituando a máquina cardíaca ao esforço matinal. Por detrás de nós, o vale afunda-se e ao longe os espigões do Pé de Cabril vão dominando a paisagem que se inevitavelmente se forma.

Nos idos do volfrâmio, estes carreiros foram calcorreados na busca do ouro negro. Os anos 40 do século XX viram muitas pessoas estranhas nestas paragens em busca de um sustento que depois era vendido às grandes companhias e grupos mineiros. São inúmeros os pedidos de registos mineiros nestas paragens, mas a maioria deles foram efémeros. Restaram os carreiros do pastoreio que ainda hoje traçam a paisagem e nos ajudam a entrar nas «profundezas» da montanha.



Vencida a encosta, chegamos ao topo da Corga do Ribeiro de Cagademos e surge-nos uma nova vertente para subir. Esta, pode ser ladeada pelo lado esquerdo, levando-nos a Norte para o curral, ou então basta seguir as velhas mariolas e passamos não muito longe de um abrigo que, desde a sua posição, domina a paisagem. Exposto aos ventos, a sua localização é sui generis, permitindo a observação de grande parte do vale e do colo que antecede a Corneda, porém afastada das pastagens do curral que ali perto se abriga. Peculiar, é uma construção que sempre me intrigou desde o primeiro momento que a vi. Abrigo de pastoreio? Refúgio de contrabando ou dos primórdios na mineração na Serra do Gerês? Ou algo mais antigo? Serão questões que ficarão sem resposta.

Passando o Curral de Carris de Maceira, rumo a Norte e procuro por velhas mariolas que por ali ainda existam. Aqui e ali vão surgindo algumas que me levantam dúvidas sobre a sua antiguidade. Caminhando e ladeando o topo da Corga do Ribeiro de Cagademos, aproximo-me da profunda Corga do Ribeiro do Forno. A paisagem é soberba e as vertentes alcantiladas que se nos deparam, amedrontam-nos na solidão do momento. Com cuidado, miro a Requeixada na base do Cabeço do Porto de Corno Godinho e vou percorrendo com o olhar as rugosidades graníticas que se elevam até às caóticas Albas. Lá, no fundo, o Ribeiro do Forno vai lentamente fazendo o seu trabalho de ir criando o vale ao longo de milhões de anos, vale esse tapeteado com um coberto vegetal incólume e virgem. Saltando o topo da Corga da Água dos Vidros, sendo 'vidros' um termo local para 'azevinho', o olhar leva-nos ao Cabeço do Cantarelo já nas vertentes do Vale do Homem.




Deixando a hipnótica paisagem, procuro a Fonte do Viveiro de Carris de Maceira que acabo por encontrar num frondoso recanto quase à sombra do Pé de Medela para onde sigo. À medida que me aproximo do colosso, as características ímpares do granito que o forma vão-se tornando cada vez mais peculiares. Visto de perto, o Pé de Medela parece a ponta final que pingou na criação da Serra do Gerês. A última gota de lava que ali solidificou sem dar tempo para se espalhar, conservando assim asa formas peculiares de um vidro que solidifica demasiado cedo. Produto da erosão de milhares de anos, as suas paredes assemelham-se às colunas das medievais catedrais góticas e é essa reverência que nos faz aprofundar um silêncio em sinal de respeito pelo local.

Caminhando, escutamos o nosso coração e o respirar à medida que os pensamentos correm em catadupa. O mais pequeno ruído faz-nos arrepiar na busca de um ser mítico que por ali ainda se esconda, ou então pelas cabras-selvagens cujos vestígios são abundantes. Nas alturas, o vento acalma-nos a pele numa tímida Primavera que se impõe aos poucos pintando um quadro de cor por entre o mar granítico. Pelo caminho, vão surgindo pequenos muros que me intrigam à sombra do colosso. Qualquer ideia será especulativa, mas tento imaginar o seu propósito. Surgindo a possibilidade de trabalhos de mineração naquele local, não encontro nada que para aí aponte e fica então a questão do seu propósito. Estes muros levam-me a recordar outros existentes ali perto na vertente de Carris de Maceira que, em conjunto com pequenas palas, certamente proporcionariam abrigo em noites mais frias.

Tendo como destino o Curral do Conho, tiro partido da passagem à sombra de Carris de Maceira e chego ao topo da Corga do Rio do Forno, descendo então para o Porto de Vacas onde sigo pelo carreiro que me leva ao curral. Não deixa de impressionar, mesmo para quem vai conhecendo estas paragens, a quantidade de velhas mariolas que em tempos idos mostravam as passagens cuidadosamente assinaladas pelos pastores que deambulavam pela serra. Nos nossos dias, as mariolas são muitas delas fruto de grupelhos que não respeitam a paisagem, nem o seu propósito.

A parte final desta jornada levou-me a passar pela Lomba de Pau, seguindo depois para a Chã da Gralheira e Lamas de Borrageiro, abastecendo água na Fonte da Borrageirinha antes de descer para a Chã da Fonte e Colo da Preza, ladeando o Outeiro Moço para chegar ao Vidoal e finalmente descer para a Portela de Homem através da Chã do Carvalho.

Ficam algumas fotografias do dia...




















Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

4 comentários:

Francisco Ascensão disse...

Rui, estas fontes meio "perdidas" na serra que poucos conhecem, como é que continuam a correr? Há limpezas por parte dos baldios a estas fontes relativamente longe dos habituais locais de pastoreio?

Rui C. Barbosa disse...

Neste caso em questão, o termo 'fonte' apenas designa uma nascente. O mesmo acontece com inúmeras outras espalhadas pela serra. Algumas delas não são limpas e o acesso torna-se complicado.

Francisco Ascensão disse...

E portanto a maioria não dá para abastecer pois não?

Rui C. Barbosa disse...

Algumas darão para abastecer, mas talvez não no Verão.