Este texto já foi publicado neste blogue em cinco partes, sendo agora publicado na íntegra.
Desde que comecei a visitar o Parque Nacional da Peneda-Gerês e a partir do momento em que entramos neste mundo mágico de Natureza e presença humana, que procuro saber cada vez mais sobre as suas características, pequenas curiosidades e histórias de definem estas paisagens entre o Planalto de Castro Laboreiro e o Planalto da Mourela com a sua paisagem montanhosa moldada pelo Homem.
Recordo as primeiras visitas ao Soajo e a imensidão dos vales na passagem para a Peneda, uma paisagem que na altura seria das mais selvagens do país e que ainda nestes dias me proporciona uma sensação de entrar em algo único em Portugal.
Nessas viagens nas quais se vai conhecendo um pouco mais do território, sempre me intrigou o momento físico no qual «passava» da Serra de Soajo para a Serra da Peneda. Aquele instante que tão bem é definido noutros limites, aqui sempre me trouxe a curiosidade da sua definição. Por vezes, esta definição não é tão fácil, pois para mim a serra é sempre algo (numa primeira aproximação) definida à distância e temos de aprofundar um pouco mais para conseguir estabelecer limites que a distância não nos deixa definir.
Nos últimos anos, tem surgido um «debate» interessante sobre estes limites, mas que rapidamente se torna numa troca de argumentos muito pouco esclarecedora quando entramos no palco do insulto e da exaltação.
O trabalho que hoje aqui vos apresento faz parte de um estudo do Paulo Costa que pretende esclarecer-nos um pouco acerca desta temática, ajudando a compreender um pouco mais a dinâmica do território a Norte do Rio Lima. Quem nestas palavras escritas vir algo mais do que isso, não vai compreender o objectivo destas linhas e não será merecedor de consideração num debate que posteriormente possa surgir noutros espaços no éter.
Este texto representa apenas, e nada mais do que isso, uma visão sobre o assunto. Em tempos, convidei outros para o fazerem sobre o mesmo tema aqui neste blogue; infelizmente, não houve vontade para isso...
Fica o texto do Paulo Costa...
Serra do Soajo ou Serra da Peneda?
- Notas para aprofundamento de estudo -
A – INTRODUÇÃO
Menciona a história que William Shakespeare (1564-1616) escreveu algumas das suas maiores e melhores obras durante um período de quarentena, que cumpriu na sequência de uma série de pragas que assolaram Londres e Inglaterra entre o fim do século XVI e o século XVII, sendo a Peste Bubónica uma das mais letais, matando um terço da população da cidade britânica e tendo efeitos semelhantes no resto da Europa e outras partes do mundo.
Esta epidemia ficou comummente conhecida como Peste Negra, não apenas devido à sua taxa de mortalidade, mas sobretudo em virtude das manchas negras que fazia surgir na pele dos infectados. A Peste Negra terá atingido o seu auge na Europa entre 1347 e 1351, mas foram surgindo novos surtos ao longo do tempo na Europa, que perduraram até ao início do século XX. A Peste Negra foi uma das maiores pandemias da História, se não mesmo a maior.
Terá sido, precisamente, durante um desses surtos e num período de confinamento, que Shakespeare terá escrito, nomeadamente, “King Lear”, “Macbeth” e “António e Cleópatra”.
Como é óbvio não pretendo, de forma alguma, comparar-me com tão enorme vulto da literatura mundial, mas a situação actual de pandemia traz à memória aquele exemplo e, na verdade, foi também a situação de isolamento social e os grandes constrangimentos que se me depararam na minha vida profissional, que vieram a ditar que me lançasse à obra em relação a um tema que me suscita muita curiosidade há já cerca de três décadas.
Não pretendo apresentar aqui um trabalho verdadeiramente científico, pois faltam-me, entre outras virtudes, a “bagagem” e o lastro académico.
De todo o modo, se não posso criar um “Hamlet”, nada me impede que faça uma espécie de “Omelete”, ainda que eu possa não ter queda para a cozinha.
Posto isto, perante a minha ousadia e atrevimento, fico na expectativa que se contraponha a vossa paciência e generosidade, pois a minha impreparação, traduzida na abordagem muitas das vezes superficial de algumas componentes deste trabalho, acabaram, ainda assim, por não me impedir de aqui trazer um “coçar de cabeça” relativo a tão apaixonante temática.
Face às confessadas fragilidades que me impedem de elaborar um estudo de maior rigor científico, também não tenho grandes expetativas em vir a reunir consensos, ou tampouco um aplauso da parte de quem me possa vir a ler.
Porém, uma coisa é certa, procurei ser honesto e objectivo na feitura deste trabalho
Dito isto, e porque tenho essa liberdade, passo a aventurar em contar-vos o que descobri e o que penso acerca da querela respeitante ao tema acima enunciado, aproveitando a maré para aqui trazer algumas curiosidades que, creio, gostareis de reencontrar, ou de tomar conhecimento.
B - O Surgir do Espanto
Romanceando um pouco, direi que a minha história de namoro” com o tema que aqui me traz terá começado num dia, agora já distante, em que me encontrava junto ao marco geodésico denominado “Peneda”, que costuma estar referenciado como pertencente à serra do mesmo nome, ou seja, “Serra da Peneda”, constituindo a sua maior proeminência.
Dei então por mim, entre um copo de tinto e uma bucha de pão com chouriço, a questionar-me acerca do seguinte: Porque será que o cume do “Alto da Pedrada”, com os seus 1416 mts, que está ali “à mão de semear”, constitui o ponto mais alto da “Serra do Soajo”, e o lugar onde me encontrava era considerado como sendo parte integrante da “Serra da Peneda”?!
Na verdade, entre o local onde descansava e o “Alto da Pedrada” (que se constitui um prolongamento da proeminência do denominado “Outeiro Maior”), nada, aparentemente, justificava, quer em termos de acidentes geográficos, quer de distância (são cerca de 3 kms), que pudesse estar na presença de duas serras distintas.
Sendo incontroverso que o Alto da “Pedrada” é o ponto mais elevado da “Serra do Soajo”, que lógica terá que o cume denominado “Peneda” esteja integrado na dita “Serra da Peneda”?! É que entre um cume e outro – apenas – existe, em traços gerais, uma zona de vale planáltico correspondente à zona de “Lamas de Vez” (local da nascente do rio Vez).
Assim, de um lado ao outro o que se verifica existir é um longo e largo vale planáltico, que em tempos terá albergado um glaciar, desprovido de qualquer acidente geográfico digno ou susceptível de justificar uma qualquer diferenciação geofísica no que respeita à respectiva nomenclatura serrana.
Ora, uma vez que não encontrei a resposta para tal questão no fundo da garrafa de tinto que então desbastava, ela passou a acompanhar-me na mochila do pensamento, ainda que sujeita a períodos de maior ou menor hibernação.
C – Breve análise geomorfológica do espaço em questão
I - Tal como acima mencionei, não encontro motivos de ordem geológica, ou quiçá melhor dito, de ordem geomorfológica, para que seja traçada uma qualquer fronteira, ou demarcação, no espaço geográfico vindo de analisar.
Todavia, existem na vasta área montanhosa que rodeia aquele planalto, vários acidentes geográficos que assumem verdadeira relevância, desde logo toda a extensão do percurso do rio Vez, que faz uma espécie de “U”, virado à esquerda, a partir do momento em que este ganha maior declive (sensivelmente a partir da “Branda de Real”), até chegar à Vila de Arcos de Valdevez, bem como os vales dos rios Ramiscal, do rio Pomba e o rio Castro Laboreiro, os quais de algum modo delimitam ou ganham expressão geográfica naquele espaço em termos de, potencialmente, dar lugar a eventuais “fronteiras”.
De todo o modo, esses acidentes geográficos não possuirão, à primeira vista, o condão de estabelecer uma qualquer clara demarcação territorial relativamente aos seus territórios adjacentes, pois que nos surgem à vista como um único maciço montanhoso.
II - No entanto, as conclusões já poderão ser outras de um ponto de vista – digamos – científico. A este propósito encontra-se um resumo muito interessante retirado do site do PNPG que, por comodidade, aqui reproduzo parcialmente:
“A área do PNPG integra-se no Maciço Hespérico ou Maciço Ibérico, que constitui uma das unidades estruturais da Península Ibérica e um segmento da Cordilheira Varisca da Europa. A edificação desta estrutura, pela actuação de forças compressivas, inicia-se no Devónico, há cerca de 380 Ma (milhões de anos), tendo-se prolongado até ao Pérmico (280 Ma) - orogenia Hercínica ou Varisca.
O Maciço Ibérico apresenta-se zonado, definindo-se, habitualmente, cinco zonas características paleogeográficas, tectónicas, magmáticas e metamórficas distintas.
[…] Assim, na área do Parque, à semelhança de toda a região Noroeste de Portugal, predominam rochas graníticas [que se] instalaram na crusta terrestre no decurso da orogenia Varisca. As rochas graníticas mais antigas (aprox. 320-310 Ma) afloram na Serra do Soajo, Serra Amarela, planalto de Castro Laboreiro e no extremo oriental da Serra do Gerês. Na restante área (Serra da Peneda e Serra do Gerês) afloram os granitos mais recentes que constituem um mesmo maciço intrusivo (maciço granítico de Peneda-Gerês), com cerca de 297-290 Ma de idade. Estes granitos destacam-se perfeitamente na paisagem dado que conferem àquelas serras um relevo mais vigoroso e desnudado do que a área circundante.
No NW do PNPG, muito próximo do seu limite, são observáveis indícios claros de glaciarismo na Serra da Peneda, principalmente ao longo do alto vale do Rio Vez. A ocorrência de blocos erráticos graníticos […] sobre uma vertente pouco inclinada de xisto é uma das melhores evidências. Estes blocos, outrora deslocados das áreas graníticas pela massa de gelo, repousam agora no substrato xistoso, depois do glaciar ter derretido.”
Ou seja, aquela zona do conjunto serrano ali designado como “Serra da Peneda”, aparentará uma maior juventude, apresentando um relevo mais caótico (caos de blocos), com paisagens mais acasteladas, e diferenciadas relativamente a outras zonas serranas circundantes.
Na verdade, existe uma vasta zona que congrega, de uma maneira geral, cumes mais escarpados e caóticos, por contraponto com a zona montanhosa que corresponde ao dito altiplano da nascente do Vez, delimitada a sul pelo “Alto da Pedrada” e, sensivelmente a norte/poente pelo cume até aqui identificado como “Peneda”, dotada com relevos bem mais suaves.
Também parece reencontrar-se essa “suavidade” mais a Nascente, em toda a zona correspondente ao planalto de Castro Laboreiro.
III - Todavia, voltando à “vaca fria”, é inequívoco que os dois preditos cumes (“Pedrada” e “Peneda”) situam-se nesta zona de relevos mais suaves (mais antigos). Ou seja, o pico “Peneda” não está localizado naquela zona mais jovem e de relevos mais pronunciados, motivo pelo qual não terá sentido que, pelo menos essa zona em particular, seja alvo de qualquer separação de nomenclatura serrana relativamente à zona do “Alto da Pedrada”.
Dito de outro modo e em conclusão preliminar, em termos meramente geomorfológicos, fazendo ambos os cumes parte de um mesmo conjunto, aquele denominado “Peneda” deverá integrar a “Serra do Soajo”, pois se o “Alto da Pedrada” é, indiscutivelmente, o ponto mais elevado desta serra, e o cume “Peneda” (mais baixo que aquele) integra o respetivo conjunto serrano, não existe um motivo – digamos – científico, para que façam parte de serranias distintas.
IV – Por sua vez, aquela que poderá constituir essa zona distinta, caracterizada pela sua caótica juventude (a fazer lembrar a “Serra do Gerês”, que será sua contemporânea em termos de idade geológica), desenvolve-se por séries de cumeadas, uma espécie de pequenas cordilheiras, paralelas entre si e todas com a orientação norte-sul.
Assim, mencionando as mais relevantes, temos uma “cordilheira”, ou cumeada, situada a Nascente da zona do altiplano do Vez, ponteada pelos escarpados cumes da “Rajada”, “Penameda” e “Outeiro Alvo”. Depois encontramos uma outra cordilheira, a nascente desta, onde encontramos desde a “Fraga das Pastorinhas” (a sul), que englobará a “Fraga da Nédia” (também iria jurar que já lhe ouvi chamar “Cebola”), cordilheira que “sobe” depois, entre outros cumes, a “Águas Santas”, “Veiga”, “Matança” e à “Fecha”.
Por último, ainda mais a nascente e abaixo da zona do planalto de Castro Laboreiro, é ainda possível encontrar zonas bastante escarpadas, como seja a “cordilheira” das Infantas/Bico do Patelo e, logo ali ao lado, a oriente, como que uma última resistente ao eterno combate com a erosão, a “Fraga de Anamam” (ou Anumão/Numão).
V - Por sua vez, aquele planalto de Castro Laboreiro - também ele – reúne as características geomorfológicas idênticas àquelas das referidas áreas que circundam a mencionada área central/oriental, caracterizada por relevos mais planos (mais antigos).
Assim, com a mera observação, fica-se com a certeza de que a zona central do conjunto serrano em questão será mais jovem do que as áreas que a circundam.
Efetivamente, essa zona central apresenta-se bem mais agreste, preenchida por caos de blocos, quando comparada com a – quase – tranquila área adjacente, mais plana esta por força de uma mais antiga exposição aos elementos e, entre eles, entre esses factores de erosão, pontificarão as glaciações que a trabalharam.
Efetivamente, também se perceciona que a mais recente época glaciar que “castigou” a zona de “Lamas de Vez” e que ali causou os seus efeitos erosivos até, sensivelmente, aos pés da “Branda da Aveleira” e da “Branda do Furado”, terá também contribuído para a diferenciação geográfica nas zonas onde o glaciar foi actuando com maior “peso”.
Mais, essa glaciação, muito provavelmente, de acordo com informações que se apresentam lógicas e fidedignas, terá mesmo abarcado, por exemplo, a zona do vale do rio Peneda.
Atrevo-me mesmo a especular e é provável que algum trabalho científico já o tenha mencionado, que também o espaço onde se reúnem as várias linhas de água que, a montante, vêm depois a criar o rio Ramiscal, aparenta constituir também uma bacia glaciária e uma espécie de derivação do glaciar que “nasceria” no sopé do “Alto da Pedrada”, ali ocupando, nomeadamente, a zona de Lamas de Vez.
VI - Com tudo isto que venho de expor, pretendo defender, voltando à ideia original, que não se constata uma justificação geomorfólogica para que possam subsistir na concreta zona montanhosa sob estudo, ou seja, no planalto de Lamas de Vez, duas serranias distintas.
No entanto, abstraindo dessa zona em particular, na hipótese de se equacionar a existência de duas serras, então talvez se deva ponderar a seguinte hipótese de trabalho:
a) Uma zona serrana mais antiga, nascida com os movimentos orogénicos ocorridos há 380 a 320 milhões de anos. Essa zona abrangerá, a sul, a Vila do Soajo, subindo a Norte ao “Alto da Pedrada”. Ela estende-se depois a Poente (Sistelo, Carralcova, Cabana Maior), abrangendo, a Sudoeste, a montanha do Gião. A Norte será delimitada pelo “Monte do Fojo”, em cujo sopé onde se encontram, por exemplo, a Branda de Vale de Poldros, ou a da Aveleira, junto ao vale do rio Vez.
Para o lado Nascente essa zona antiga prolonga-se para o “Batateiro” e “Branda da Bouça dos Homens”. Daí, acompanhando o rio Pomba, ela “desce” abrangendo, sucessivamente, as localidades da Gavieira, Roussas, Adrão e Tibo, continuando até à Várzea e, daí, à foz do Rio Castro Laboreiro, na sua união com o Rio Lima, na actual Albufeira de Lindoso.
b) Uma zona serrana mais recente, talvez com os referidos 290 milhões de anos, ou menos, que abrange uma zona mais central do maciço, situada entre o rio Pomba/Peneda e o rio Castro Laboreiro. Ela terá uma extensão a Nascente à cumeada onde pontuam as “Infantas” e o “Bico do Patelo”, prolongando-se a Sul até à “Fraga das Pastorinhas”, onde predominam os caos de blocos e os alcantilados. Ou seja, corresponderá, genericamente, à zona a que o site do PNPG, no trecho acima transcrito, apelida de “Serra da Peneda”.
VII - Esta segunda zona, mais jovem, surge-nos assim, genericamente, como que abraçada pela sua zona envolvente, a zona “mãe”, caracterizada esta por relevos mais suaves em virtude de serem mais antigos e, como tal, por mais tempo sujeitos à “coça” do tempo.
Ora, a existirem duas serranias, a separação entre ambas passaria por essa clara diferenciação de idades em termos de formação orogénica, e que é mais claramente visível na linha correspondente ao Rio Pomba.
Assim, a existirem duas serras naquela zona montanhosa, a mais antiga corresponderá à “Serra do Soajo” (onde se integram quer o “Alto da Pedrada”, quer o “Alto do Pedrinho/Peneda”) e a mais jovem corresponderá à “Serra da Peneda”.
Essa é uma das poucas hipóteses que, humildemente, perspetivo como pertinentes para a concretização de uma qualquer divisão geomorfológica para o espaço de montanha aqui em apreço.
No entanto, outra coisa, bem diferente, e que deverá ter-se sempre presente, é o do – digamos – baptismo histórico e cultural daquele espaço serrano.
Em relação a essas circunstâncias antropológicas, chamarei de seguida à lide a “questão dos nomes”.
D – A Questão dos “Nomes”
I - Face ao que acabo de explanar, firmo aqui a minha convicção da inexistência de uma possível fronteira geográfica na zona do vale do Alto Vez e dos cumes mais altos que o delimitam (“Alto da Pedrada” e “Alto do Pedrinho/Peneda”). Isto porque não se objectivam motivos geomorfológicos, e mesmo lógicos, para a existência da dicotomia Serra do Soajo/Serra da Peneda naquele local concreto. Posto isto, passo a abordar a questão do baptismo, ou baptismos, serranos aqui em causa. Ou seja, quem primeiro nomeou aquele espaço, ou espaços, e quem teria, eventualmente, o “direito” a fazê-lo.
II - Será pacífico que o nosso belo planeta azul terá cerca de 4,5 mil milhões de anos e que desde a sua origem já passou por diversas fases até nos apresentar a atual configuração, nomeadamente em termos de relevo. Como sabemos e já dizia o ilustre poeta Luís de Camões, todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades …
Por sua vez, o planeta e as muitas partes que o compõem, não foram alvo de um qualquer baptismo não apenas aquando do respetivo surgimento, quer em 99,9% da sua existência, uma vez que, tanto quanto é dado a saber, não existia quem o pudesse fazer.
Foi a espécie humana que ao atingir a fase em que passou a ser denominada como sapiens, há cerca de 2 milhões de anos, terá atingido capacidades de utilizar a linguagem de um modo mais complexo.
Parece certo, pelo que pude ler, que o homo habilis e o homo erectus teriam já desenvolvido uma assinalável capacidade de comunicação e que, bem mais recentemente, os “primos” dos homo sapiens, os neandertais (que com este coexistiram ainda por muitos séculos), também já teriam desenvolvido significativas capacidades de comunicação, produzindo sons semelhantes aos do homem moderno.
De todo o modo, “o grande salto em frente” só ocorreu há cerca de 40 mil anos, quando os seres humanos modernos desenvolveram uma linguagem muito semelhante à nossa.
Desde que existe a capacidade de comunicação, passou, por exemplo, a ser também possível dispor da mui útil capacidade de referenciar lugares. Ou seja, passou a ser possível concretizar nomeações, “batismos”, nomeadamente de índole geográfica.
Por sua vez, com essa capacidade vieram a surgir, respectivamente, a toponímia, a oronímia e a corografia em geral.
Sendo, na sua origem, a espécie humana nómada, e encontrando-se sempre em busca de recursos (a agricultura que os viria a sedentarizar só surgiria muito mais tarde, cerca de 10.000 anos a.c, na zona do chamado “Crescente Fértil”), sobretudo de ordem alimentar, e também na procura de lugares mais acolhedores face às sucessivas alterações climáticas (como seja a última idade do gelo que terminou há cerca de 10.000 anos), normal seria que esses humanos procurassem explicar e nomear os lugares que percorriam, bem como aqueles onde se iam fixando, ou para onde se dirigiam. Foi-se criando, assim, uma nomenclatura que vinha a ser comum relativamente a todos os que partilhavam um qualquer grupo, ou que por ele se deixava “contaminar”.
Quando os caçadores recolectores se deslocavam, compreende-se que soubessem o nome do local de onde partiam, bem como daqueles por onde passavam e o daquele para o qual se dirigiam. Assim, além do mais, o baptismo dos lugares facilitava a comunicação e a troca de informações. Diriam: Vamos para o sítio “tal”, sítio esse que, por certo, adquiria o seu nome em função, muitas das vezes, de algum tipo de característica local, ou de algum acontecimento ali ocorrido em momento anterior.
Parte desses nomes iriam ficando memorizados, sedimentados, situação que, no entanto, não ocorreria de um modo geral, uma vez que o nomadismo das tribos da espécie humana seria muito dinâmico e sujeito, por exemplo, às mencionadas alterações climáticas que pontualmente se verificavam. Assim, haveria muitos locais a que se deixaria de regressar por força das condições adversas (e cujos nomes acabavam por cair em desuso) a que passavam a estar sujeitos, a par de outros que, entretanto mais acolhedores, passavam a contar com a presença humana.
Contra a eventual consolidação dos nomes, da toponímia, contribuiria - também - o facto de a escrita não existir por esses tempos, pelo que apenas a forma oral permitiria algum tipo de divulgação.
III - O advento da forma escrita, esse momento que nos fez saltar da pré-História, para a História, só terá acontecido há cerca de 5500 anos. Na verdade, quem estuda essas matérias informa-nos que a escrita terá surgido, sensivelmente, em 3500 a.c., na zona da já mencionada Crescente Fértil, mais concretamente, na Suméria. No entanto, verdade se diga que estudos mais recentes, e ainda em consolidação, permitem pensar que a escrita possa ter surgido em momento anterior.
Ora, com o surgimento da escritura passou a ser possível firmar os nomes e retransmitir, sem margem para maiores equívocos e até à posteridade, os “baptismos” dos locais onde se habitava, bem como de todas as referências geográficas com algum tipo de importância.
Por então já os espaços terrestres, aqueles que eram do conhecimento da espécie, tinham os seus nomes, a sua nomenclatura. Contudo, esses nomes podiam ver-se sujeitos a vários tipos de mudanças, mormente por efeitos da evolução da língua, e muitas vezes por efeito das invasões que, entre outras consequências, acarretavam novos baptismos nas línguas dos povos invasores.
De todo o modo, parte significativa dessas alterações faz parte da dinâmica intrínseca das línguas, da evolução da correspondente escrita, ocorrendo até em virtude de incomuns e desnecessários delírios que conduzem, por exemplo, a malfadados “acordos ortográficos”.
E – Serras, Montes e Montanhas
I - Ao dar uma olhadela à tão acessível e sabichona Wikipédia, lê-se ali que: “Serra (do termo latino serra) é o conjunto de montanhas e terrenos acidentados com fortes desníveis e muitos picos, que se assemelha, portanto, a uma serra (ferramenta) […] Uma serra distingue-se de um maciço por possuir montanhas singulares em vez de agrupadas. A serra é, portanto, um subconjunto de montanhas que está dentro de outro conjunto maior e mais extenso, ao qual se dá o nome de cordilheira.”
A mesma Wikipédia explica também que Montanha ou monte (do latim montanea, de mons, montis) é uma forma de relevo terrestre. Uma sequência de montanhas denomina-se cordilheira. Uma montanha tem imponência e altitude superiores a uma colina, embora não exista uma altitude específica para essa diferenciação.
O site Ciberdúvidas explica que: 'Serra é uma grande extensão de montanhas ligadas umas às outras. Montanha é um monte muito alto e extenso. Portanto, não confundir a grandeza dos dois acidentes geográficos.'
Lido isto, a distinção entre estes acidentes geográficos fica um pouco menos embrulhada, não deixando, ainda assim, de ser um grande embrulho!
II - Penso que a zona em questão, ou melhor, a serra (ou serras) aqui em causa, qualquer que seja o nome de baptismo que se venha a revelar o mais correto, é constituída por várias montanhas, as quais poderão também ser designadas como montes.
A este propósito do subtema Monte ou Montanha, registos antigos existem que comprovarão que também a serrania aqui em causa possui, no seu interior, os ditos montes (ou montanhas). Essa situação, aliás, será extensível a todas ou, pelo menos, à maioria das serras.
A este propósito, refiro aqui que o site Garcias, que constitui uma compilação muito rica de todas as serras portuguesas, menciona que a Peneda é uma montanha da “Serra do Soajo”.
Também curiosa é a publicação intitulada “Hints to travellers in Portugal”, de John Murray e Albert Street, de 1853, no qual se recomenda uma visita à montanha de Outeiro-Maior.
Bem mais antiga é a menção que ressalta da “Carta de Foro de Monte Leboreiro quod vocatur Padron, de D. Afonso III, datada de 15 de Janeiro de 1271”, ou seja, a referência ali feita ao “Monte Laboreiro”.
III - Também já numa publicação de 1839, com o extenso nome de; “Taboa – Geográfica – Estatística Luzitana ou Dicionário abreviado de todas as cidades, vilas e freguesias de Portugal, com sua população, legoas de distância, correios e feiras principais; e juntamente de seus rios, correios, montanhas, cabos, portos &”, relata-se o seguinte: ”Gaviara ou Gavieira: notável serra, ramo do Marão, M. [Monte] perto de Castro Laboreiro: o seu píncaro tem 7.380 pés de altura sobre o nível do mar” (Feita a devida conversão corresponde nada mais nada menos do que 2.249 mts!).
Ali se acrescenta logo de seguida: “Gavieira – F. M. Cm de Monção, Cc. de Soajo, sit. Na serra de seu nome.” Ou seja, se não entendi mal, num parágrafo a Gavieira surge como uma serra e no parágrafo seguinte vem a ser uma localidade na “Serra do Soajo”!
No entanto, esta enunciação não é tão contraditória quanto isso, pois, como explanarei mais adiante, o “Alto da Pedrada”, ponto mais elevado da serra do Soajo, também foi conhecido em tempos por “Gaviarra”, sendo que esta é, como bem se percebe, uma outra forma de se escrever Gavieira.
Por sua vez, num trabalho de 2003, a Professora Elza Maria Gonçalves Rodrigues de Carvalho, que citarei em diversas ocasiões neste meu trabalho, surgiu a terreiro com uma obra que teve por título: “Na serra da Peneda, elemento integrante dos Montes de Laboreiro” – e ao fazê-lo citava a obra de Pintor, Padre M.A. Bernardo, “O Reencontro do Vez, Onde foi?” in Revista Independência, Separata nºs 17 e 18, Sociedade Histórica da Independência de Portugal, pp. 29-30.
IV – Ainda a propósito da palavra “Gaviarra”, será interessante, mencionar aqui o trabalho de Pedro Augusto Ferreira (1833 - 1913), bacharel formado em Teologia, o qual ali referiu que os habitantes de certos concelhos do Minho, mais próximos da Galiza, nomeadamente os de Monção e Melgaço, costumavam denominar-se gaviarras, porque ali abundariam os gaviões,
Refiro, na oportunidade, que igualmente credível é a teoria que nos refere que o nome “Gavieira” derivará do facto de os primeiros habitantes daquele local terem sido originários da freguesia de Gave (no concelho de Melgaço).
Já em relação à Vila de Soajo refere aquele Autor in: “Soajo: V. e F. M. Cm. De Monção, sit. em paiz desabrido na serra da Gavieira" "[…] ainda aqui se conservão alguns costumes assalvajados. Os h. do Cc de Soajo, e Castro Laboreiro; e de algumas Povoações da serra da Estrella, podem ser chamados os Laponios de Portugal."
Já agora, só por mera curiosidade, ensina-nos o dicionário que Laponio será: 1. [Depreciativo] Que ou quem vive no campo ou numa zona rural.
2. [Depreciativo] Que ou quem não mostra delicadeza nem cortesia; que ou quem é grosseiro ou malcriado.
Ora, não será caso para os bom povo Soajeiro incomodar-se com tais aleivosias, pois o dito autor, Fr. Francisco dos Prazeres Maranhão, também chamado Francisco Fernandes Pereira, era natural de Favaios, Alijó (Trás-os-Montes), sendo fácil deduzir que, para além dos seus méritos em várias áreas do saber, não deixava ser um snobe citadino e, provavelmente, teria sempre à mão umas garrafitas de Favaios, circunstância propícia a roubar discernimento.
V - Ainda a propósito do tema dos montes e montanhas, é também curiosa a alusão do Arcipreste dos Arcos (de Valle de Vez), que informou no Inquérito de 1845: “A Capela de S. Bento, sita no alto monte do Cando, está segura, limpa e asseada e tem os paramentos necessários à custa dos devotos.
Ou seja, tudo leva a crer, e é normal que assim seja, que a serra (ou serras), é constituída por diversos montes (ou montanhas) e que esses montes surgem referenciados pelo local onde se encontram, ou melhor, pela localidade que lhe seja mais próxima, ou, eventualmente, de maior importância política.
Isso acontecerá um pouco por tudo quanto é sítio e posso chamar aqui o exemplo que melhor conheço, o da “Serra do Gerês, a qual apesar de constituir um todo, ou quase, em termos geomorfológicos, não deixa de ser constituída por vários montes, como é o caso do monte/serra de Pincães, ou do monte/serra de Fafião, que correspondem a nomes de localidades situadas nas faldas dessa “Serra do Gerês”. Muitas das vezes tais divisões estão relacionadas com as áreas de baldios explorados pelas populações dessas localidades.
Por isso, a serrania aqui em causa, seja qual for o seu nome mais correto, será sempre constituída por diversos montes, sendo talvez o caso mais paradigmático o do monte, ou montes, de Laboreiro.
F - Alguma história acerca da Peneda e da Nossa Senhora da Peneda
I - Uma vez que este pequeno trabalho tem por objeto a zona em que o tema se enquadra, não resisto a abordar aqui algumas curiosidades relativas à lenda da Nossa Senhora das Neves (que veio a ficar depois conhecida por Nossa Senhora da Peneda), bem como à história e evolução da respetiva ermida/basílica.
Aliás, adianto que de algum modo me permito concluir que, tudo visto, a história da ermida (primeiro) e da basílica (depois) e da Igreja em geral, poderão não ser alheias, nem “inocentes”, relativamente à questão das nomenclaturas aqui em causa.
II - Assim, começo por mencionar que no ano de 1220, no dia 5 de Agosto, foi registado o aparecimento da então chamada Nossa Senhora das Neves, o que aconteceu na zona da actual localidade da Peneda, que então não existia enquanto local de aglomeração humana, e desde então teve início a sua veneração no local onde terá ocorrido a respetiva aparição.
Com a preciosa ajuda do site da “Direção Geral do Património Cultural”, aprende-se o seguinte acerca desta lenda:
1 - Segundo Frei Agostinho de Santa Maria, no Santuário Mariano, no concelho do Soajo, entre o lugar de São Salvador da Gavieira e o de Castro, fica uma montanha altíssima de penedos muito grandes, à vista soltos e mal arrumados, tendo entre eles três que entre si formam uma lapa, e tendo em cima deles outro atravessado, de tamanha grandeza que é visto à distância de uma légua. Nesse sítio apareceu a milagrosa imagem da Senhora da Peneda ou das Neves, a 5 de agosto de 1220, mais ou menos, tempo em que se pode chegar àquele sítio, devido às neves que o cobrem a maior parte do ano. Quando entre as penedias uma pastora pastoreava algumas cabras, apareceu-lhe a Senhora, ao que dizem em forma de uma pomba branca voando ao seu redor, e manda-a dizer aos habitantes do seu lugar da Gavieira para ali lhe edificarem uma ermida. A pastora contou aos seus pais o pedido, mas esses não lhe dão crédito. Noutro dia, voltando a pastorinha com as suas cabras àquelas paragens, volta a aparecer-lhe a mesma Senhora numa lapa, e diz-lhe: "filha, já que não querem dar crédito ao que eu mando, vai ao lugar de Rouças (da mesma freguesia de Gavieira), onde está uma mulher entrevada há dezoito anos, e diz aos moradores do lugar que a tragam à minha presença para que ela cobre perfeita saúde". Assim fez a pastorinha e quando a mulher, chamada Domingas Gregório, chega à presença da imagem sagrada, logo ficou livre de todos os achaques que padecia, louvando a Virgem pelo benefício recebido. Frei Agostinho diz que a imagem é tão pequenina, não passando de um palmo de altura, que não foi obra dos homens, mas formada pelos anjos para acudir a remediar aos pecadores. Refere ainda que todos os que presenciaram o milagre de Domingas Gregório ficaram entusiasmados e trataram de construir a capela. Como porém o sítio da lapa onde apareceu a imagem era difícil para a construção, resolvem construí-la mais abaixo. Contudo, a imagem voltava sempre ao lugar primitivo, decidindo-se assim construir ali a ermida. O Pe. Carvalho da Costa, na Corografia Portuguesa, alude a uma tradição diferente. Segundo ele, entre ásperas serras, ao pé de uma altíssima e precipitada penha, foi achada há muitos anos, numa lapa, Nossa Senhora da Peneda, por um criminoso, natural de Ponte de Lima. Este, acossado da justiça, passava miseravelmente a vida entre aqueles solitários bosques, servindo-lhes de companhia as feras, mas recorrendo a Deus com suas penitências de grande arrependimento, a Senhora consente que ele fosse o primeiro a vê-la depois de tantos anos estar oculta. A imagem, com o corpo tendo menos de um palmo, é de cor morena e tem o Menino Jesus no braço, sendo imagem milagrosa e de grande romagem todos os anos desde 5 de agosto até o dia de São Lourenço (10 agosto).”
III - Entretanto, embora se trate de uma - quase - repetição daquilo que acabo de transcrever, não resisto aqui a maçá-los com um texto, de 1706, da autoria do acima mencionado Padre António Carvalho da Costa, com o título “Corografia Portugueza e descripçam Topografica do famoso Reyno de Portugal”, em que este também relata a lenda em questão, mas utilizando o “delicioso” português de antanho (aconselho, desde já, para que se compreenda o texto, a que substituam a leitura de todas as letras “f’” pela letra “s”:
“aqui entre alfeperas ferras ao pé de huma altiffima & precipitada penha foy achada há muitos anos em huma lapa, Noffa Senhora da Peneda. He tradição, que a defcobríra hum criminofo natural de Ponte de Lima, que acoçado da juftiça paffava miferavelmente a vida entre eftes folitarios bofques, fervindo-lhe as feras de companhia; & neftes termos bem fe póde presumir o quanto paffaria defgoftosos & maltratado, caufa de recorrer a Deos com penitencias, acompanhadas de grande arrependimento, do que he evidente prova o confentir a Senhora que elle foffe o primeiro que a viffe, depois de tantos anos eftar oculta. He de cor morena & o corpo menos de palmo com o Menino Jefus no braço: he imagem milagrofa, & de grande romagem todos os anos defde cinco de Agofto até o dia de S. Lourenço.”
IV - Por sua vez, relativamente à Basílica de Nossa Senhora da Peneda, reproduzo aqui também uma parte do que encontrei na dita página da «Direção Geral do Património Cultural». Assim lê-se ali:
“Independentemente das tradições da aparição da Virgem na Peneda, o culto de Nossa Senhora das Neves foi oficializado na comarca de Valença pela Constituição Sinodal, de 1472, e o foral de D. Manuel ao Soajo, de 7 de outubro de 1514, confirma que os moradores daquela vila apascentavam os seus gados na branda da Peneda. Em 1775 já ali haveria uma pequena povoação, visto proceder-se a uma busca às casas dos moradores, para averiguar se tinham furtado tabuados do santuário.
Mais adiante menciona-se o seguinte: “7 - Segundo a Memória descritiva apresentada em 1855 - 1856, era tradição de, há quase setecentos anos, ali ter aparecido a Mãe de Deus, com o Menino no braço, sobre uma fraga, a um criminoso de Ponte de Lima. E sendo divulgada essa feliz aparição, apareceram em grande número os povos a venerar a Virgem e a oferecer-lhe muitas e generosas esmolas, levando a que se erigisse uma confraria à Mãe Santíssima, com o título de Confraria de Nossa Senhora da Peneda, tendo na época grande número de Irmãos, provenientes do Distrito e da Província da Galiza. Com o produto das esmolas, desde logo se começa as obras do santuário, fazendo-se uma igreja de abóbada com o respetivo altar-mor e com dois altares colaterais no corpo; fazem-se muitas capelas que representam o nascimento, paixão e morte de Cristo e vários quartéis, para recolher gratuitamente os romeiros que anualmente concorrem ao santuário, desde fins de julho até meio de setembro. Os mesários que serviam no ano de 1837 empreenderam a construção de um novo templo, para poente e a pouca distância do velho, mas em sítio mais elevado e com a frontaria virada a S., onde se acham colocadas as capelas, que todas lhe ficam em linha reta. A Mesa dirigiu-se por escrito aos párocos de muitas freguesias pedindo-lhes que exortassem os fiéis a concorrer com as suas esmolas para esse fim, o que produziu óptimo resultado, pois o rendimento de tal receita, puramente eventual, tem feito e continua a fazer face às avultadas despesas da obra da igreja nova. […]
9 - A obra do escadório foi vistoriada pelo administrador do concelho, António Pereira de Sá Sotomaior, pelo fiscal das obras do santuário, mesários e pelo pedreiro José Rodrigues Pereira, de Viana, que o acharam conforme no essencial. […] “.
Por sua vez, deveras interessante e, simultaneamente, macabro, é o seguinte trecho, que refere um costume que não terá desaparecido há muitas décadas:
*12 - No santuário havia o costume de se simular o funeral das pessoas que tinham alcançado a cura de graves doenças, amortalhando-se os devotos. Muitos romeiros eram levados em caixões como se fossem defuntos. O trajeto fazia-se desde o pórtico até à igreja e, alguns iam também até ao cemitério. Algumas pessoas iam mesmo num caixão fechado, mas a maior parte ia num caixão aberto e alguns limitavam-se a ir a pé atrás do caixão. Por vezes, acompanhava o cortejo uma banda de música. Havia quem assistisse dentro do caixão, em geral aberto, à missa de promessa, e até havia quem mandava cantar ofícios aos defuntos.
Esta tradição manteve-se, pelo menos, até ao primeiro quartel do século XX.
V - No que a este tema se refere, acrescento, ainda, mais alguma da cronologia e referências constantes da dita página oficial, que se constitui uma fonte de conhecimento inesperada e de enorme valor:
“Na segunda metade do séc. XVI o culto a Nossa Senhora das Neves recebe grande incremento na Peneda, talvez devido à deflagração de grandes epidemias, ali existindo uma capela e, possivelmente, um ermitão.
1657 - Referência à ermida de Nossa Senhora da Peneda, numa alta penha entre a Gavieira e Castro, onde se retirava São Telmo para dali ir pregar nas redondezas;
1706 - Data no arco do túnel do corgo ou águas que descem de Chã do Monte (Pântano) e feitura do muro de suporte do terreiro, reforçado por três contrafortes;
1736 – A Igreja/Ermida já tem um capelão privativo;
1740 - Início da construção de alojamentos para os peregrinos;
1752 - 1755 - Manda-se construir quatro quartéis para peregrinos; faz-se a conclusão de três capelas e a colocação de portas de castanho e grades de ferro em sete capelas, bem como a colocação de figuras nas capelas;
Neste ponto, e para que o assunto não se torne fastidioso, dou um grande salto no tempo para referir mais dois factos curiosos:
“Entre os anos de 1927 e 1936, ocorre o desaparecimento da primitiva imagem, em pedra, então na sacristia;
1950 - Destruição do quartel sobre o rio pelas águas da barragem de Chã do Monte.”
Sim, para quem não sabia, a pequena barragem situada no local também conhecido por “pântano” ruiu naquele ano de 1950, causando grande aflição no lugar da Peneda em virtude das águas que, abruptamente, se precipitaram pela encosta provocando prejuízos na povoação.
VI – Ainda no que ao tema se refere, não resisto a fazer aqui também a reprodução de um texto encontrado no seio da obra “Memórias Paroquiais de 1758”, coligidas sob a supervisão do Professor universitário José Viriato Capela, obra à qual regressarei mais adiante.
Assim lê-se ali: “Santuário da Senhora da Peneda (Gavieira, Arcos de Valdevez) – A Peneda era, inicialmente, uma branda da freguesia da Gavieira (concelho de Arcos de Valdevez). Desde muito cedo é aqui objecto de culto uma pequena imagem de Virgem morena. Uma tradição local fá-lo remontar ao século XIII. E cedo se tornou importante centro de peregrinação, que no início de século XVIII irradia de Cristóval a Laje (concelho de Vila Verde) e de Vila de Punhe a Entrimo. Ainda nos anos 20 deste século era a Peneda destino de clamores de várias freguesias na segunda-feira do Espírito Santo. paralelo entre o santuário do Bom Jesus do Monte, em Braga, e o de Nossa Senhora da Peneda remonta ao século XVIII pelo menos. Com efeito, D. Rodrigo de Moura Teles, o grande impulsionador da segunda (e decisiva) fase das obras do santuário bracarense, quis visitar e visitou pessoalmente o santuário de Nossa Senhora da Peneda, na freguesia de Gavieira, já então considerado «célebre». Nesta altura, com efeito, a primitiva ermida já tinha sido substituída por uma igreja de 20 varas e 5 palmos por 7 varas e 2 palmos (22 por um pouco mais de 8 metros), que só veio a ser substituída em meados do século XIX. Para a apoiar, fora então construído um grande muro de suporte em silharia reforçado por contrafortes, já que suporta o amplo terreiro que vai da casa do capelão até perto da capela da Senhora das Dores. Para o construir, foi sob ele encanado o corgo que descia da Chã do Monte. Na boca do aqueduto assim construído, se encontra gravada a data 1706. Em 1718, aparece-nos como juiz da Confraria de Nossa Senhora da Peneda D. Miguel José de Sousa Montenegro denominado «Deão», mas rigorosamente sobrinho e coadjutor do Deão bracarense D. Francisco Pereira da Silva. Tendo surgido um litígio entre este e a Mesa Administrativa do Bom Jesus da Confraria do Bom Jesus, D. Rodrigo de Moura Teles arvorou-se ele mesmo em juiz da Confraria do Bom Jesus e nomeou depois o Deão D. Francisco, juiz da irmandade da Peneda. D. Miguel Montenegro só o voltou a ser em 1742. Inicialmente, secundavam a ermida três capelas, construí-se depois, ao longo do século XVIII, uma via-sacra com 14 estações, mas onde se mistura a tópica dos mistérios dolorosos do rosário com a da Via-Crucis. O santuário de Nossa Senhora da Peneda é semelhante ao do Bom Jesus, que os soajeiros conheciam de peregrinar ao Monte Espinho. Dele desde cedo se fez émulo, até porque, é santuário de montanha. Mas é um santuário mariano, como se disse. Na senda do sucesso que tiveram na Época Moderna os santuários de Via-Crucis, também o Santuário neoclássico do escadório da Peneda, se tornou em concorrido destino de romagens. E, devido ao concurso de peregrinos, a igreja acabou por se tornar insuficiente. Por isso, os mesários de 1837 resolveram empreender a construção dum novo templo, a poente do anterior e no enfiamento das capelas da «via-sacra», mas em cota bastante mais elevada, que se encontrava já concluído em 1856. Ora a elevação da cota de implantação impôs a construção dum escadório de acesso ao novo templo.
VII – Menciono, por último, que foi publicado no Diário da República n.º 209/2021, Série II de 2021-10-27 o Anúncio n.º 250/2021, relativo à Abertura do procedimento de classificação do Santuário de Nossa Senhora da Peneda, incluindo o património móvel integrado.
Feita esta descrição, encerro este capítulo, e passo a debruçar-me acerca do importante tema dos “Mapas”.
G - Os primeiros Mapas
A propósito de mapas de Portugal e também os desta região em particular, tenho que aqui registar a inestimável ajuda da página facebookiana do Manuel Brito Baptista Afonso, soajeiro dos sete costados, na qual se revela um inexcedível e mui assinalável trabalho de pesquisa e de subsequente partilha, e a quem também muito agradeço porque também fui, pessoalmente, brindado pela sua generosidade.
Mais importante, foi depois de tropeçar numa sua publicação, que vim depois a partilhar na minha página daquela rede social, que ressurgiu este meio gosto e esta curiosidade antiga pelo tema que aqui trato.
Começarei por dar destaque a alguns mapas que se perspetivam como mais relevantes para o tema e, de seguida, apresentarei um resumo relativamente aos demais.
G.1 - O primeiro mapa de Portugal – Fernando Álvaro Seco (1561)
I - O mapa de Portugal mais antigo que existirá remonta ao ano de 1561, muito embora ele já se encontrasse finalizado por volta de 1558 (Informação do Professor Luís Miguel Alves de Bessa Moreira, no seu livro «Cartografia, Geografia e Poder: o processo de construção da imagem cartográfica de Portugal, na segunda metade do século XVIII»). O seu autor terá sido Fernando Álvaro Seco, encontrando-se o seu original na Biblioteca Nacional.
Dada a importância que este mapa assume na questão que aqui abordo, e isto pelo dimples facto de ele ter sido o primeiro mapa, valerá a pena que nele me detenha mais demoradamente, reproduzindo, para o efeito, algumas das coisas que terão maior relevo a propósito do respectivo autor e, sobretudo, em relação aos méritos do seu conteúdo.
II - Com a disponibilidade e a simpatia do mesmo Professor Luís Moreira, docente na Universidade do Minho, foi-me possível aprender que deste mapa existirão três versões distintas e todas elas do século XVI, as quais originaram como que três árvores genealógicas (ou cartográficas) distintas, correspondendo, respetivamente, a uma edição de 1560 (quiçá 1561), outra de 1565 e uma última de 1575.
Com o mesmo Professor apreendi - também - a ideia de um mapa mais recente não é, necessariamente, mais actual ou mais confiável, que um outro mais antigo.
Finalmente, este docente também me transmitiu uma informação muito interessante, a de que o mapa de Álvaro Seco poderá corresponder a uma cópia de um mapa elaborado algures entre 1520-1530 e cuja única prova de eventual existência vem a ser uma lista de topónimos que existe na Biblioteca de Munique (existindo uma cópia desta na Biblioteca Pública de Braga).
Esta última obra terá sido estudada pela já aqui mencionada Professora Suzanne Daveau. Naquela lista são indicadas, nomeadamente, a Serra de Soaio, Serra de Stryca (Estrica), Serra de Coyra e Serra do Gyres. Ou seja, não foi feita ali menção à serra da Peneda.
III - Feito esta abordagem inicial, passo a referir que se aprende no mundo da internet que: “Fernando Alvares Seco foi um matemático e cartógrafo português que fez o primeiro mapa de Portugal de que se tem conhecimento.”
Mais ali se adianta: “Pouco se conhece acerca do autor, assim como pouco se sabe sobre o seu real contributo para este mapa, que alguns estudiosos consideram ter sido provavelmente modesto”.
Mais relevante será quiçá a reprodução do texto que se segue, que pode ser encontrado também no “reino” da internet e que surge sob a seguinte referência: http://cvc.instituto-camoes.pt/ciencia/e79.html
Este texto corresponde a um trabalho da autoria da Professora Maria Helena Dias, e tem por título: “A primeira carta de Portugal Continental”. Ali aprendemos, nomeadamente, que:
“Primeira representação conhecida do conjunto do território continental português e hoje um verdadeiro ex-libris da Cartografia nacional, a carta de Fernando Álvaro Seco é um enigma para os estudiosos por não se saber com segurança quem a construiu e ainda como e quando foi realizada. Primeiramente impressa para servir de oferta diplomática, foi encomendada por Aquiles Estaço e destinada ao Cardeal Camareiro Guido Ascânio Sforza, aquando da embaixada a Roma para discutir as relações entre Portugal e a Santa Sé. […]
Foi sobretudo pelo sucesso do atlas de Ortelius, com múltiplas edições em várias línguas (mas nenhuma em português), que a carta de Álvaro Seco percorreu o Mundo, dando a conhecer o nosso país durante pelo menos um século. […] Sobressaem nesta primeira representação de Portugal inúmeros lugares, reportados com os seus nomes, umas vezes indicados por pequenos círculos, pela sua menor importância, outras por figurações expressivas, no caso de cidades e sedes do poder político ou eclesiástico. Também se destacam inúmeros rios, nalgumas edições atravessados por pontes. O relevo, contudo, tem uma expressão ainda incipiente, como é norma na generalidade das cartas da época. […] As distorções que a carta apresenta têm sido objecto de inúmeras hipóteses explicativas. A torção do território para Nordeste e os erros na localização dos lugares, quando já se conheciam valores de latitude de diversos locais de Portugal e do continente africano pelo menos desde meados do século XV, não são hoje fáceis de explicar. A comparação de algumas latitudes mostra diferenças inaceitáveis, caso os levantamentos tivessem sido apoiados em observações astronómicas. […] Os erros levam a supor que o levantamento tenha sido efectuado por meios puramente geométricos, embora haja também quem coloque a hipótese de Portugal ter sido o primeiro país europeu a construir uma carta por processos mais rigorosos. […]. Nada se conhece hoje de Álvaro Seco e pouco é ainda possível afiançar sobre as suas fontes. Não se sabe se terá sido ele quem recolheu as informações no terreno e concebeu a carta ou se a sua intervenção se teria apenas limitado a tarefas finais de compilação ou simplesmente de desenho, para uma versão de prestígio, a partir de uma carta manuscrita anterior ou de outras informações. Fortes indícios apontam, todavia, para que ela tenha integrado dados cartográficos muito anteriores e que o seu autor tenha tido um papel modesto. Discute-se a contribuição que possa ter tido o Códice de Hamburgo (ca. 1525-1536), uma lista de cerca de 1500 topónimos portugueses, com valores de latitude e longitude que se supõe terem sido determinados a partir de uma representação anterior. Discutem-se também as fortes semelhanças da carta de Álvaro Seco com a parte portuguesa do atlas do Escurial (ca. 1580), atlas este que reúne 21 folhas manuscritas de uma carta da Península Ibérica, 6 das quais representando Portugal de forma mais perfeita que a parte espanhola vizinha. Admite-se que todos possam ter derivado de uma mesma carta anterior manuscrita, remetendo-se esse protótipo para os princípios do século XVI ou mesmo para os finais do anterior. A existência de uma possível relação entre a realização da carta de Seco e a recolha dos dados do Numeramento de 1527-1532, que foi levado a cabo pelo governo central para recensear os moradores das comarcas portuguesas, tem sido também investigada. Haverá, porventura, ainda outras fontes, mais ou menos credíveis. Muitas são, portanto, as hipóteses colocadas e estudadas, que apontam pistas, mas os enigmas desta primeira carta de Portugal mantêm-se.”
IV - Por sua vez, na obra intitulada “Portugalliae Daescriptio”, da autoria da mesma Professora Maria Helena Dias, publicada pelo Instituto Geográfico do Exército (2006), que contem menções dignas de conhecimento, e que constitui uma breve resenha da história da cartografia de Portugal, refere-se - também ali - que relativamente ao mapa de Álvaro Seco: “[…] o relevo, contudo, tem uma expressão muito incipiente, como é norma na generalidade dos mapas desta época”.
A propósito deste primeiro mapa de Portugal, existe um trabalho também muito interessante e que aqui recomendo vivamente, que tem por título: “A Rede Hidrográfica no Mapa de Portugal de Fernando Álvaro Seco (1560)”, da mencionada Professora Suzanne Daveau, que foi uma notável investigadora do Centro de Estudos Geográficos, da Universidade de Lisboa, no qual se realizam descrições acerca da zona aqui em questão. Podem encontrar esta obra através do seguinte link: https://core.ac.uk/download/pdf/26866998.pdf
Destaco, entretanto, aqui a seguinte passagem desse trabalho: “Mas, voltando ao problema mais restrito da representação dos rios das serras da Peneda e do Gerês, verifica-se que a fraca qualidade do desenho hidrográfico está indubitavelmente ligada à pouca utilização dos itinerários através de uma região despovoada e insegura. O Lima parece, no mapa, nascer a pouca distância de Piconha, correspondendo este traçado ao do seu afluente, o rio Salas, quando o rio principal se forma, na realidade, cerca de 40 kms mais a NE.O Lindoso não aparece no mapa e o Soajo encontra-se colocado erradamente na margem esquerda do rio e, paradoxalmente, muito a jusante da Serra do mesmo nome.”
Esta autora refere, também, que não acredita que o trabalho respeitante ao “Numeramento de 1527-1532”, tenha tido muita influência na feitura do mapa de Álvaro Seco.
V - Ainda a propósito deste mapa, sublinharei aqui mais uma curiosidade e que é relativa ao facto de imediatamente a Norte da Serra do Soiao (Soajo), surgir a Serra da Strica, abrangendo ali a zona de Castro Lebora (será Laboreiro) e de Rodeiro, local situado nas imediações daquela sede de freguesia.
Ora, será pacífico que “Strica” só poderá corresponder à aldeia (ou Lugar) actualmente denominado “Estrica”, onde se situa o turístico “Miradouro da Estrica”. Ele está localizado logo a poente da localidade e freguesia de Sistelo (do lado de lá do vale), não sendo fácil compreender, à primeira vista (e mesmo à segunda!) porque se teria baptizado, naquele século XVI, uma serra com tal nome.
No entanto, sublinhe-se que nesse local já terá existido um forte, conhecido como o “Forte da Estrica” (ou Strica), que teria importância estratégica e, como tal, essa situação talvez pudesse justificar só por si a adopção do seu nome para nomear uma montanha, ou mesmo até uma serra.
Contudo, a dita Estrica fica ainda bastante distante do local onde Álvaro Seco localizou aquela serra da Strica, o que poderá ser, muito provavelmente, o resultado das distorções do mapa já acima mencionadas, ou de um deficiente trabalho de campo. Ficam as dúvidas!
No mapa surge também a chamada «Sera de Coira», certamente relacionada com Paredes de Coura (quiçá a zona também conhecida hoje em dia por “Corno do Bico”).
VI - Não posso deixar também de referir que neste mapa, ou melhor, numa das suas versões, surge a referência a um lugar com o nome «PORTELA DOLELA PENEDA» (escrito em maiúsculas). Pela localização em que o nome surge, e muito embora, como já se viu, as localizações fossem um pouco – ou muito – enganadoras, terá que ver com a zona de Olelas e, talvez, abrangendo a área da localidade de Lindoso.
De todo o modo, certo é que a alusão à “Peneda” surge ali desacompanhada de qualquer referência a uma qualquer serra (no caso, da Peneda).
VII - Por sua vez, a mencionada versão do mesmo mapa de 1565, referida como “melhorada” e editada em Antuérpia, parece apresentar um maior pormenor na figuração dos fenómenos geográficos e suscita a hipótese, quiçá remota, de encontramos ali a «Sera (serra) de Soaio Portela d Olela Peneda».
No entanto, será – no mínimo – estranho, que uma serra pudesse ter um nome tão longo e composto e que, pelo meio, figurasse a alusão a uma tal de “Portela”, situações que retiram força a tal hipótese de trabalho.
Aliás, também o Professor Luís Miguel Moreira, me colocou perante a interrogação de se nesta versão de 1565, não poderia ser realizada uma leitura da qual resultasse o nome "Portela da Serra da Strica". Mas o mesmo docente logo acrescenta que se trata de uma leitura duvidosa, na medida em que figura um ponto final na dita “Portela”. A convicção deste docente é a de que o topónimo em questão seria "Portela de la Peneda", e que poderá ter ocorrido uma confusão de quem copiou e/ou gravou essa versão do mapa.
G.1.1. Antecedentes do Primeiro mapa de Portugal
Face ao que acima se mencionou, terá algum interesse que se realize uma nova, ainda que sucinta, deambulação pelos referidos Códice de Hamburgo, e pelo Numeramento de 1527-1532.
a) O Numeramento de 1527-1532
Começando pelo Numeramento, ele constituirá a fonte mais antiga a nível nacional para aferir eventuais nomenclaturas.
A realização deste trabalho foi ordenada pelo Rei D. João III e, em virtude dessas instruções, um escrivão percorria, pessoalmente, as cidades, vilas e concelhos da nação e ouvia, sob juramento, dois homens-bons de cada lugar principal, os quais numeravam os chefes de família. Para o efeito deviam socorrer-se também dos livros de sisas (impostos). Por fim lavravam um auto e o “Numeramento” correspondia à soma desses autos.
No Numeramento incluiu-se no concelho do Soajo duas freguesias, constando, para além da do Soajo, a da Gavieira (não percebo porquê excluiu-se a de Ermelo), sendo que a primeira referência explícita a esta última, que conhecemos, encontra-se no Tombo da freguesia de Castro Laboreiro de 1565. Soajo era também designada no Numeramento como uma “terra de montaria”.
Muito embora nos propicie dados muitos interessantes a nível geográfico, para a questão que aqui me trouxe os resultados daqueles levantamentos revelam-se, pelo menos aparentemente, inúteis, não existindo neles qualquer referência às serranias em questão, não se justificando, por isso, que nele me detenha. Posto isto, passarei a analisar, também ao de leve, o “Códice de Hamburgo”.
b) O Códice de Hamburgo
Apesar da utilidade desta obra para a questão que aqui me prende seja idêntica à da anterior, sempre se acrescentará algo mais para referir, por exemplo, que há quem se questione se não terá sido este Códice, verdadeiramente, o primeiro dos mapas de Portugal.
A propósito dessa possibilidade encontramos um trabalho muito interessante, da Professora Maria Fernanda Alegria, com o título: “O Códice de Hamburgo desvenda o primeiro mapa de Portugal?” - http://www.scielo.mec.pt/pdf/fin/n92/n92a08.pdf
Esta autora começa por chamar a terreiro a investigadora já acima citada, a Profª Suzanne Daveau, (a mesma autora da: “A Rede Hidrográfica no Mapa de Portugal de Fernando Álvaro Seco”) (1560), explicando que: “Foi publicado no final de 2010 um importante livro de Suzanne Daveau com o título Um Antigo Mapa de Portugal (c. 1525). Reconstituição a partir do Códice de Hamburgo.”
Maria Fernanda Alegria, Professora e Investigadora do Centro de estudos Geográficos, assinala desde logo que: “A autora [Suzanne Daveau”] mostra neste livro que existiu um mapa de Portugal, que antecede em cerca de 35 anos o espécime cartográfico que era até agora considerado o mais antigo de Portugal – o mapa de Fernando Álvaro Seco, de 1561. Embora o mapa propriamente dito não tenha sido encontrado, foi possível, com um paciente e cuidadoso trabalho, reconstituir as suas características.”
Mais à frente diz esta Investigadora: “A autora [Suzanne Daveau] chega assim, “por eliminação de partes” (p. 146), à hipótese de ter sido D. Francisco de Melo (1490-1536) o promotor da oferta do mapa a D. Afonso e, provavelmente, o autor do códice”.
Para se perceber mais do que possa estar em causa, necessário e útil será a leitura da obra de Suzanne Daveau, com o título: “Um antigo mapa coreográfico de Portugal (c. 1525) – Reconstituição a partir do Códice de Hamburgo”.
De todo o modo, Júlio Teixeira Kruger, Professor universitário da Universidade de Coimbra, não seu trabalho “Na génese das racionalidades modernas: Em torno de alberti e do humanismo.”, discorda de parte da teoria da Professora Suzanne Daveau.
Seja como for, melhor será não entrar aqui em demasiadas divagações e incursões, porque “pano para mangas” já se vê que é coisa que abunda pelos reinos da cartografia.
É que, de todo o modo, ainda que o Códice de Hamburgo possa ser considerado como o primeiro mapa de Portugal, não se descortina que no mesmo, e até prova em contrário, figure quer a Serra do Soajo, quer a da Peneda, o que também se explicará pelo facto de este Códice revelar-se mais focado na referenciação das localidades.
G.2. O mapa de Portugal de Pedro Teixeira Albernaz (1595-1662) – com edições de 1662 e 1705.
I - Este mapa corresponderá, com alguma probabilidade, ao que será o segundo mapa de Portugal.
A análise dos estudos relativos a este mapa não se apresenta fácil, na medida em que por vezes não se compreende a que edição em concreto os autores se pretendem referir.
Entre outras abordagens, na já mencionada obra intitulada “Portugalliae Daescriptio”, da autoria de Professora Maria Helena Dias, publicada pelo Instituto Geográfico do Exército (2006), faz-se referência ao que é por vezes considerado como sendo este segundo Mapa de Portugal.
Esse mapa, que surgiu sob o título de “Descripción del Reyno de Portugal y de los Reynos de Castilla», delineado por Pedro Teixeira Albernaz, terá sido impresso em Madrid, por uma primeira vez, em 1662, isto é, já após o falecimento do seu autor, e viria a destronar o mapa de Álvaro Seco e as suas múltiplas versões que circulavam nos atlas europeus desde o último quartel do século anterior. Ali refere-se: “Seja como for, este mapa, à semelhança do de Seco, perdurou outro século como a imagem do país”.
Na citada obra da Profª Helena Dias menciona-se (pagina 8): “Pode reparar-se no pormenor da linha da costa deste mapa, muito recortada […] e na figuração, ainda completamente falsa, do relevo português. Ao contrário do que acontece no mapa de Álvaro Seco em que só a serra de Montejunto foi representada [isto não será propriamente verdade, porque, pelos menos em algumas das suas edições, também estão figuradas ali outras serras, como por exemplo e desde logo, a “Serra do Soajo” (Soaio), bem como a “Serra de Coira” e a “Serra da Strica”], aqui os pequenos montes em perspetiva, todos levantados a partir de um mesmo plano, enchem generosamente o espaço entre os numerosos cursos de água.”
II – Relativamente ao mapa correspondente à versão de 1705, consultável no site da Biblioteca Nacional Digital, volta a surgir a “Serra do Soajo” (Soaio), bem como a Vila de Soajo. Curiosamente, no entanto, o Soajo parece estar ali representado a poente de Arcos de Valdevez.
Também na zona aqui em causa figura uma tal de “Portela Serra”, menção que traz à memória a «Sera (serra) de Soaio Portela d Olela Peneda» que surgia na predita versão “melhorada” do mapa de Álvaro Seco, e situada, sensivelmente, na mesma zona.
Será, igualmente, um significativo erro representar ali o Soajo e a “Serra do Soajo” bem mais a Poente do que o que se encontram na realidade.
Uma outra curiosidade ali detectada é que Castro Laboreiro é representado, também incorretamente, a uma significativa distância de Soajo.
A “Serra do Gerês”, aparentemente, não surge referenciada neste mapa, muito embora o respetivo relevo, pela localização, pareça estar ali representado.
III – Existe, no entanto, existe uma outra versão (ou até versões) deste mapa, que será a primeira, do predito ano de 1662, e à qual se refere o Professor Luís Miguel Alves de Bessa Moreira, na sua obra: «Cartografia, Geografia e Poder: o processo de construção da imagem cartográfica de Portugal, na segunda metade do século XVIII».
Nessa publicação, num quadro lá existente, descreve-se que Pedro Teixeira Albernaz terá referenciado no seu mapa as serras de “Soaio”, “Pineda” e “Dogires” (esta será a do Gerês).
Lêem-se depois ali alguns apontamentos interessantes acerca desta situação, como seja: “O levantamento para a composição deste mapa de Portugal terá decorrido entre as décadas de 1620 e 1630, ainda que, de acordo com algumas fontes, Pedro Teixeira tenha percorrido as fronteiras de Portugal, da França e da Catalunha, logo após o início da rebelião nestas duas nações, o que a ser verdade lhe terá permitido obter mais informações importantes que, eventualmente, terão sido acrescentadas ao mapa manuscrito original. Na opinião de João Bautista de Castro, em 1749, o mapa era “… o mais correcto, que tenho visto quanto à expressão dos nomes das terras”. Existem poucos exemplares deste mapa nos principais arquivos nacionais. Na Bibliothèque Nationale de France existem dois, correspondendo a duas versões diferentes, tendo um deles sido reproduzido e analisado no volume IV dos Portugaliae Monumenta Cartographica pois, na época, era o único exemplar conhecido.” .
Esta versão de 1662 (ou uma das suas versões), está disponível também no site do Arquivo Militar da Suécia, na qual referencia-se, efetivamente, a par da “Serra de Soaio”, a “Serra Pineda”.
IV - Já relativamente à versão de 1705, ela corresponde a um mapa descoberto há poucos anos em Itália, adquirido entretanto pela Fundação Calouste Gulbenkian e posteriormente doado à Biblioteca Nacional. Ele está disponível para consulta no site da Biblioteca Nacional e terá sido publicado em 1640, ou seja, 22 anos antes do mapa do seu irmão.
Em relação a questões de orografia não se deteta que esta versão nomeie qualquer serra na zona aqui em causa. Vêm-se, curiosamente, lá referenciadas as localidades de “Portelinha” e de “Alcobaça” (situadas na zona de Lamas de Mouro/Castro Laboreiro).
Nesta edição de 1705 a menção à “Serra de Soaio” e à tal de “Portela Serra” não dá azo a discussões. Também pacífico, aparentemente, é que nele não surge qualquer referência à “Serra da Peneda” (nem à do Gerês). Aparece, sim, a menção a uma “Portela”, junto ao Rio Lima, mas já em território espanhol.
Este mapa é bem mais pormenorizado do que aquele de 1705, o que não deixa de ser estranho, porque seria expectável que este último apresentasse um maior rigor do que aquele que o precedera em cerca de 40 anos. Ele pode ser localizado e interpretado através do link https://www.4gatos.es/MemoriaAusente/mapas/229_Portugal_UK_Texeira.htm
Verdade seja dita que, pelo menos, numa das versões desse mapa de 1662 não parece encontrar-se a “Serra de Pineda”. Lê-se, isso sim, “Portela” e, logo ao lado, a nascente, a menção “Serra”.
Esta situação traz, aliás, à memória quer a versão deste mapa do ano de 1705 (a consultar no link https://purl.pt/16992/2/), que nomeia essa (enigmática) “Portela Serra”, quer aquela minha alusão à versão “melhorada” do mapa de Álvaro Seco, a mencionada «Sera (serra) de Soaio Portela d Olela Peneda».
Também não é menos verdade que, conforme se pode verificar pela análise do mapa, que a nascente da palavra “Serra”, surge, espaçada, a palavra “Pineda”, pelo que poderá a junção de palavras não ser a de “Portela Serra”, mas antes de “Serra Pineda”, ficando, aquela “Portela” como uma designação isolada das demais.
No entanto, a grafia das palavras “Serra” e “Pineda” surgem ali perfeitamente diferenciadas, ao passo que a grafia das palavras “Portela” e Serra” é a mesma, situação que é, aliás, extensível às demais serras que o mapa representa.
V - Como já aqui referi, mais importante, e dando total crédito à posição do Prof. Luís Moreira, certo é que pelo menos numa das edições (ou versões) do mapa de 1662, publicada pela Biblioteca Real da Academia Espanhola, bem como pela Biblioteca Geral Digital da Universidade de Coimbra, na qual o mapa de Pedro Teixeira Albernaz surge “deitado” (com Oeste para cima - tal como sucedia com o mapa de Álvaro Seco), surge, numa leitura muito objectiva, representada a “Serra de Pineda”.
VI - Por último, deixando por agora de lado a análise das múltiplas versões do mapa de Pedro Teixeira Albernaz, uma situação interessante a propósito deste mapa é que as conclusões mais recentes apontam no sentido de ele não corresponder ao segundo mapa de Portugal. Efectivamente, existem fortes razões para crer que o irmão de Pedro Teixeira Albernaz, de seu nome completo, João Teixeira Albernaz, terá sido o autor desse segundo mapa.
G.3. O mapa (Carta) de Michele Lescolles - 1661
(Primeiro mapa regional de Entre Douro e Minho)
I - Um ano antes da publicação do mapa de Portugal de Pedro Teixeira Albernaz, ou seja, em 1661, surgira um outro mapa dando uma particular importância à zona aqui em causa, mais concretamente a “Carta Geográfica [da] Provínçia de Entre Douro e Minho de 1661” de Michel Lescolles.
Lê-se no trabalho realizado pelo Professor Luís Moreira, Assistente convidado no Departamento de Geografia da Universidade do Minho, que: “Ao longo da Guerra da Restauração foram vários os engenheiros militares estrangeiros que prestaram serviço em Portugal, chegando alguns a desempenhar a função de Enfermeiro-mor do Reino. Numa época em que a guerra era conduzida por militares profissionais e mercenários, alguns destes técnicos, mais tarde, também se colocaram ao serviço de Espanha.
Entre os vários engenheiros franceses ao serviço de Portugal destacamos o nome e a obra de Michel de Lescolles, na Província de Entre Douro e Minho.”
[…] O mapa não apresenta legenda, encontrando-se orientado com o Este no topo e compreende o território entre a Ria de Vigo, a Norte, o rio Douro como limite Sul, o Oceano Atlântico a Oeste e a raia terrestre com a Galiza, desde S. Gregório à Portela do Homem, assim como parte do território de Trás os Montes, como limites a Este.”
A propósito dos relevos que surgem neste mapa, diz-nos o autor: “Um dos fenómenos naturais figurados pelo autor é o relevo, representado por uma sucessão de pequenos “montes triangulares”, aparentemente sem qualquer proporcionalidade em relação à sua altitude. Deve-se referir, a este propósito, que somente a partir da segunda metade do século XVIII se procedeu a medições, mais ou menos rigorosas da forma e altitude das montanhas e, mesmo assim, no nosso país, essas preocupações foram mais tardias.
O autor identifica apenas alguns acidentes orográficos, talvez por ele considerados principais, inscrevendo o seu nome, aparentemente sem qualquer intenção de o associar a uma das elevações representadas. Entre os diversos topónimos assinalados no Alto Minho foram identificadas as Serras de Somavila?; Gavieira ou Gavião [ver infra pág. 49] ?, estas no limite Este e a Serra de Boalhosa. A Sul do rio Lima, o autor identificou as serras de Mouso ou Mouro?, Amarella, Xeres (Gerês) e Falperra (entre Braga e Guimarães). Também identificou o oiteiro Major (Outeiro Maior) no Alto Minho, representado por um símbolo de maior dimensão que os demais.”.
II - A distribuição do relevo não se apresenta uniforme neste mapa. Assim, o Alto Minho surge, claramente, como a área mais montanhosa, contrastando, desse modo, com as áreas a sul do vale do rio Lima.
Também não é ali acentuado o carácter montanhoso do interior da província, ainda que a delimitação entre o Minho e Trás-os-Montes tivesse sido ali marcada por uma “cadeia montanhosa.”
III - Acrescenta ainda o mesmo autor que: “Neste período circulavam entre nós inúmeros exemplares baseados no mapa de Portugal de Álvaro Seco (1560), publicados pelos mais importantes editores/gravadores norte europeus, ou os mapas baseados nos contributos mais recentes de Sanson D’Abbeville (1654), ou de Pedro Teixeira de Albernaz (1662), mas onde a Província de Entre Douro e Minho surgia integrada no conjunto de Portugal ou na sua metade setentrional.”
Outro parágrafo interessante desta obra do Professor Luís Moreira, é aquele em que menciona: “Pese embora o contributo de Michelle Lescolles foi necessário esperar quase 70 anos, até 1730, para que surgisse o primeiro mapa impresso da Província de Entre Douro e Minho, gravado por Grandpré em Lisboa.”
A propósito deste último mapa, refere o autor: “ambos figuram a “serra do Gavião” junto da fronteira com Espanha, entre Castro Laboreiro e o rio Lima, assim como a serra da Boalhosa.”
IV - Uma situação que tenho por deveras relevante no que respeita ao mapa/carta de Michele Lescolles, que é, objectivamente, o primeiro mapa detalhado sobre a zona específica de Entre o Rio Minho e o Rio Douro, é que ao contrário do que, aparentemente, os autores consideram, nele é representada a “Serra da Peneda”.
Efectivamente, descobre-se ali que para além das serras que o distinto Professor assinala como constando do mapa, outras lá se encontram e, para o que ao caso interessa, está lá representada, de forma inequívoca, a “Serra da Peneda”.
Aliás, nesta Carta surge, igualmente, a referência ao Santuário de Nossa Senhora da Peneda (ali surge como N.S. da Peneda) e, logo ao lado, a dita referência à “Serra da S. Peneda”.
Não se compreende bem se ali está escrito – apenas – “Serra da Peneda”, ou “Serra da S. da Peneda”, mas a verdade é que parece estar lá um “S” que, no entanto, de alguma maneira se confunde com o desenho.
Para quem quiser localizar tais referências no mapa de Lescolles, deverá encontrar, logo a norte, o nome “Lamas de Mouro” e, ligeiramente mais acima, a referência ao Castelo de Castro Leboreiro (ou será Laboreiro?!), que, por sua vez, surge mesmo por cima da que parece ser a “Serra da Gavieira”.
De todo o modo, aqui segue a reprodução do mapa, na zona aqui em estudo:
V - Também de realçar é que não surge neste mapa qualquer menção à existência da “Serra do Soajo”. A localidade do Soajo está lá assinalada e logo ao lado (a Norte, pois o mapa tem a “norte” a Este) consta a menção a Oiteiro (Outeiro) Maior, que surge ali figurada como uma grande elevação. Todavia, não se menciona ali que se trate, por exemplo, da “Serra de Oiteiro Maior”, antes se ficando com a sensação que se pretenderia referenciar a existência da Montanha, ou Monte de Outeiro Maior.
Diga-se que neste mapa surgem também já Arcos de Valdevez (e a Giela), bem como Cabreiro e Sistelo.
VI - Ou seja, forçoso será concluir que a figuração e referenciação da “Serra da Peneda” não surgiram, como é por vezes defendido, apenas com a realização dos trabalhos efetuados por Gerardo Augusto Pery, no ano de 1875, sobre os quais discorrerei um pouco mais adiante.
Assim, essa referenciação terá surgido, de acordo com o Professor Luís Moreira e com o mencionado mapa existente na Biblioteca Nacional Espanhola (a que venho de aludir) e que é também disponibilizado pela Biblioteca Digital da Universidade de Coimbra, num primeiro momento, com o mapa de Pedro Teixeira Albernaz. Todavia, ainda que assim não fosse, certo é que ela aparece, desta feita sem margem para controvérsias, neste mapa de 1661.
VII - Recorda-se que por esta época já existia de há muito a Ermida da Srª da Peneda, mas não a atual basílica, e que essa situação de “religiosidade” poderá ter de algum modo influenciado tal referenciação, sobretudo por se tratar de uma época muito afectada por epidemias. Ora, como é norma, esse tipo de fenómenos “sanitários” despoletam sentimentos de maiores aflições, dando origem a um acrescer dos fervores religiosos, que são depois acompanhados de um incremento de visitação aos lugares de maior simbologia religiosa.
H – Outros mapas
Procurarei agora aqui sintetizar a maioria dos mapas de Portugal, ou da região aqui em estudo, e a visão que os mesmos nos aportam acerca da mesma, frisando-se, pontualmente, algumas outras curiosidades neles encontradas. Haverá mapas que não se mencionarão pelo simples facto de que não contêm informações com interesse para a presente discussão.
Para o efeito de encontrar esses mapas, socorri-me não só do amigo facebookiano já acima identificado, como também de alguns sites dedicados a tal tipo de publicações, como sejam, nuclearmente, o site da “Biblioteca Nacional Digital” e o “Gallica”.
1 - 1550-1560 – Juan Schorquens – “Description del Reino de Portugal”: Assinala, apenas, no que possa interessar ao caso, as localidades de “Soajo” e de “Castro Laboreiro”.
2 - 1592 – Abraham Ortelius – Sensivelmente na zona em questão surgem assinalados os Mons Medullius e apenas esses. A propósito destes Mons Medullius, um autor espanhol refere que se situarão junto ao Rio Minho. Provavelmente dirão respeito à zona montanhosa de “Las Medulas”, não muito longe de Ponferrada, onde os Romanos que então ocupavam a Península exploraram ouro de forma exaustiva.
3 - 1641 – Melchior Tavernier – Representa a localidade de Soajo (Soaio), situando-a, bizarramente, a sul do Rio Lima, situação que irá perdurar em diversas ocasiões em mapas futuros.
4 - 1642 – Cristophe Tassin – Este mapa tem a particularidade de representar o mapa “ao contrário”, ou seja, com o sul na parte superior do mapa. Surge a localidade de “Soaio”, também aqui a sul do rio Lima. Por sua vez, surge uma “Peneda” logo a sudoeste de Montalegre, num local que vai aparecer em diversos mapas futuros. Acabei por concluir, graças a boas dicas do amigo Manuel Afonso, que deveria tratar-se de uma aldeia (na verdade são três, muito próximas umas das outras, a de “Cima”, a do “Meio” e a de “Baixo”) com esse nome, situada nas faldas da Serra do Facho/Cerdeira, na freguesia de Covêlo do Gerês (Montalegre).
5 - 1654 (também c/edição em 1695) - Nicolas Sanson d'Abbeville – Parte Septentrional do Reyno de Portugal: Representa a “Serra de Soiao”, muito embora coloque a serra, tal como a localidade, a sul do Rio Lima. Surge também a “Serra de Strica”, figurada sensivelmente na zona de Castro Laboreiro.
6 – 1668 – Philippe Briet – Curiosamente, o mapa deste autor apenas refere, a norte do rio Lima, dois nomes, sendo eles os de “Valença” e o de “Soaio”. No que se refere a Valença a menção está feita a uma localidade, ao passo que a realizada em relação a “Soaio” aparenta pretender assinalar uma serra ou uma zona de montanha, pois que está colocada sobre uma parte desenhada do mapa representando, precisamente, uma zona montanhosa.
7 - 1670 – Frederick de Wit – Mais um de muitos outros exemplos, em que surge Soiao (localidade), a sul do rio Lima.
8 - 1692 – Giacomo Cantelli (Italiano) – Representa a “Serra de Soraio”, desta feita a Norte do rio Lima. Também a Norte do rio Lima surge a “Serra de Couraio” (Coura). Está também representada a localidade de “Ferreal”, actual “Ferral” e que penso que deverá corresponder à localidade que em muitos mapas surge muitas vezes com o nome “Flaerval” e, erradamente, colocada na zona da localidade da Vila de Soajo. Todavia, existe também a hipótese de se tratar da localidade de Ermelo (o que me foi pertinentemente indicado pe,lo Artª Fernando Barros Cerqueira).
9 - 17… - Carel Allard – Surge a “Sierra de Soaio”, bem como a localidade de Soaio, embora representadas a sul do Rio Lima. É também figurada, a norte de Castro Laboreiro, a “Sierra de Strica”. Possui a curiosidade de apresentar o Rio Homem a “nascer” perto do Castelo da Nóbrega (freguesia de Sampriz, Ponte da Barca).
10 - 1700 – Charles Inselin e Le Pére Placide – Surge Soaia (Soajo), uma vez mais a sul do Rio Lima. Também a Ponte da Barca, bem como surge ali a referência à localidade de Arcos (aparentemente pela primeira vez).
11 - 1700 (tb. 1740) – Jacques Nicolas Bellin – Surge ali a menção a “Sonia” (penso que, pela localização, será “Soaia”/Soajo), a norte do Rio Lima. Num olhar de relance foi curioso também ali descortinar a “Montagne d Estrela”.
12 - 1700 – 1709 – Jean-Baptiste Nolin: Figura lá o “M. de Soraio” e a norte do Rio Lima. A única localidade de nome “Peneda” continua a surgir a sudoeste de Montalegre.
13 - 1703 - 1704 – Jean Besson - Royaume de Portugal et partie d'Espagne: Este mapa representa a que será a “Serra do Soraio”, e a norte do Rio Lima. Aparentemente é a única serrania assinalada em todo o território norte.
14 - 1704 (também com edições de 1708 e 1735) Gaspard Baillieu: Embora um pouco deslocada para Poente, representa a “Serra de Soaio”. A “Serra do Gerês” (Gires) surge representada, embora deslocada, desta feita para nascente, surgindo a norte de Montalegre.
15 - 1704 – Gerhard Valk: Representa a “Serra do Soajo”, a sul do Rio Lima (sensivelmente onde fica a Serra Amarela) e, por sua vez, a localidade de Soajo surge a Norte do Lima. A “Serra da Strica” volta a aparecer, e uma vez mais na zona de Castro Laboreiro.
16 - 1705 – Nicolas de Fer e Pedro Teixeira Albernaz: No mapa conjunto destes autores surge a “Serra do Soaio” (bem como a localidade de Soaio/Soajo). Imediatamente a nascente surge a já mencionada “Portela Serra”, no local que corresponderá, sensivelmente, à “Serra Amarela”. Representa a Ponte da Barca, mas não a localidade de Arcos de Valdevez.
17 - 1711 – Cóvens & C. Mortier - Surgem a “Serra de Coira”, a sul da Ponte da Barca (talvez no local daquela que é a “Serra da Nora”), bem como a “Serra do Soajo”. Contudo, tal como sucedeu recorrentemente, ela surge representada a sul do Rio Lima, numa zona que corresponderá, genericamente à “Serra do Gerês”. A localidade de Soaio também surge a sul do rio Lima e logo a Sul desta localidade, aparece o “Penedo dos Bebados”, nome muito patusco que surge em diversos mapas desta época. Tratar-se-á, muito provavelmente, de um local situado em área bem mais distante, na zona de Soutelinho da Raia (Chaves).
18 - 1736 – Johann Baptist Homann: Figura lá o M. do Soraio (pretenderia mencionar Monte do Soajo).
19 - 1750 – Laurent - “Província de Entre Douro e Minho”: Surge neste mapa a referência à “Serra de Gavião” (ver pag. 41), representada logo a poente de Entrimo e abaixo do Castelo de Castro Laboreiro, fazendo recordar a alusão à “Serra da Gaviarra” ou da “Gaveira” já preexistente. Também surgem duas localidades logo acima de Soazo (Soajo), com nomes curiosos, nomeadamente a já mencionada “Flervael”, bem como “Souto Mayor”. Esta Flervael vai surgindo repetidamente em mapas futuros e a sua existência, apesar das hipóteses de trabalho acima referidas, apresenta-se-me como muito enigmática. Em relação a “Souto Mayor” não se encontra uma explicação aparente de que localidade se trata, ou se pudesse tratar. O “Forte da Estrica” também lá está. Surge também a “Serra do Gerês”, em cuja área figura “Vilarinho de Furne” e “Portella do Home”. Na área em questão também aparece, curiosamente, a (Branda da) “Bossa dos Homes”.
20 - 1751 – Gilles Robert de Vaugondy: No seu mapa setentrional do país surge a localidade de Soaio (a norte do Rio Lima) e a Serra do Soraio (Soajo), ocupando ali parte muito significativa de toda a zona montanhosa a norte do Rio Lima.
21 – 1758 - Gonçalo Luís da Silva Brandão, no mapa do álbum cartográfico intitulado «Topografia da Província de Entre Douro e Minho», que inclui 24 desenhos das praças, fortes e vários troços da raia e do litoral da província, oferecido pelo autor, enquanto "discípulo" de engenharia na Província do Minho, ao então Conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Melo, surge a menção, na zona em apreço, uma nova referência à “Serra do Gavião”.
22 - 1769 – João Silvério Carpinetti – A localidade de Soajo (Soazo), surge – bem - a norte do Rio Lima. Imediatamente a norte de Soajo surgem as já referidas e surpreendentes “Flaerval” e “Souto Mayor”. A nível de montanhas apenas parece figurar a “Serra do Geres”, em cujas imediações surge, novamente, “Vilarinho de Furne” e “Portella de homem”.
23 – 175.. - 1777 – José Monteiro de Carvalho “Carta Geographica da Provincia de Entre Douro Minho e Tras os Montes”. Trata-se de um mapa muito interessante, sobretudo a nível da sua diferenciada representação em relação ao “normal” até então, bem como pela sua pormenorização. No local de estudo surge representada a “Serra do Gavião”. Também lá está a localidade de Soajo (Peneda continua, como quase sempre, omissa). Também é figurada a “Serra do Girez”, em cuja área é representada a já desaparecida “Vilar de Furnes” (que surge aqui com um nome distinto do usual até então).
24 - 1778 (com edição também em 1782) – Tomás Lopez de Vargas Machuca e o seu “Mapa Geral do Reino de Portugal”: Considero este mapa importante uma vez que descreve várias serras e com um assinalável pormenor. Nele detetam-se as serras de “Arga” (creio que pela 1ª vez), “Serra da Estrica” (também o “Forte da Estrica”), que abrangerá – também - a zona a nascente de Sistelo, e a “Serra de Soazo”, que faz uma diagonal longa entre a zona de Giela (logo a nascente de Arcos de Valdevez) e Castro Laboreiro. A localidade de Soazo também lá está, bem como as já mencionadas “Flaerval” e “Souto Mayor”, muito embora estas tenham trocado de posição (desta vez esta última a norte da primeira). Na zona da “Serra do Gerês” surge, uma vez mais, “Vilarinho de Furne”.
25 - 1780 (com edições em 1762 e 1802) – Giovanni Antonio Rizzi Zannoni: Este mapa traz como novidade representar uma tal de “Serra do Gamao” (será Gamão), sensivelmente no local correspondente àquele aqui em causa, sendo que esta adentra-se em território de nuestros hermanos. À parte essa serra apenas se deteta por ali a “Serra do Geres”. “Flervael” volta a surgir “no sítio do costume” e no lugar anteriormente ocupado por “Souto Mayor” surge agora, desta feita correctamente, a localidade de “Paradela”.
26 - 1788 – Gaspard André e Rigobert Bonne – Apenas menciono aqui este mapa pelo facto de representar a já mencionada localidade de “Soutomayor”, mas desta feita em território Galego, mais concretamente entre Redondela e Compostela. Talvez se trate, por isso, de mais um exemplo de incorreta localização e do copy past já em voga nos tempos antigos (agora corrigida). Também reparo que a localidade de “Castro Laboreiro” é sempre representada nos mapas, quiçá pela sua importância estratégica e pelo seu castelo, e ademais por se tratar de um concelho muito antigo.
27 - 1793/4 – Custódio José Gomes Vilas Boas - “Mapa da Província de Entre Douro e Minho” – este mapa é também muito relevante para efeitos deste estudo.
Isto não só porque se trata de um mapa regional, mas também porque assume uma forma de apresentação do relevo original.
Aprende-se com o já citado Professor Luís Miguel Moreira, da Universidade do Minho, no seu trabalho «Desenhar a Linha: a fronteira luso-galega do Alto Minho na cartografia militar portuguesa dos séculos XVII-XIX», que Custódio Vilas Boas foi um Engenheiro militar, originário de Barcelos, que veio a falecer em Braga (assassinado sob a acusação de “jacobismo” e traição). Este mapa serviu de base do projeto de reforma das comarcas realizada no período de 1790-1792
Nele figuram várias serras na zona aqui em causa, nomeadamente: “Serra de Faro”, “Serra da Bulhoza”, “Serra de Sopo”, “Serra da Tabruje” (será Labruge), “Serra D’Anta”, “Serra da Cumieira”, “Serra D’Amarella” “Serra do Gerez”, “Serra da Nóbrega”, “Serra do Berrelhe”, “Serra de Rebordões” e “Serra D’Oural”.
A sul do rio Lima e, estranhamente, é assinalado o concelho do Soajo coo ocupando espaço de ambos os lados do mesmo rio.
Mais importante ao que ao caso interessa, é que por ali apenas surge a referência à “Serra da Peneda”, o que se verifica pela primeira vez, pela menos de forma inequívoca, desde o mapa de Lescolles (1661) englobando esta serra o “Outeiro Maior” (recorda-se, no entanto, que o mapa de Pedro Teixeira Albernaz, numa das versões de 1662, também conterá essa referência).
Também lá está assinalada a localidade de “N. S. da Peneda”, situação quase “virgem” até então. Em relação a este mapa também é muito relevante a já mencionada referência à “Serra da Amarela”.
Uma outra curiosidade é a de que a zona do vale situada entre a povoação da Várzea e a de Olellas recebe o nome de “Portela da Pereira”.
28 - 18.. – Alfred Germond de Lavigne: Curiosamente este mapa apenas assinala a existência da “Serra do Larouco”, colocando-a, sensivelmente, no local que corresponde à “Serra Amarela” e “Serra do Gerês”, deslocando Montalegre para Oeste, assinalando, ainda, a “Serra da Cabreira”.
29 - 1800 - «Cartas chorographicas, cuidadosamente executadas por pessoal technico sob a direcção do capitão de engenheiros do exército hespanhol D. Benito Chias y Carbó; J[oa]q[ui]n Ribera Dº» (reprodução do título da obra).
Este será, sem grandes margens para dúvidas, o mapa mais pormenorizado produzido até este final do século XVIII. Surge-nos com um visual de modernidade. Nele estão assinalados diversas serras e montes, bem como vários cumes dessas serras e montes. Passo a destacar as seguintes situações: Em primeiro lugar, não posso deixar de sublinhar que ao invés do mais habitual no decorrer dos dois séculos anteriores, surge apenas referida a “Serra da Peneda”, omitindo-se, em absoluto, a existência da “Serra do Soajo”.
Assinala o M(onte) Pedrada como o ponto culminante da dita “Serra da Peneda”, com 1415 mts, omitindo, curiosamente, a menção do cume “Peneda/Alto do Pedrinho”, mas referenciando, no entanto, a sua - suposta - altitude (1373 mts).
Figura-se ali o “M. Água Santa” (cume existente a Nascente da localidade da “Peneda”), o “Monte Gestoso” (ponto mais alto do planalto de Castro Laboreiro - Giestoso), o “Monte Louriça”, situando-o - mal - na serra do Gerês (na verdade ele vem a ser o ponto mais alto da “Serra Amarela”).
30 - 1804 – Wiliam Faden: Representa a “Serra de Soazo” (a da Peneda não). Desta feita a já referida “Serra de Gamon” surge junto à fronteira, mas do lado galego. A “serra do Gerez” é representada adentrando-se, muito vasta e erradamente, em território galego.
31 - 1804 (também existe uma edição de 1797) – C. Mahert: Representa a “Sierra Soazo”, encostada à margem norte do rio Lima. Também surge a “Sierra do Gerez”, bem como a “Estrica”, mas desta feita apenas enquanto lugar de uma fortificação e, ainda, “Flervael” que volta a surgir imediatamente a sul de Paradela (Soajo), mais ou menos no local onde se encontra o lugar de “Cunhas”, ou, quiçá, de “Ermelo”.
32 - 18-- Philad Dobson – Representa a “Serra da Estrica” e o Forte da Estrica. A Sul desta surge, embora se leia mal, a Serra do Soazo (Soajo). Também lá está a “Serra do Gerês”. Surge ali, igualmente, a localidade de Soazo e, logo acima, assinala-se a existência da enigmática “Flervael”.
33 - 1809 – Thomas Jefferys, Friedrich Wilhelm Streit, Tomás Lopez de Vargas Machuca, Laborde e William Faden, “Carta dos Reinos de Espanha e de Portugal” – Representa a “Serra da Estrica” e a “Serra do Soajo”, bem como a “Serra de Gamão” (na zona de Castro Laboreiro).
34 - 1809 (também com uma edição em 1813) – John Cary – Representa a “Serra da Estrica” no local habitualmente ocupado pela “Serra do Soajo”. Também surge neste mapa a “Serra de Catarina”, figurada desde o norte da cidade do Porto até á fronteira na zona de Montalegre. A “Serra da Santa Catarina”, na atualidade, abarca, por exemplo, a montanha da “Penha”, a qual tem a seus pés, a Poente, a cidade de Guimarães.
35 - 1810 (com intervenção do autor em mapas posteriores, 1822 e 1831) – Pierre Lapie (na qualidade de cartógrafo e a colaboração dos demais mencionados no mapa de 1822) – Representa na zona em questão a “Serra de Penegache”, bem como na área do Gerês a “Serra de S. Catalina” (veja-se infra o apontamento ao mapa de 1822).
36 - 1811 – Tomaz Lopez (Também colaborador noutros mapas) – Surge uma representação da “Sierra Soazo”, bem como a localidade de Soajo (Soazo). “Flaerval” está no “sítio do costume”. Sierra do Gerez também lá está e, na sua área, “Villarinho de Furne”.
37 - 1813 – Samuel & Georges Neele – Representa a “Serra da Estrica” no local habitualmente ocupado pela “Serra do Soajo”. Também representa a “Serra do Gerês”. Também nele surge a “Serra de Catarina”, figurada novamente desde o norte da cidade do Porto, até á fronteira na zona de Montalegre.
38 - 1816 – C. Smith – Surge a Estrica (parece querer referir-se ali a uma Serra) e o F(orte). Estrica. Parece-me que este “F.” pretenderá significar “Forte”. Na verdade terá existido em tempos um Forte nesse lugar da Estrica. Por sua vez, na zona sensivelmente correspondente á localidade de Soajo surge a misteriosa “Flervael”.
39 - 1822 – Lapie, Pierre [1777-1850]; Lopez de Vargas Machuca, Tomás [1730-1802]; Picquet, Charles [1771-1827]; Tofiño de San Miguel, Vincente [1732-1795] - Na área que ao caso interessa aparece surge a acima mencionada “Serra de Penagache”. A “Serra de Penagache”, ou quiçá o Monte de Penagache, existe na atualidade, e o seu ponto mais alto está assinalado com uma cruz, situando-se alguns quilómetros a Norte do “Alto de Anamam” (também conhecido por Anumão, Numão, Anemão). Na zona onde deveria figurar a “Serra do Gerês” surge, estrambolicamente, a já referida “Serra de S. Catalina” (Catarina);
Num mapa anterior, de 1820, já o aqui mencionado Charles Picquet elaborara um mapa com um teor muito semelhante a este de 1822.
40 - 1823 – Xavier Girard – Representa a “Sierra Penagache”, que estaria de algum modo na moda por esta época (tal como a “Serra de Catarina”), ocupando toda a metade leste do Alto Minho. È a única serra representada mais a norte neste mapa. Também existe uma edição deste mapa de 1841.
41 - 1823 – Alexis Donnet – Curiosamente, este cartógrafo apresentaria um outro mapa no ano seguinte (ver abaixo), nele incluindo a “Serra de Soaza”. Também existem edições deste mapa de 1840 e 1843. Nesta edição o cartógrafo representa a “Serra de Penagache”, abrangendo, sensivelmente, a zona de Castro Laboreiro e adentrando-se depois em território galego. Também representa a “Serra de Gerêz”.
42 - 1823 - Guilleminot, Armand-Charles – Mapa interessante, com bons pormenores. Nele surgem as “Serra de Estrica”, “Serra Soazo” e o “Monte Penagache”. A “Serra da Estrica” parece abranger ali a área de “Corno de Bico” e deter-se no Rio Vez. A “Serra do Soajo” é figurada no sítio “normal” e a de “Penegache” na zona de Castro Laboreiro, mas já em terras galegas. A “Serra de Gerez” também lá está.
43 - 1824 – Alexis Donnet e a sua «Carta civil e militar de Portugal e de Hespanha enriquecida com os planos particulares de 34 cidades e portos principaes. Trata-se de um mapa interessante, com bons pormenores, onde figuram a “Serra de Soaza” e a nascente desta a já conhecida “Serra da Estrica”, que desta vez parece ter por fronteira o Rio Vez e o Forte da Estrica na sua confrontação nascente. A enigmática “Flervael” surge, sensivelmente, no local que deveria estar ocupado pela localidade de Soajo (que, aliás, não é representada no mapa).
44 - 1829 – Sidney Hall (?): Neste mapa surge a “Serra de Penagache”, abrangendo nele a área em questão e adentrando-se em Espanha. Também lá está a “Estrica” mas como mera localidade. A “Serra do Gerez” também surge representada.
45 - 1831 – De Lapie, Lopez, Lemotte, Antillon: Este mapa tem a particularidade de representar a “Serra da Estrica”, situando-a desde o Norte de Viana do Castelo, até à zona a Norte de Arcos de Valdevez. Também surge o F. da Estrica. É nele figurado o “Monte da Gaviarra”, aqui assinalado com - uns incríveis - 2.627 mts. À parte de tais elevações, apenas surge a “Serra do Gerês”. Uma vez mais na área da localidade de “Soajo”, surge a misteriosa “Flervael”.
46 - 1836 – Henry Schenk Tanner: Este mapa também nos traz algumas curiosidades. Assim surge nele a “Serra da Estrica”, desta feita logo a norte de Viana do Castelo (Monte de Santa Luzia), “dirigindo-se” depois para Norte até alcançar a zona Sul da localidade da galega de Tuy. Está lá também o “M. Catarina”, figurado logo a nascente da cidade do Porto e “chegando” às cercanias de Chaves. A cidade de Braga aparece ali como “Briga”. No meio de tão poucas figurações surge, ainda assim, o “Forte da Estrica”.
47 - 1838 – Jean Baptiste Poirson: Apenas trago aqui este mapa para demonstrar, uma vez mais, os erros crassos que alguns mapas evidenciavam (com algumas honrosas exceções) ainda em meados do século XIX. Assim este, por exemplo, coloca – também ele - a localidade de “Soajo” a Sul do Rio Lima, o que aconteceu recorrentemente, bem como se figurou nele a enormidade de colocar a localidade de “Vila Verde” a sueste de Braga, a meio caminho para Amarante!
48 - 1840 – James Wyld (existe, aparentemente, um outro James Wyld, com um mapa de 1842): Consiste no baptizado «General map illustrative of the operations in Portugal, and the adjoining frontier of Spain». Trata-se de um mapa do tempo das Guerras Napoleónicas em que os Ingleses andaram por cá a “deitar uma mãozinha” (acabaram por ser as duas!). Mostra-nos a localidade de “Nossa Senhora da Peneda”, situação quase singular até esta data. Não surge a localidade de “Soajo”. Uma curiosidade também relevante é que no mapa de 1840 surge um “Onteiro Maior”, ou seja “Outeiro Maior” figurado entre a dita “Nossa Senhora da Peneda” e “Sistelo”. Relativamente a serranias, especificamente, apenas representa a “Serra do Geres”.
49 - 1841 - Pierre Antoine Tardieu – (também 1842) - Representa a “Serra de Estrica”, que se detém no Rio Vez. A “Serra de Soazo” está lá, surgindo por cima da misteriosa “Flervael” (que ocupa, sensivelmente, o local da Vila de Soajo). “Monte Penagache” é representado no sítio do “costume”. A representação toponímica deste mapa é de todo semelhante à do mapa de Guilleminot, Armand-Charles (ver acima mapa 42). Aliás, nota-se uma distinção entre a Escola – digamos – francesa e as demais escolas de outros países, ocorrendo muito uma repetição representativa de uns para os outros dentro da mesma “Escola”.
50 - 1842 – James Wild e o seu «Mapa coreográfico do Reino de Portugal»: Está lá representada a “Serra do Soajo”, bem como a “Serra da Estrica” (que se deterá, a nascente, pela zona de Sistelo). Junto à raia de Castro Laboreiro figura-se a “Serra de Gaman” (já acontecera a sua representação anteriormente com outros mapas realizados por autores ingleses). O “Gerês” aparece em território Espanhol, a norte de Montalegre.
51 - 1844 – Alexander Keith Johnston: Representa a “Serra de Estrica”, que, novamente, parece deter-se a nascente no vale do rio Vez. No local que corresponderá, sensivelmente, à localidade de Soajo aparece a predita “Flervael”. A “Serra do Gerez” está lá.
52 - 1845 - Leutemann, Adolf; Leutemann, Heinrich - Neste mapa surge a “Serra de Suazo”, com a particularidade, já anteriormente vista num ou noutro mapa, de ela adentrar-se até depois de Orense (Galiza). Está lá também a “Serra do Gerez”, mas deslocada para norte de Montalegre.
53 - 1847 - Dufour, Auguste-Henri – Este mapa possui a singularidade de figurar a “Serra de Leboreiro”, colocando-a, sensivelmente, na zona que corresponderá à “Serra de Soajo”. Imediatamente a leste da “Serra de Leboreiro” surge a “Serra de Penama” e estas duas aparecem logo a norte da “Serra de Penagache”. Ou seja, uma trapalhada!
54 - 1850 – Emiliano Augusto De Bettencourt – Este autor elaborou o chamado “Extracto das cartas parietaes de Portugal aprovadas pelo Ministério do Reino, para uso das escolas de instrucção primaria e adoptadas nos principaes lyceus do reino, para os exames da chorographia do paiz”.
Este mapa tem a particularidade, assinalável, de ser então destinado ao estudo liceal. Aparentemente terá sido o primeiro mapa destinado a esse exclusivo fim. Tem uma representação gráfica relativamente simples, mas de todo o modo constam lá a “Serra do Suajo” e, ainda que menos relevante relativamente ao que aqui me traz, a “Serra do Gerês” e a “Serra da Cabreira”.
55 - 1853 – Elliot Wm, Capitain: «Carta Corográfica de Portugal». Representa a “Serra do Soajo” a ocupar todo o espaço serrano situado entre Viana do Castelo e Melgaço (norte do Rio Lima). Também lá estão a “Serra do Gerês” e a “Serra Catharina”, esta última ocupando uma zona significativa, que surge a nascente de Guimarães (Penha) e “vai” até perto de Chaves.
56 - 1854 - Agostinho José Lopes Dinne: «Carta geral dos triangulos fundamentaes do reino de Portugal».
Este mapa assume grande relevância uma vez que nele surge, pela primeira vez, a referenciação de um cume com o nome “Peneda”, este coincidente com aquele que era até então o “Alto do Pedrinho”. Aliás, refiro que ainda na actualidade as gentes locais denominam o local em questão como “Pedrinho”, “Alto do Pedrinho”, ou “Castelo do Pedrinho”.
Foi este o primeiro mapa a representar, na sua totalidade, os ditos “Triângulos”, ou marcos/vértices geodésicos de 1ª ordem. Este mapa contempla informação da triangulação de 1ª ordem e das quadrículas, numeradas a vermelho, das 37 folhas, da Carta Corográfica 1:100 000, levantada entre 1853 e 1892 e publicada de 1856 a 1904.
Este mapa é também ele muito importante por outro tipo de razões, as quais serão aprofundadas no capítulo seguinte. Outros trabalhos precederam este 1º mapa, como seja aquele produzido por Paulo José Ciera, matemático e astrónomo português, de ascendência italiana, que deu início à triangulação geral de Portugal e que ficaram incompletos por vários motivos, nomeadamente pela demissão do Ministro (D. Rodrigo de Sousa Coutinho) que impulsionou esses trabalhos e a subsequente falta de financiamento.
Pedro e Filipe Folque (pai e filho), nomes de relevo para a história da polémica aqui em estudo, retomaram esses trabalhos em 1835. No ano de 1802 havia sido entretanto erigido o 1º vértice vértice geodésido em Portugal, correspondente ao da “Melriça”, situado no centro geográfico de Portugal, que veio a ser reconstruído em 1852 pelo referido Filipe Folque.
Neste mapa surgem, como o nome indica, o conjunto dos marcos de 1ª grandeza que existiam e existem no nosso país. Entre eles figura o cume, aqui marco geodésido de 1ª grandeza, de nome “Peneda”, que aparece a triangular com o “Larouco”, o Oural”, a “Cabreira”, “S. Paio” e, na Galiza, com o “S. Nomedio”.
Chama-se a atenção para o facto de este mapa mencionar, singularmente, o cume “Peneda” e não uma “Serra da Peneda”.
57 - 1856 - Colton, Joseph Hutchius: No mapa deste autor é figurada a “Serra da Estrica”, desta feita “atravessando”, aparentemente, o Rio Vez para nascente. Referencia também o “Monte da Gaviarra”, na zona correspondente ao actual “Outeiro Maior” e, consequentemente, ao “Alto da Pedrada”. Mais a nascente/norte, na zona do que serão, genericamente, os “Montes de Laboreiro”, surge a já mencionada “Serra de Penagache”. Soajo não surge no mapa e, no seu lugar volta a referenciar-se, em letras “garrafais”, o nome “Flervael”.
58 - 1860 - António Correia Barreto, César Augusto da Costa, Filipe de Sousa Folque, António José Pery, Gerardo Augusto Pery; Joaquim José dos Santos – “Carta Geographica de Portugal”:
Este mapa referencia o Santuário de “Nossa Senhora da Peneda”, desta feita enquanto localidade, situação ainda rara até sobrevir este mapa. Também lá está assinalado, quiçá por uma segunda ocasião, o cume com o nome “Peneda” (com 1379 mts) e não, também neste caso, uma “Serra da Peneda”. É ainda de realçar que surge no local onde se encontra o “Alto da Pedrada”, uma elevação com 2600 e qualquer coisa metros (percebe-se mal). “Suazo” está lá e no local correcto, a norte do Rio Lima. Refiro, também, porque é um tema que me suscita algum interesse particular, que no mapa está, também, “Vilarinho da Furna”.
Acima coloquei a negrito os nomes do co-autor do mapa, Filipe de Sousa Folque, bem como o de Gerardo Pery, uma vez que, como procurarei depois explicar, eles terão tido um papel importante na questão dos “nomes”.
59 - 1861 - Depósito dos Trabalhos Geodésicos, de Francisco de Paula Rebelo e Nicolau Trant: Este mapa tem desde logo a característica de ser de índole regional e, por tal facto, revelar um maior nível de pormenorização. Destaca-se nele a referência à “Serra da Peneda” e ao Santuário de Nossa Senhora da Peneda. Figura, igualmente, o “Outeiro Maior”. Surgem também a “Serra de Arga” (talvez pela 2ª vez – cfr. mapa 24), a “Serra da Padella”, “Serra de Corno do Bico” (talvez também pela 1ª vez), “Serra d’Amarella” e, como quase sempre, a “Serra do Gerez”. Menciona, ainda, “Vilharinho da Furna”.
De todo o modo, este mapa, de acordo com o Professor Luís Moreira, corresponde a uma cópia impressa de um mapa de Custódio Vilas Boas (originalmente editado em 1813, mas que será de 1793/94) e, tal como sucede com todos os mapas de Vilas Boas, apenas se refere a “Serra da Peneda”.
60 - 1861 – Don Francisco Coello – Trata-se de um mapa com um pormenor muito assinalável a nível orográfico. Representa na zona o “Monte Gavieira”, com 1403 mts. A norte do Rio Lima apenas assinala mais um cume (sem nome) na zona de Castro Laboreiro (1238 mts). A sul do vale do Lima representa a “Serra do Gerez” (1298 mts), a “Serra da Cabreira” (1078 mts), e “Santa Catharina” (não se consegue ler a altitude). Assinala também o que para o cartógrafo seria o ponto mais alto da zona norte, o “Pico de Larouco”, com 1548 mts.
Este cartógrafo tem um outro mapa de 1864, no qual embora utilize outra técnica de representação cartográfica, em nada difere no que respeita à orografia e representação das montanhas. Também representa o – quase – mítico e místico “Couto Misto” (perto de Tourém, concelho de Montalegre).
61 - 1862 - Johnson's Spain and Portugal: Nele surgem as representações da “Serra da Estrica” e do “M. Gaviarra” (aparentemente figurado com 1881 mts.). A Norte, na zona de Castro Laboreiro, é representada a já mencionada “Serra de Penagache”, ocupando, sensivelmente, metade do seu espaço na área de Castro Laboreiro e a restante em território galego.
62 - 1868 – Jean Baptiste Louis Charles e Girard: Nele apenas surge a representação da “Sierra de Penagache”, ocupando cerca de metade do Alto Minho e adentrando-se em território Galego. Está lá também a Estrica, mas não se percebe bem se na qualidade de serra ou do já mencionado forte.
63 - 1873 – Augusto Luís Nunes de Carvalho e outro, «Carta de Portugal e suas colónias»: Representa a “Serra da Peneda”, a “Serra do Gerez” e a “Serra de Laroco” (Larouco). Surge a localidade de Soajo no local correcto.
64 - 1884 (ou 1865?) – Carta Geográphica de Portugal (Relativa ao levantamento efetuado entre 1860 a 1865 e que frutificou no já mencionado mapa de 1860), é de vários autores, entre os quais aqui destaco Filipe de Sousa Folque e Gerardo Augusto Pery. Este mapa teve a novidade de apresentar o relevo sob a forma de curvas de nível. Além disso é muito minucioso a nível de referenciação de localidades. Não aparecem os nomes de serras ou de montanhas. Surgem as referências às localidades de “Nossa Senhora da Peneda”, bem como de “Soajo”. Na área em questão via-se assinalado o cume “Peneda” (e não a serra) no local correspondente ao referido “Alto do Pedrinho”, mas também já anteriormente figurado com esse nome.
A propósito deste mapa lê-se: «Este mapa foi realizado na escala 1:500.000, e constitui um documento incontornável da história da cartografia temática portuguesa, fornecendo a primeira imagem contemporânea da totalidade de Portugal Continental, “que podemos considerar relativamente exacta”, e foi a base cartográfica, necessária e essencial, ao desenvolvimento da cartografia temática portuguesa debruçada sobre Portugal Continental» – citação do Professor Mário Gonçalves Fernandes, Presidente do Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
O referido Gerardo Pery terá assumido um trabalho de campo de relevo no âmbito desta obra e, nomeadamente, realizado a recolha dos nomes dos vários cumes da área em questão e, nessa conformidade, terá também apelidado (ou de algum modo confirmado) como “Peneda” o “Alto do Pedrinho”.
Por sua vez, aprende-se na Wikipédia, que «Gerardo Augusto Pery introduziu o conceito de «sistema montanhoso» na geografia portuguesa, quando em 1875 procedeu ao agrupamento das serras em «sistemas». A sua influente obra “Geographia e Estatística Geral de Portugal e Colónias” foi muito seguida como fonte por múltiplos autores de manuais escolares de geografia, contribuindo para a popularização do conceito de «sistema montanhoso».
Daí a inequívoca importância deste autor no contexto da Geografia portuguesa no que diz respeito à nomenclatura dos acidentes montanhosos.
Assim, ele trabalhou no primeiro levantamento geodésico do território português, dirigindo a instalação da primeira rede de marcos geodésicos. Foi co-autor da muito referenciada «Carta Geográfica de Portugal», editada em 1865, que acabou por determinar a uniformização da toponímia de muitos acidentes geográficos, com destaque para as serras e montes.
65 - 1885 – Mapa produzido pela Direção Geral dos Correios, Telégrafos e Faróis: Representa alguns cumes (mas não serras ou montanhas), como seja a “Peneda”, bem como outros mais, p.ex. “Larouco”, “Cabreira”, “Oural”, “Santa Luzia”. Curiosamente omite o Gerês. A localidade de Soajo está lá (a da Peneda não).
66 - 1888 – Triangulação fundamental e nivelamento de precisão de Portugal, de Lacerda de Carvalho. Como não poderia deixar de ser, na sequência dos trabalhos realizados anteriormente (ver mapa de 1854), um dos marcos de referência à triangulação geodésica vem a ser o cume da “Peneda”, tal como, por exemplo, o do “Larouco”, “Cabreira” e “Sameiro” (Braga).
67 - 1888 - Vuillemin, Alexandre Aimé – Nele assinala-se o cume da Peneda. Figura-se também a localidade de “Soajo” e a “Serra do Gerês” também lá está representada, bem como o “Pico do Larouco” (1548 mts).
68 - 1888-1890 - Botella y de Hornos, Federico de Botella – Este mapa dito hipsométrico, representa o cume “Peneda” (1374 mts), correspondente, como será pacífico, ao “Alto do Pedrinho”. Surgem outros cumes a norte do Lima, mas sem que surja um nome a referenciá-los. Figurados estão também o cume do “Larouco”, com 1531 mts (pelo que se percebe) e o do “Gerês” (com 1396 mts).
69 - 1890 - Paul Choffat – «Carta Geológica de Portugal»: Este é um mapa importante na medida em que, na tese mais corrente entre os Soajeiros, representa um importante voltar de página no sentido de roubar protagonismo a Soajo, retirando qualquer referenciação à “Serra do Soajo” e procurando, erroneamente (pelo menos nessa perspetiva Soajeira), dar relevo à Serra da Peneda, que aqui surge representada ocupando toda a zona que se encontra no nordeste do Alto Minho.
A “Serra do Gerês” surge ali representada com 1561 mts, ou seja, já bem mais próxima do que será a sua altitude real (1548 mts). Existe também uma edição de 1899, realizada em colaboração com Joaquim Filipe Nery Delgado.
70 - 1893 – «Choreographia de Portugal Illustrada», de Manuel António Ferreira Deusdado: É uma obra interessante, contendo vários aspectos respeitantes à geografia portuguesa. A fls. 18-19 deste trabalho surge um mapa orográfico, com curvas de nível, onde, no que ao caso interessa, surge a “Serra de Gavieira” e no seu interior figurou-se o “Monte Peneda”.
A norte do Rio Lima surgem, ainda, a “Serra da Bolhosa”, “Santa Luzia” e a “Serra de Arga”. A sul e mais ou menos próximo do mesmo rio, são figuradas as Serras da “Falperra”, “Cabreira”, “Gerês”, “Amarela” e de “Crasto”(?!), bem como o “Monte Larouco”, este com 1580 mts(!), bem como o “Monte Oural” (este situado no limite Norte do concelho de Vila Verde).
Por sua vez, na página 18 desta obra refere-se a existência, na zona do Minho, de três únicas serras, sendo elas a da “Peneda”, a do “Gerês” e a da “Cabreira”.
Na sua página 20, a propósito dos sistemas hidrográficos, quando aborda a Bacia do Lima e seus afluentes, menciona: ”O Vez é o mais notável. Desce da Serra da Peneda, passa em Arcos de Val de Vez e termina defronte da Ponte da Barca”. Ou seja, aqui menciona-se a “Serra da Peneda”, mas, contraditoriamente, no mapa ficara referida a “Serra da Gavieira” (com o seu Monte da Peneda). Incongruências!
71 - 1897 – «Atlas Escolar Portuguez», de Ricardo Luddeck: No mapa que representa a zona norte/centro, surge um cume com o nome “Peneda”. Aparece a respectiva altitude (que não consigo ler) e assinala-se a sul uma outra proeminência, com uma outra altitude (que tb não descortino), mas que equivale, sem dúvida, ao “Alto da Pedrada”.
Surgem nele outros cumes e, figuram algumas localidades de menor dimensão, nomeadamente, na zona em causa, “Tibo” e “Gavieira”, omitindo-se, estranhamente, a localidade de “Soajo”. Também lá estão, p. ex., a “Serra do Gerês”, a do “Larouco” e a da “Cabreira”.
72 - 1900 – «Portugal Político» (de autor não identificado): Este mapa apenas referencia a existência da “Serra da Peneda”. Gerês também lá surge, tal como a “Serra do Barroso” (também conhecida por “Serra das Alturas”), sendo esta a primeira vez que me deparei com a sua menção. Fio também representada a “Serra do Larouco”.
73 - 1900 – «Spain and Portugal» - obra da The London Geographical Institute e que será da autoria, se bem percebi, de George Philip & Son: Representa, de forma surpreendente para a época, o “Monte Gavieira”. Não estão lá representadas nem a “Serra do Soajo”, nem a “Serra da Peneda”. A Norte apenas se sinaliza a norte a “Serra do Gerês” e a “Serra da Cabreira”.
74 - 1900 – Ernesto de Vasconcelos: No mapa deste autor surge a “Serra da Peneda”. Muito embora exorbite da análise aqui em causa, gosto sempre de referir a existência de outras particularidades e, neste caso, o assinalar-se nele a “Serra do Gerês”, bem como da “Serra do Larouco” e a da “Falperra”.
75 - 19-- - «Novo mapa de Portugal …», que teve por editor e depositário Jose Cierco e foi gravado por J. Forest (Engº. Geógrafo): Este mapa vem, de algum modo, ao encontro da – digamos - modernidade, pois representa, conjuntamente, as serras da “Peneda” e a do “Suajo”, e nos seus devidos lugares. Também lá estão a “Serra do Gerez”, a do “Larouco” e a do “Barrozo”.
76 - 1901 – «Carta Chorographica de Portugal», de José A. F. de Madureira Beça; grav. Martins, Alves e Egreja: Muito semelhante ao mapa anterior, assinala as serras da “Peneda” e a do “Suajo”, bem como aquelas outras vindas de assinalar.
77 - 1902 – Elaborada pelo “Intituto Weimar”: Neste mapa a norte do rio Lima apenas surge a “S. d Suazo”. Por sua vez, na zona norte do país apenas surgem referenciadas, para além da do Soajo, as “Serra da Cabreira” e a do “Larouco”.
78 - 1903 – F. Noriega: No mapa deste autor apenas surge representada e em contracorrente, a norte do Rio Lima, a “Serra de Laboreiro”, a qual coincide com a zona de fronteira com a Galiza. Também está ali figurada uma altitude de 1341 mts, imediatamente a sul da localidade de Gavieira, pelo que, pela lógica, dirá respeito ao “Alto da Pedrada”. No entanto, aquela altitude está mais próxima daquela que surge normalmente (também nos mapas precedentes) relacionada com o “Alto do Pedrinho/Peneda”.
A sul do Rio Lima surge representada a “Serra de Jures”, bem como uma enigmática “Serra de Pena”, situada na zona correspondente, mais coisa menos coisa, a “Pitões das Júnias”.
A “Serra de Larouco” surge ali imediatamente a nascente desta última serra.
Ainda mais estranho é que a sul/sudoeste da “Serra de Jures”, é representada uma “Serra do Gerez”. Por último, a “Serra da Cabreira” é representada a Sul desta “Serra do Gerez”.
79 - 1906 - Carta hypsometrica de Portugal (sem autor identificado): Este mapa apresenta-se com um aspecto “moderno” e nele foi dada especial atenção ao relevo, tal como, aliás, o próprio nome do mapa indica. No que ao caso mais interessa, nele surge indicada a “Serra da Peneda” e na zona correspondente àquela em discussão. Assinala-se o cume do “Alto do Pedrinho/Peneda” com 1373 mts. No entanto, também referencia um outro cume no local onde sabemos estar o “Alto da Pedrada”, com 1415 mts, sem que, no entanto, surja qualquer nomenclatura relativa a esse sítio.
Também ali estão a “serra do Gerez” (com 1561 mts.) e a “Serra do Larouco” (com 1545 mts.) A zona correspondente à “Serra da Cabreira” e ao “Barroso” surge toda ela com o nome de “Serra das Alturas”, que corresponde, como já referi, a um outro nome pelo qual esta última é também hoje conhecida. Importante também é assinalar a representação da “Serra Amarela” (com 1361 mts).
80 - 1907 - “Carta de Portugal com a rede ferroviária: principais termas e partes interessantes a visitar”, de Tavares Pereira: Apenas representa, no que ao caso interessa, a “Serra da Peneda”.
81 - 1909 – “Mappa de Portugal” – do jornal “O Século”: Representa, também ele, apenas a “Serra da Peneda”. Embora se percebam mal as ilustrações, também figuram lá as serras que tenho vindo a assinalar por último (Gerês, Larouco e Barroso).
82 - 1911 - «Carta de Portugal, aprovada para uso das escolas - Direcção dos Trabalhos Geodésicos e topográficos»: Tal como o nome indica, este mapa revela interesse na medida em que terá sido utilizado para o ensino oficial. Assim, aparentemente e em termos oficiais, neste mapa consagra-se a “Serra da Peneda” como sendo a única existente a norte do rio Lima. São também representadas a “Serra do Gerez”, a “Serra do Barroso” e a “Serra do Larouco”.
83 - 1913 e 1919 - «Carta de Portugal, com a divisão administrativa, áreas e população por concelhos e rede de estradas até 1912» (3ª edição): Também da autoria da Direcção Geral dos Trabalhos Geodésicos e Topográficos (Lisboa). Mais uma vez este mapa, de cariz oficial, representa na área em questão – apenas – a “Serra da Peneda”. Também ali sinaliza o que será o “Pico da Peneda/Alto do Pedrinho”, com 1373 mts. No entanto, como é usual, está também figurado um local com 1415 mts no sítio que corresponderá ao “Alto da Pedrada”. “Serra do Gerez” também lá está (1561 mts).
O nome “Cabreira”, com um marco geodésico de 1264 mts, surge integrado na “Serra das Alturas”.
84 - 1923 - «Atlas Universal de Geografia», de Louis Vivien de Saint Martin: Representa, a norte do rio Lima, a “Serra do Soajo” e a (“regressada”) “Serra de Penagache”. Concluo, desde já, que as diversas “escolas”, como sejam a portuguesa, a espanhola, inglesa, francesa e italiana que, para o caso, serão as principais, faziam cada uma delas uma espécie de copy past do trabalho dos seus antecessores da respectiva “escola”.
Na zona da “Serra do Soajo” foi figurada, inclusivamente, a menção a um sítio com o nome “Pedrada”. Curiosamente, também ali se assinala um local com o nome “Louriça” (que vem a ser o ponto mais alto da “Serra Amarela”). Também lá surgem a serras do “Gerês”, do “Larouco”, bem como as “Alturas” e a “Cabreira” (estas duas últimas quase se sobrepõem).
85 - 1926 – «Carta Itinerária de Portugal», da autoria de Egreja, Manuel Maria: Apenas está nela figurado um sítio com o nome “Peneda”, correspondendo, sem margem para dúvidas, àquele que - me permito dizer aqui - será, ou deveria ser, o “Alto do Pedrinho”.
Apesar de se tratar de uma “carta itinerária”, nela detectam-se, facilmente, diversos erros, ficando aqui o exemplo de que é representada uma estrada que vai praticamente “a direito” entre as localidades da “Peneda” e a de “Entrimo” (o que é impossível), com a orientação leste-oeste.
A subsequente carta Itinerária de 1937 faz descrições semelhantes a esta.
86 - 1929 – Mapa de Joseph Forest: Representa, por uma nova ocasião, algum tipo de demonstração da que poderá ser, na actualidade, a visão mais consensual em termos semi-oficiais, representando, simultaneamente, a “Serra do Soajo” e a “Serra da Peneda”. Essa situação, como acima se mencionou, começou a verificar-se, sensivelmente, a partir do ano de 1900.
A “Serra do Gerez” é ali representada de forma a abranger a que será a “Serra Amarela”. À metade oriental da Serra do Gerês chama o autor a “Raya Seca”, a qual surge delimitada a Leste pela “Serra do Larouco” e a Sul pela ”Serra de Barrozo”. Também é representada a “Serra da Cabreira”.
87 – 1930 (edição) – Ernesto de Vasconcelos (já mencionado no mapa 75): Tal como na edição de 1900, Indica-se nele apenas a “Serra da Peneda” no que respeita à zona em questão, com a altitude de 1373 mts (pretendendo referir-se, atenta a altitude mencionada, ao Alto do Pedrinho/Pico da Peneda).
Infelizmente, a partir, sensivelmente, dos anos 20 do século XX, os mapas que consultei no site da Biblioteca Nacional Digital não estão, na sua grande maioria, disponíveis, presumindo-se que ainda estarão por digitalizar.
De qualquer forma, o mais importante seria realizar uma incursão pelos mapas mais antigos, que ficou feita, e não tanto uma análise dos mapas mais actuais.
No entanto, tal como acabei de referir, nos tempos atuais, o normal e quase consensual, é o de nomear e representar as duas serras, a do “Soajo” e a da “Peneda”.
No entanto, continuam a existir excepções, como acontece, por exemplo, com alguma cartografia militar, privilegiando-se, nesse caso, a menção à “Serra da Peneda” em detrimento da “Serra do Soajo”.
I - ASPECTOS HISTÓRICOS
A) Breve resumo da história da localidade de Soajo.
I - Para aprofundar um pouco mais o tema, convirá fazer aqui uma breve resenha histórica relativa à vila de Soajo. Em primeiro lugar, cabe destacar que a vila do Soajo foi sede de concelho entre os anos de 1514 e 1852, englobando as freguesias de Ermelo, Gavieira e Soajo.
II - Por sua vez, tendo por referência o conjunto geográfico aqui em sob estudo, seria esta, muito provavelmente, durante um significativo período dessa época, sobretudo a sua primeira metade, a sede de concelho com um maior peso, nomeadamente a nível político.
Na verdade, quer Arcos de Valdevez (a poente), quer Melgaço (a norte), encontram-se distantes – também em termos de altitude – da parte central do conjunto serrano aqui sob apreciação. Relativamente à Ponte da Barca, o respectivo concelho “mandaria” a sul do Rio Lima e não a norte deste. Por sua vez, o Nascente não merece discussão uma vez que confronta com território galego. Relativamente a Castro Laboreiro, que terá sido fundado em 955, inda que fosse um concelho bem mais antigo do que o de Soajo (1271 a 1885), este era constituído por uma única freguesia e, apesar da sua importância estratégica em termos militares, encontrava-se muito distante dos centros de poder e decisão.
III - Já em relação à localidade do Soajo, esta foi por muito tempo uma terra muito acarinhada pela monarquia, assinalando-se a atenção de que foi alvo por parte do Rei D. Diniz.
Aproveitando os ensinamentos oriundos de várias fontes, como seja a página oficial da Freguesia de Soajo, aprende-se, nomeadamente, que o povoamento da região de Soajo perde-se no tempo.
Também se lê nessa página que o Santuário Rupestre do Gião, na fronteira sudoeste da Serra do Soajo, com as suas inúmeras Antas e Mamoas, constituem alguns dos seus inúmeros marcos documentais.
Já o primeiro documento escrito que ao Soajo se refere é do ano de 950 e menciona a partilha de bens do legado de Hermenegildo, efectuada entre a Condessa Mumadona Dias e os seus descendentes, na qual ficou referenciada a localidade de Soajo como fazendo parte dos bens a partilhar (ali mencionado como “Suagio”).
Posteriormente, nos anos de 959 e 1059, surge uma vez mais, a referência a Soajo, quer no testamento feito por esta Condessa ao mosteiro que fundou em Guimarães, quer depois no inventário dos imóveis desse mesmo mosteiro.
IV – Utilizando, uma vez mais, os bons ensinamentos da Professora Elza Ramalho, na sua obra «Lima Internacional: Paisagens e espaços de Fronteira», lemos a págs. 99: “O Soajo na Idade Média e na sequência de usos e costumes vindos de gerações anteriores superintendia maioritariamente toda a serra, entendida como as atuais do Soajo e da Peneda, o que conferia aos habitantes privilégios reais, como os direitos de montaria, que implicavam aos monteiros, isto é, aos guardas-fiscais da serra, a gestão dos espaços de culturas, pastagens e caça. Em virtude destes privilégios reais, que os soajeiros, sempre, tanto prezaram, poder-se-á entender que o atual lugar da freguesia da Gavieira, a Peneda, possa corresponder a um antigo sítio, muito provavelmente uma antiga área de pastagens, pertença dos moradores do Soajo, idêntica àquelas que, atualmente, ainda, podemos observar, e que foram frequentadas, até meados do séc. XX, na época estival, pelos pastores e respetivos gados e rebanhos da rês.”
V – Por sua vez, no livro, «Inventário Colectivo dos Arquivos Paroquiais vol. II Norte Arquivos Nacionais/Torre do Tombo» pode ler-se na íntegra: «Datam de 950, “Suagio et Monimenta”, de 959 e 1059, “villa Soagio”, surgiam as primeiras referências à localidade de São Martinho do Soajo.
A existência da municipalidade de Soajo é também mencionada nas Inquirições Gerais de 1258, ordenadas pelo rei D. Afonso III.
Por sua vez, o chamado “Rol dos Besteiros do Couto”, datado do reinado deste rei D. Afonso III, ou até de D. Dinis, faz referência ao Julgado de Soajo. Ainda em 1283, na Chancelaria de D. Dinis (1279-1325) encontra-se o documento respeitante à solução de um pleito ocorrido no Município de Soajo, que está arquivado na Torre do Tombo.
Há também referência a uma intervenção do rei D. Dinis, que em 1282 tomou partido numa querela entre o denominado Pretor de Castro Laboreiro e os Monteiros de Soajo, tomando partido em favor destes últimos.
Também ali aprendemos que os soajeiros tinham como obrigação militar defender, em caso de Guerra, a Portela do Galo (situada entre a localidade de Soajo e a Várzea), por causa da passagem da fronteira no local de Porto-à-Várzea
Em 1320, na lista das igrejas situadas no território de Entre Lima e Minho, do bispado do Tui, que o rei D. Dinis mandou organizar para determinação da taxa a pagar, verifica-se que a localidade de São Martinho de Soajo foi taxada em 200 libras.
Posteriormente, em 1388, no início do reinado de D. João I (1383-1433), o abade da Freguesia de Ermelo, então pertencente ao Município de Soajo, dirige-se ao rei afirmando: «O Mosteiro de Ermelo foi mandado construir por D. Teresa, no Julgado de Soajo».
Já em 1401, o mesmo rei D. João I interditou os nobres, em obediência do que vinha do passado, de viverem na terra e no Julgado de Soajo, decisão tomada a pedido dos vereadores da Câmara Municipal de Soajo. Na verdade, já no princípio do século XIV, tal como se voltará a ler infra quando aludirmos à obra do Professor Baeta Neves, o rei D. Dinis estivera em Soajo, tendo aumentado os privilégios desta localidade, determinando, designadamente, que nenhum fidalgo se demorasse aqui «mais tempo do que o necessário para se esfriar um pão quente, posto ao ar, na ponta de uma lança».
Há também registo de no ano de 1456, o Soajo ter tomado posição sobre matéria referente a tributações de bens comercializados na feira de Valdevez, o que de alguma forma revela algum tipo de predominância daquele concelho em relação a este último.
Aliás, melhor se compreenderá esse facto se atendermos a que Arcos de Valdevez apenas teve foral no ano de 1515, ou seja, já após a criação do concelho de Soajo.
VI - Relevante é também destacar que André de Resende, intelectual, arqueólogo, teólogo e um grande humanista português, no sec. XVI, na sua obra «As antiguidades da Lusitânia» (volume 3 – página 162), mencionou nele, então em latim, o seguinte título: “de montibvs Marano, Ivresso, Svaio, et Muro”, ou seja, refere o tradutor da obra que o autor pretendia reportar-se à existência das serras (ou montes) do Marão, Gerês, Soajo e Montemuro.
A propósito destas serranias refere este autor: “Achei que o Marão, o Gerês, e o Muro, mais o Soajo se se quiser, deviam ser referidos apenas devido ao facto de cortarem a meio a província dos Brácaros tão rigorosamente que a parte que deles se estende até ao mar é chamada Entre Douro e Minho (existe um opúsculo, cuja leitura não é de desprezar, sobre as qualidades desta região, sua fertilidade, amenidade, salubridade), quanto à outra parte fica para lá destes montes, deixando à esquerda o Minho, sobe na direção do oriente e é chamada vulgarmente a região de Trás-os-Montes.
Também curiosa é a nota 53 que surge no contexto da página vinde de transcrever, em que o mesmo autor explica: “Parece, por outro lado, que estes montes são como que ramificações do monte Vínduo, de que Floro e Orósio fazem menção. Ptolomeu chama Víndio àquele que se estende largamente a partir dos Pirenéus a norte de Pamplona, cidade dos Cântabros, por Vitória, cidade do mesmo povo, e pelos Gémeos Ástures, até que se divide em duas pontas recurvadas: uma corre para o mar Cantábrico e cabo Finisterra; a outra, fletindo a sul, divide os Brácaros, como se disse, entrando na jurisdição da Lusitânia, junto de Chaves, e logo depois recebe ao acaso nos diferentes lugares nomes também diferentes.”
No registo da avaliação dos benefícios eclesiásticos pertencentes à comarca de Valença, efetuada em 1546, sendo arcebispo D. Manuel de Sousa, São Martinho de Soajo figura como, naturalmente, enquadrado no concelho de Soajo, e tendo anexa a si a igreja de São Salvador da Gavieira. Em conjunto estas duas igrejas rendiam por essa época 60 mil réis.
Chama-se, no entanto, a atenção para o facto de que já previamente a 1514 o Soajo já teria algum tipo de autonomia municipal e, inclusivamente, um julgado.
VII – Mais tarde, em 1657, durante as guerras da Restauração, os povos do Concelho de Soajo tomaram nela parte activa e junto ao Castelo de Lindoso, bateram-se, heroicamente, pela Restauração da segunda independência de Portugal, tudo conforme documento publicado em «Subsídios para a História da Terra da Nóbrega e Concelho de Ponte da Barca», da autoria do Professor Avelino de Jesus Costa.
B) A Figura da Montaria Real
I - O conjunto orográfico na região nordeste, na zona situada entre o rio Minho e o rio Lima, foi particularmente acarinhada pelos primeiros reis de Portugal, tanto é que nela surgiu uma das primeiras montarias na nação. Apelidada de “Montaria Real”, ela foi criada sobre esta serrania e nela se exerceu a respetiva jurisdição até ao ano de 1831, sendo concretizada através da autoridade do Monteiro-Mor, coadjuvado pelos Monteiros-Menores.
Por diversas vezes ao longo da sua história a localidade foi mesmo sendo referenciada como «Vila e Montaria de Soajo». A este propósito diga-se que a localidade foi re-elevada a Vila no ano de 2009.
II - Recorro aqui, uma vez mais, a passagens de um livro muito interessante, de seu nome, «Lima internacional: Paisagens e Espaços de Fronteira», da autoria da já citada Professora Elza Carvalho, no qual se lê: “O Soajo na Idade Média e na sequência de usos e costumes vindos de gerações anteriores superintendia maioritariamente toda a serra, entendida como as actuais do Soajo e da Peneda, o que conferia aos habitantes privilégios reais, como os direitos de montaria, que implicavam aos monteiros, isto é, aos guardas-fiscais da serra, a gestão dos espaços de culturas, pastagens e caça.
Em virtude destes privilégios reais, que os soajeiros, sempre, tanto prezaram, poder-se-á entender que o actual lugar da freguesia da Gavieira, de nome “Peneda”, possa corresponder a um antigo sítio, muito provavelmente uma antiga área de pastagens, pertença dos moradores do Soajo, idêntica àquelas que, atualmente, ainda, podemos observar, e que foram frequentadas, até meados do séc. XX, na época estival, pelos pastores e respetivos gados e rebanhos da rês. À evolução do sítio da Peneda não se pode dissociar o fenómeno religioso, que terá tido um grande incremento na segunda metade do século XVI em virtude das fortes epidemias que grassaram no país, levando as populações em peregrinação e penitência a recorrerem à proteção da Nossa Senhora das Neves, o nome, de facto, da Senhora da Peneda.”
A mesma Professora Elza Ramalho, a propósito deste tema, a fls. 130 da sua mencionada obra, ensina-nos o seguinte: “Referências ao Soajo, aos deveres e direitos do soajeiro, foram confirmados pelos monarcas Dinis, Afonso III, Pedro I, João I e Manuel I, culminando com a atribuição do Foral, em 1514. Estar-se-á perante um longo período em que o Soajo era um dos lugares eleitos pela nobreza e coroa, que se deslocavam expressamente para usufruírem, através das caçadas, os espaços ásperos, mas majestosos, do Soajo e da Peneda, que se estendiam pela Amarela, com o suporte no castelo do Lindoso, e se continuavam pelo Gerês.
Na carta de Foral concedida por Manuel, em 1514, os habitantes do Soajo continuaram isentos, praticamente do pagamento de tributos reais, pois, apenas eram obrigados a contribuir com (...) cinquo sabujos feitos de monte sem outra njnhuma cousa (...) pois (...) nam há hy montados nem manyinhos, por que he tudo dos moradores da terra Isentamente (...) DIAS, 1969 – «Foral da Terra do Soajo».
Os monteiros tinham como atribuições a defesa tanto da flora como da própria fauna que matizavam a mata do País «(...) considerando esta não só como uma fonte de produtos úteis indispensáveis às populações, mas também como ambiente necessário para a vida normal da fauna cinegética (...)». A referência a Monteiros-menores e a Guardadores de matas justifica que se acrescente agora que o Monteiro-mor os tinha por auxiliares, tais como os Monteiros a cavalo e Moços de monte, em correspondência assim mais ou menos perfeita com os Regentes, Mestres e Guardas florestais do nosso tempo (NEVES: 19-53).”
III - Revela-se igualmente interessante o estudo do já mencionado Professor Baeta Neves (1916 – 1992), concretizado no seu livro «A montaria do Soajo, primórdio histórico do Parque Nacional da Peneda-Gerês».
Pelo seu significativo interesse reproduzo aqui parte do respetivo conteúdo:
“Quanto aos outros privilégios que lhe foram concedidos, a atestar o seu prestígio e vincada personalidade, deverei começar por referir o que se deve ao mesmo rei, o qual estabeleceu que nenhum fidalgo poderia demorar-se no Soajo mais do que o tempo necessário para um pão quente esfriar na ponta de uma lança ao ar, privilégio que se julga estar relacionado com o feitio da pedra, um pão triangular, que encima o pelourinho dessa povoação, sendo o fuste deste a lança, interpretação aliás controversa. Mas foi D. João I aquele que terá dado maior relevo à distinção como eram tratados os Monteiros soajeiros, quando lhes concedeu os privilégios de serem isentos de terem armas, salvo azeumas, e o direito de terem os seus sabujos. Também o mesmo rei estabeleceu a proibição dos fidalgos morarem no Soajo e seu julgado, não podendo possuir ali casas, vinhas e herdades ou outros bens e «herdamentos»; não lhes sendo igualmente permitido apossarem-se dos sabujos dos seus habitantes. Tais privilégios vieram a ser posteriormente confirmados por D. João II e D. Manuel, tal como os concedidos por D. Afonso V, aos quais correspondeu o direito de todos os Monteiros do Soajo poderem vender e passar os seus gados para a Galiza, e ainda o Monteiro-mor e todos os Monteiros do Soajo e seu termo serem escusados de pagarem e terem qualquer encargo no Concelho, e de servirem no mar ou na terra em quaisquer armadas ou guerras, nem mesmo na dependência de seus filhos, mas só dele.”
IV - Esse investigador chega na sua obra a uma interessante conclusão, que, por sua vez, justifica o nome da mesma, e que se resume na seguinte ideia: “É assim legítimo considerar a Montaria do Soajo como o primórdio histórico do Parque Nacional da Peneda — Gerês, por ter sida a área dentro deste que primeiro foi sujeita a normas visando a protecção da fauna própria, nomeadamente a designada por caça grossa, sem embargo de ser permitida a sua exploração de certo modo ordenada. Se tal não tivesse acontecido talvez hoje ainda fosse mais pobre em variedade e quantidade a sua representação nessa área, e embora nela se tivessem extinguido o urso e a cabra selvagem, foi em datas muito mais recentes que tal aconteceu.”
Assim, durante muitos séculos, esta área foi protegida no respeitante à respectiva fauna e flora (culturas, pastagens e caça), cabendo a respetiva gestão, e a fiscalização superior, ao representante régio que, no caso, estava entregue ao Monteiro-Mor.
Em virtude da principal actividade dos habitantes da região ser a caça, estes eram designados por “monteiros”. As principais espécies então capturadas eram os ursos, javalis, cabras-bravas, lobos e raposas.
Quer Sistelo, quer Cabreiro, bem como outras povoações, algumas delas espanholas, reuniam e cooperavam também para organizar as batidas, nomeadamente aos lobos e javalis, sendo que tudo quanto a essa actividade dizia respeito ficava sob a gestão e superintendência de Soajo.
V – Ainda segundo Pinho Leal, um militar português mais conhecido como historiador (1816 – 1884), autor dos 12 volumes do «Portugal Antigo e Moderno», esta Freguesia “teve grandes privilégios, entre eles o de não darem alojamento às tropas, nem soldados, em tempo de guerra, e só iam a ela no seu couto, ou quando fosse o rei em pessoa”.
De facto, pelos documentos existentes na Torre do Tombo, constata-se que os Monteiros do Soajo gozavam de privilégios ímpares e também relativamente às demais Coutadas e Montarias Reais, em virtude da sua situação estratégica e das suas belezas naturais.
Documentos datados do início do século XVII referenciavam já Soajo como Vila, admitindo-se que essa categoria resulta de ter sido então erigido o seu Pelourinho, tudo segundo norma existente na chancelaria de D. Afonso V.
VI – De referir ainda que o Rei D. Afonso V, aquando da sua visita à província do Minho, deu satisfação a um pedido de algumas populações locais, nomeadamente as de Castro Laboreiro, ao permitir-lhes manter seculares costumes da fronteira livre, que incluíam o pastoreio comum dos gados, lusos e galegos, em montes comuns e que ignoravam a divisão política. De igual modo, o mesmo rei abriu outras excepções, como as conferidas aos já mencionados Monteiros do Soajo, traduzidas, por exemplo, na manutenção do compáscuo em montes galegos – pag. 242 da citada obra da Professora Elza Ramalho.
VII - Por último, menciono que ainda em pleno século XX, apenas o soajeiro tinha o poder de convocar os habitantes das freguesias limítrofes, para, em conjunto, organizarem e efectuarem as batidas aos lobos, quando se entendia que estes actuavam por forma a dizimar os animais de pastoreio.
C) O juiz de Soajo
A vida em comunidade sempre foi muito importante na povoação de Soajo e esta localidade até há cerca de um século ainda tinha um juiz eleito pelo povo. Assim e por muitos séculos o Soajo sempre dispôs de um juiz local.
Lenda ou realidade, existe uma célebre estória de um juiz de Soajo, no caso concreto o chamado “Ti Sarramalho”, que é por todos quantos são de Soajo conhecida, sendo ela o símbolo da inteligência e justiça de todo o povo da Vila de Soajo. Na verdade, no território de jurisdição do Julgado de Soajo exerceram as suas atividades vários juízes ordinários e não apenas este mais conhecido e lendário “Ti Sarramalho”.
O Juiz Sarramalho era um dos homens bons da terra, de passagem para a sua terra natal, deparou com um crime de morte de um indivíduo, sendo dele uma testemunha ocular.
O caso foi submetido a julgamento e face às provas testemunhais tinha então de sentenciar. Como tal proferiu então o seguinte veredicto: “Morra que não morra, dê-se-lhe um nó que não corra, ou degredado toda a vida e com cem anos para se preparar”.
É claro que esta decisão não foi entendida pela maioria das pessoas. Entretanto a sentença subiu às instâncias superiores através de recurso. Foi então, chamado ao tribunal de apelação o dito Juiz de Soajo, para ali justificar e explicar a sentença dada.
Cansado de tanto esperar de pé pelos juízes do Tribunal da Relação, tirou a sua capa das costas e sentou-se nela, no chão.
Após ter justificado a sentença, retirou-se da sala. Sendo chamado, quando descia as escadas, chamaram-lhe a atenção que se esquecera da capa. De maneira digna, respondeu então com altivez: “O Juiz de Soajo, cadeira onde se sentou, nunca consigo a levou.”
Já no reinado de D. Afonso III (1210-1279) fazia-se referência à existência do julgado de Soajo, conclusão resultante da avaliação de várias disposições legais, compiladas por especialistas e que atestam essa existência.
Após a eliminação do Concelho de Soajo verificada em 1852, foi depois também extinto o referido julgado, o que se verificou a 31 de Dezembro de 1853.
D) O pelourinho de Soajo e outras notas curiosas.
I - Parece-me também interessante realizar aqui uma breve abordagem ao tema do famoso Pelourinho de Soajo, que está considerado como monumento nacional e cujo aspecto, no que diz respeito ao rosto que o encima, deverá corresponder a uma remissão para a figura do Monteiro-mor da comarca de Soajo.
Tal como se aprende na página (blogue) do «Soajo em noticiário», a que mais à frente me referirei mais demoradamente: “Foi este oficial régio como que um "donatário" a governar a circunscrição administrativa - Montaria de Soajo - onde, com poderes em matérias da protecção e conservação da natureza e, ainda com jurisdição cível, decidia livremente as demandas dos seus subordinados, além de outras importantes competências consagradas na lei e no regimento da Montaria.”.
No mundo da internet encontram-se outras e variadas informações, como sejam aquelas já acima mencionadas (ver pág. 79) relativas à figura/rosto que encima o pelourinho, e ao dito “pão triangular”, colocado sobre a figura, como espécie de chapéu. Pensa-se que ele terá sido erigido no séc. XVII.
O pelourinho, colocado no centro da Vila, mais concretamente no Largo de Eiró, possui uma estrutura em cantaria de granito, composta por soco quadrangular de três degraus escalonados, onde assenta coluna de fuste circular, tendo esculpido no topo face circular, marcada com grandes olhos redondos, nariz e boca risonha. Remata-a uma placa triangular (retirado de publicação da Direcção-Geral do Património Cultural).
II – De igual modo interessante para que se consiga uma melhor compreensão da totalidade do fenómeno “Soajo”, como seja o apreender da sua importância no tempo histórico, e as tensões determinadas pela propensão desta localidade para, de algum modo, impor o seu domínio sobre o território confinante, vem a ser a leitura da excelente publicação da Professora Elza Carvalho, de seu título: «Lima Internacional: Paisagens e Espaços de Fronteira Volume 1». Lê-se ali: “À “vila” do Soajo pertencem os poulos de Chã da Cova e Chã da Cabeça, na serra do Soajo, de Felgueira Ruiva e Chã da Matança, na serra da Peneda, isto é, na cabeceira divisória das bacias dos rios Peneda e Laboreiro. “
E continua-se mais adiante: “O poulo “mais idoso”, ou melhor, aquele que teria sido mais frequentado, em tempos antigos, logo, imemoriais, seria o de Felgueira Ruiva, em que, além dos cortelhos, haveria muitas lapas aproveitadas, como abrigo pelos pastores. Contudo, nos inícios dos anos sessenta do século XX, os residentes da "vila" incidiram a sua atenção na Chã da Matança ao construírem com materiais modernos, que incluiu a telha, uma casa, a casa do Soajo, logicamente para abrigo dos pastores, marcando assim, os seus direitos de utilizadores de pastagens alvo de acesas polémicas multisseculares, nomeadamente, com os habitantes dos Ribeiros. A construção de esta casa causou um certo impacto, para não dizer, “respeito” e “estupefacção” nos habitantes, quer dos Ribeiros, do Baleiral, da Peneda e mesmo de Tibo, a avaliar pelo modo, como ela nos foi referenciada e descrita, no Verão de 2003, por um grande número de moradores de estas localidades. Assim, por exemplo, residentes em Tibo referiram-se a esta construção como uma casa nova, que os moradores do Soajo tinham edificado para alojamento dos pastores, mas que foi destruída, pelas gentes dos Ribeiros.
E continuando: “O facto de os da Vila de Soajo terem direitos sobre locais tão longínquos como a Felgueira Ruiva e Chã da Matança (poulos), confirmará algum tipo de superintendência pelos moradores do Soajo, resquícios dos tempos da Montaria Real.”
AS MEMÓRIAS PAROQUIAIS DE 1758
I - Estas “Memórias” revelam um interesse histórico inultrapassável no sentido de melhor entender o Portugal do século XVIII e, nomeadamente, no respeitante às questões das nomenclaturas de índole geográfica.
Aprende-se no site do Arquivo nacional da Torre do Tombo que estas “Memórias”, serão o resultado de se haver publicado um Aviso, a 18 de Janeiro de 1758, da autoria do Secretário de Estado dos Negócios do Reino, o - famoso - Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, que fazia remeter, através dos principais prelados, e para todos os párocos do reino, os interrogatórios sobre as paróquias e povoações, pedindo as suas descrições geográficas, demográficas, históricas, económicas, e administrativas, para além da questão dos estragos provocados pelo terramoto de 1 de Novembro de 1755. As respostas deveriam ser depois remetidas à Secretaria de Estado dos Negócios do Reino. O respectivo índice terá sido elaborado, ou concluído, no ano de 1832.
II – Lê-se no mesmo site que esta “colecção é constituída pelas respostas elaboradas pelos párocos ao interrogatório, através do qual se pretendia obter informações sobre as paróquias, abrangendo a totalidade do território continental português. Apesar de a exaustividade das respostas não ser constante, apresentam-se, na generalidade, de forma sequencial aos pontos do interrogatório (que está dividido em três partes relativas à localidade em si, à serra, e ao rio) fornecendo dados de carácter geográfico (localização, relevo, distâncias), administrativo (comarca, concelho, dimensão, e confrontações), e demográfico (número de habitantes), sendo possível obter informações sobre a estrutura eclesiástica e vivência religiosa (orago, benefícios, conventos, igrejas, ermidas, imagens milagrosas, romarias), a assistência social (hospitais, misericórdias, irmandades), as principais actividades económicas (agrícola, mineira, pecuária, feira), a organização judicial (comarca, juiz), as comunicações existentes (correio, pontes, portos marítimos e fluviais), a estrutura defensiva (fortificações, castelos ou torres), os recursos hídricos (rios, lagoas, fontes), outras informações consideradas assinaláveis (pessoas ilustres, privilégios, antiguidades), e quais os danos provocados pelo terramoto de 1755.”
III – Em relação ao objecto de estudo que aqui me traz, assume nuclear importância, como é óbvio, o livro relativo às Memórias das freguesias do distrito de Viana do Castelo.
Este livro, tal como todos os demais, surgiram a público em Março de 2005, pela mão do Professor catedrático, José Viriato Capela, autor e coordenador de tais “Memórias”.
IV – No que ao caso interessa, a informação que se afigura como a mais relevante será aquela que nos descreve o seguinte:
“Rio Vez (Arcos de Valdevez) – O rio Vez nasce na serra da Peneda, em Val de Poldras, no lugar de Padrão, freguesia de S. João de Sistelo, nas chamadas «Lamas do Vez». Entra no rio Lima, entre as freguesias de S. Pedro do Souto e Paçô, no sítio chamado «Poldras de Vez» (Memória de Sá). – pág. 224.
Ora, esta afirmação coloca em crise, de forma frontal, a minha convicção de que a zona de “Lamas de Vez”, situada entre o “Alto da Pedrada” e o “Alto do Pedrinho/Peneda”, fará parte, tal como este último local, da “Serra do Soajo”.
V – Contudo, não será tal facto que me demoverá da minha profunda convicção, de raízes geomorfológicas e, desde logo, haverá que relativizar esta informação, quer no próprio contexto da obra, quer na conjuntura político/religiosa então vivenciada.
Assim, por um lado haverá que ter em atenção o facto de os trabalhos de campo, ou a fonte de informação destas Memórias, terem sido os párocos das freguesias.
Ora, já então se fazia sentir, ainda que de uma forma mais embrionária, o surgimento de uma espécie de “braço de ferro” entre as teses aqui em discussão, não sendo por isso de estranhar que os “homens da igreja” tomasse partido pela - religiosa - Peneda, em detrimento do – laico - Soajo.
Também aqui se recorda que por aquela época, depois de um hiato de tempo considerável sem que surgisse qualquer referência (pelo menos a nível de mapas), à “Serra da Peneda”, o mapa de Custódio Vilas Boas (1793 – mapa 28), trouxe para a ribalta esta última serra, eclipsando-se no mesmo mapa qualquer referenciação à “Serra do Soajo”.
VI – Por outro lado, no próprio contexto das mesmas “Memórias Paroquiais”, encontramos informação que revela alguma relatividade e contingência no que respeita às informações “geográficas” ali veiculadas.
Nesse sentido, aponta, por exemplo, a seguinte ideia que lá pode ser encontrada: “A abordagem «científica» das questões da Geografia e da Ciência vai limitada contudo a muito curtas incursões, oscilam entre um conhecimento moderno e um conhecimento tradicional das matérias, mais próximo deste do que daquele. É o caso da Geografia mais tratada.
A descrição geográfica deixa-nos às vezes boas descrições das características físicas, climáticas, económica das serras. Em muitos deles em particular nos párocos que transportam consigo maior cabedal de cultura e instrução, há o cuidado de registar as coordenadas geográficas da posição, as distâncias, o sistema orográfico e fluvial, entre outros para melhor situação e referenciação da sua paróquia que se junta à mais comum descrição da delimitação da serra e da terra tendo em vista a fruição reservada à comunidade feita muitas vezes a partir da leitura do Tombo da igreja, importante para a delimitação do «domínio» paroquial, eclesiástico e dizimeiro.” - Pág. 118 (com o título: “Economia e descrição das serras”).
VII – Além da contingência vinda de assinalar, encontramos na página 140 deste trabalho, a seguinte menção: “Gado bravo. Fojos e montarias – Nas zonas montanhosas, especialmente nos territórios dos concelhos de Coura, Melgaço, Ponte da Barca e Arcos por onde se desenvolvem as serras da Peneda, do Soajo, da Amarela.”.
Ou seja, é ali admitida – no mínimo – a existência da “Serra do Soajo”.
Aliás, já na página 23 desta obra, sob o título “Arqueologia – Alto Minho”, se afirmara: “Sem pretendermos ser exaustivos referimos as seguintes: a necrópole da Serra Amarela, que se dispõe nos contrafortes voltados ao vale do Lima; a do Soajo, nas vertentes meridionais do serra, drenadas pelo mesmo rio; a da Serra da Peneda, na zona das nascentes do rio Vez; a do Planalto de Castro Laboreiro, talvez a mais extensa e fascinante de todas e, sem dúvida, uma das mais altas da Península Ibérica, já que o planalto se eleva a uma cota que oscila entre 1.200 e 1.300 metros”.
Depois, a fls. 142, menciona-se (a propósito das Gravuras rupestres de Montedor) o seguinte: “Tal como a Laje das Fogaças de Lanhelas (vale do Minho), a Bouça do Colado (vale do Lima), o santuário do Gião (Serra do Soajo)”.
E mais adiante, na pág. 241, também a propósito deste “Santuário do Gião”, escreve-se: “No limite entre os termos das freguesias do Soajo e de Cabana Maior situa-se um dos elementos patrimoniais mais interessantes do Alto Minho e que, no entanto, não se encontra classificado, embora seja conhecido desde a primeira metade do século XX. Trata-se do santuário pré-histórico do Monte do Gião, um dos últimos contrafortes ocidentais da serra do Soajo. As referências bibliográficas sobre o santuário do Gião são escassas, apesar do interesse do monumento. Próximo deste santuário, em especial para norte estende-se a necrópole megalítica da Serra do Soajo. (A. Matos Reis).“
VIII – Para além das “Memórias Paroquiais”, aceitarem, expressamente, a existência da “Serra do Soajo, contêm algumas incongruências que de algum modo lhe retiram parte da sua valia – digamos – científica, como seja o facto de mencionarem (pag. 424), sob o título “Votos, romagens e romarias, clamores e procissões”, o seguinte: “S. Bento do Cando e Santo António do Vale de Poldos sitas na serra de Outeiro Maior • no dia dos seus oragos • há grande romagem principalmente na de S. Bento.”
Aliás, logo na página seguinte (425), lê-se: “Nossa Senhora da Peneda com o título de Mosteiro sita na serra de Outeiro Maior”.
Por último, trazendo implícita a existência desta “Serra do Soajo” e da sua importância no que respeita à questão das Brandas, encontramos nesta obra, na sua página 42, sob a epígrafe “Brandas e inverneiras”, a seguinte descrição: “No Soajo, além dos lugares habitados durante o ano inteiro e cujas casas constituem as inverneiras, existem numerosas habitações repartidas em pequenos grupos de três ou quatro na Serra e até nas margens dos pequenos ribeiros e cuja ocupação temporária é sobretudo estival. São as casas de Brandas”.
CONCLUSÕES/OPINIÕES
A
I – A propósito deste capítulo, começo por citar aqui a Professora Suzanne Daveau, no seu livro «Caminhos e Fronteiras na Serra da Peneda – Alguns exemplos nos séculos XV e XVI e na actualidade» (Revista da Faculdade de Letras – Geografia I série, vol. XIX, Porto, 2003, pp. 81 – 86), onde esta autora nos diz:
“[…] Outro aspecto importante da Serra da Peneda é ser um maciço muito compartimentado e tradicionalmente designado por nomes variados, conforme é considerado nos seus diversos lados. Escrevia em 1758 o abade Manuel Luís Cerqueira, ao descrever a freguesia de Santa Maria do Extremo, sita na Portela de Vez, que as “serras não têm nomes certos (…) a serra que fica da parte do Nascente no Couto do Soajo chama-se Serra do Soajo, ou Serra da senhora da Peneda, que é ermida, que está dentro deste couto no meio da serra; aonde está a freguesia de Sistelo chama-se Serra de Sistelo, etc.” (Dicionário Geográfico, Ms. da Torre do Tombo, t. XIV, fls. 681-695). Terá sentido atribuir um único nome ao conjunto de terras altas rodeadas por Rio Minho, Vez e Lima, como se tornou habitual hoje?”
II – Chamo aqui também a terreiro o ensinamento do Professor Luís Moreira, que teve entretanto a amabilidade e a paciência de me aturar, e que entre outras boas lições me referiu, com muita propriedade, que o recurso aos mapas antigos para tentar provar algum tipo de evolução toponímica, constitui um terreno pantanoso. Isto porque: “[…] será sempre possível demonstrar uma coisa e o seu contrário, sem adulterar a leitura das fontes e sem cair em contradição. Em todo o caso, importa ter em conta que, normalmente, os mapas eram levantados pelas autoridades centrais, militares ou civis, e a sua leitura do território é sempre exógena e para quem o conhecimento dos locais nunca é fiável por se tratar de pessoas sem instrução. Daqui decorreram muitas generalizações e omissões, mais ou menos propositadas. Também é frequente observar que, localmente, o mesmo acidente orográfico possa ter várias designações consoante a vertente considerada.”
III – Feito este introito, direi que procuro aqui sublinhar a relatividade de quaisquer possíveis conclusões, e que serão muitas mais as hipóteses de trabalho, as conjecturas, do que o verdadeiro alcançar de verdadeiras conclusões, ademais porque o tema se movimenta, maioritariamente, no domínio das ciências sociais, tão sujeitas, por natureza, a teses e subjectividades.
IV – Feito este sublinhado, direi agora que o “povo Soajeiro”, quer pelo seu natural isolamento ancestral, quer até pelos benefícios que lhe foram sendo conferidos ao longo da sua história, de que é um excelente exemplo a Montaria Real, era (e é) um povo orgulhoso e muito cioso do que é seu.
Também por isso, chegada a hora dos “baptismos”, aquele momento em que surgiu a necessidade de, por uma primeira vez, cartografar e referenciar toda aquela zona de serra/montanha (recorda-se que o 1º mapa é de 1561), terá lógica que os geógrafos/cartógrafos da época, ou aqueles que realizavam os respectivos trabalhos de campo, oriundos, muito provavelmente, do sul do país (Lisboa, Porto, ou Braga), e abordando, também provavelmente, a zona em questão pelo vale do Lima/Lindoso, ao questionarem os habitantes locais acerca dos respetivos orónimos e topónimos, tivessem por resposta as nomenclaturas por eles usada.
Como será lógico, não seriam esses “senhores da cidade”, pelo menos por esses tempos, que realizariam tais baptismos.
V - Recorda-se, que então e ainda por séculos, quem detinha um concreto peso regional, nomeadamente em termos de importância política e administrativa, era a Vila do Soajo, local onde se centrava o poder político e administrativo do respetivo concelho. Seriam esses aqueles que “riscavam”, tanto mais que por esse tempo e há cerca de 50 anos, que, orgulhosamente, haviam sido promovidos à categoria de concelho (1514).
A este propósito, menciona o Dr. Jorge Lage, um denodado “Soajeiro dos 7 costados”, no seu já citado blogue «Soajo em noticiário» e creio que com fundamento, que: “Obviamente que, em termos de espaço montanhoso o clássico nome «Serra de Soajo», ao estar ligado ao nome da «Terra de Soajo», onde existiu a capital, da montaria, do concelho, do julgado, da freguesia, do espaço tradicional, da mais intensa humanização da serra, é o que mais justifica, o que tem maior razoabilidade, como nome certo!”.
Ou seja, pelo menos para quem abordasse este espaço serrano pelo seu flanco mais acessível e mais lógico (até porque já existiria uma espécie de estrada a percorrer o vale do Lima), ou seja, pelo Sul, tropeçaria nessa localidade/concelho situada aos pés da respectiva serrania.
Contudo, importante será realçar que já quem se aproximasse do mesmo espaço pelo lado Norte, ou seja, pelo lado galego, ou de Melgaço, poderia tender a apelidá-lo de uma outra forma, como seja o de “Serra de Laboreiro”, ou “Montes de Laboreiro”, ou até “Serra de Penegache” (que ficava - e fica do lado galego -, junto à fronteira com o rio Minho).
Importante é acrescentar que pelo menos a partir do século XIII, quem viesse desse flanco Norte poderia até ter por missão o dirigir-se para a “Serra ou Monte da Peneda”, sobretudo se viajasse imbuído de algum tipo de fervor religioso para o local da respectiva ermida (mais tarde santuário).
VI – Também importante, na esteira do que se vem de mencionar, será ter-se noção que no “antigamente” as vias de comunicação não abundavam e, além disso, os caminhos seriam na sua grande maioria considerados maus pelos padrões actuais. Aliás, muitos deles não permitiriam viagens em carruagens ou diligências, mas somente a pé, a cavalo, ou de mula.
Como é óbvio, vistas aéreas dos locais a mapear também não existiam, pois nem a passarola do Bartolomeu de Gusmão por lá fora avistada.
Por sua vez, como mencionei já aqui, quando quem fazia os trabalhos de campo indagava junto dos locais acerca do nome de um qualquer acidente geográfico, como seja uma montanha ou uma serra, apenas o faria, em princípio, num ou noutro determinado local (normalmente na sede de concelho) e não em todo o redor do respetivo maciço.
Assim, no caso concreto, seria provável que a averiguação acerca do nome da montanha, ou da serra, fosse realizada junto da vila mais próxima e mais importante de toda a zona, no caso, a do Soajo e já não, por exemplo, em “Rouças”, ou em “Sistelo”, ou na “Bouça dos Homens”.
Mesmo em relação à vila de Castro Laboreiro, apesar de ter sido Vila e sede de concelho desde 1271 (data do “foral velho”) até 1855 (sendo constituída – recorda-se - exclusivamente pela freguesia do mesmo nome), ela não teria o mesmo peso político que a sua congénere do Soajo e, além disso, o seu acesso seria ainda mais difícil do que aquele que houvesse para realizar para esta última.
VII – Tal como acabo de mencionar, por aqueles tempos existiam poucas estradas, existindo sim alguns caminhos (fracos) que ligavam povoações. Por isso, verificava-se um significativo isolamento dos lugares habitados, determinado não apenas pelo relevo acidentado, mas sobretudo em virtude do mau estado daquelas vias de comunicação.
Assim, por exemplo, ainda nos finais do séc. XVIII a «estrada» que ligava Castro Laboreiro ao Gerês e que passava pelo Lindoso, não se encontrava transitável, nem sequer para as mulas.
VIII – Uma conclusão que me parece segura e pouco susceptível a controvérsias, é a de que nos princípios da nacionalidade e até ao ano de 1220 a “Serra da Peneda” não existiria enquanto nome da área serrana em questão.
Efectivamente, até essa data, ou seja, aquela da alegada aparição da Nossa Senhora das Neves (depois baptizada de “Senhora da Peneda”), aquele que é o lugar da Peneda, da actual freguesia da Gaviera, não tinha qualquer tipo de relevância, ou característica, que pudessem justificar a atribuição do nome “Peneda” às serranias adjacentes. Aliás, o local não teria qualquer presença humana de continuidade.
Todavia, com o advento da aparição e, no essencial, com o início das peregrinações à ermida então construída e, mais tarde, ao santuário edificado, é de todo crível que quem se deslocasse àquele lugar referisse então que rumava (ou regressava) da “Senhora da Peneda”.
Assim, e por inerência, não será de estranhar que o espaço de montanha em que esse local religioso se encontrava, ganhasse, como que por osmose, o nome daquele relevante local.
Além disso, muitas das abordagens ao local da “Senhora da Peneda” tampouco se realizavam pela zona da localidade de Soajo, mas antes pelo Norte, através da zona de Melgaço e das terras galegas, o que mais propiciaria a divulgação e elevação do nome “Peneda” enquanto referência espacial.
IX - A este propósito volto aqui a citar o inestimável livro da Professora Elza Ramalho, no qual se lê: “A rede viária serrana foi, também, de suma importância para materializar os movimentos que, anualmente e a pé, as populações movidas pelo fervor religioso à Senhora da Peneda, na freguesia da Gavieira, realizavam na primeira semana de cada Setembro. Mais uma vez, foi o contacto direto com as gentes da raia limiana, nomeadamente, as galegas, que nos pôs a par dos percursos efetuados, que ignoravam, de facto, a existência de uma fronteira política e aproximavam, de modo indesmentível, povos sediados na Lobeira, Ourense, Arcos de Valdevez, Ponte da Barca ou Braga.” (obra citada - pág. 40).
X - Por sua vez, importante também será ter presente que uma serra é constituída por um conjunto de montes ou montanhas.
Quem habita junto de um qualquer monte, ou montanha, não teria (no “antigamente”), as mais das vezes, noção do seu conjunto, do seu “todo”, da sua dimensão total.
Assim e a título de exemplo, verifica-se que na área da “Serra do Gerês” muitas aldeias nomeiam a montanha que as rodeia com o nome das respectivas aldeias, ou da freguesia em que a mesma se integre (p. ex. a serra, ou monte, de “Fafião”, e a de “Cabril”, ou os montes de “Xertelo”).
Daí que, por exemplo, encontremos por diversas vezes no passado a alusão à Serra ou “Monte da Gaveira”, ou da “Gaviarra” (este uma derivação de Gavieira, ou quiçá de “Gave”), ou, ainda, aos “Montes de Laboreiro” (por vezes, também, “Serra de Laboreiro”).
XI - Ainda neste domínio, também não se estranhará a persistência pelos séculos da designação, na área aqui em causa, ou ao seu redor, da chamada “Serra da Estrica” ou da “Strica”.
Na verdade, quem realizasse a abordagem do maciço serrano pela sua zona poente, delimitada, sensivelmente, pelo Rio Vez e pelo acesso Norte/Sul propiciado pelo seu vale, encontraria, por certo, quem referenciasse a zona montanhosa ali existente pelo nome talvez mais relevante, e com maior peso, naquela zona em concreto. No caso, esse nome poderia ser o de “Forte da Estrica”, ou “Strica”, situado no Lugar do mesmo nome (pertencente à freguesia de Sistelo) e num sítio correspondente a uma portela com importância estratégica em termos militares.
Se, porventura, a localidade de Sistelo por aqueles tempos mais remotos, tivesse uma mais relevante importância política e administrativa (mas seria então, apenas, um mero povoado, ou aquilo que se denominará por uma póvoa medieval), provavelmente seria ao seu nome a que se teria recorrido, naquela zona, para baptizar aquela serrania.
XII - Outra ideia, também importante para o evoluir da nomenclatura em apreço, é o ter em conta que o Santuário de Nossa Senhora da Peneda terá começado a ser construído quando ainda pertencia ao concelho de Soajo, pois que a freguesia de Gavieira estava na sua circunscrição geográfica, sendo certo que já existiria um santuário no local actual no séc. XVII (e uma ermida a partir de inícios do séc. XIII).
A preceder esse Santuário, por sua vez, já existiria no local a já mencionada ermida e, tal como aqui já se mencionou seria muito significativo o número de peregrinos e romeiros que ali se dirigiam para oferecer as suas preces e ofertório, oriundos de variadas zonas e, inclusivamente, de terras espanholas.
Aprende-se na Wikipédia que será “provável que a tradição secular de Nossa Senhora das Neves e a dinâmica beneditina estabelecida pelo percurso dos monges do arcuense Mosteiro de Ermelo para Fiães, em Melgaço, desse lugar ao estabelecimento de um pequeno espaço de culto em redor do século XIII.” (Recorde-se, uma vez mais, que a aparição da Nossa Senhora das Neves é reportada ao ano de 1220).
Refira-se, na oportunidade, que a Senhora foi inicialmente designada como “das “Neves” porque o local onde, alegadamente (“Chã do Forato”, ou “Chã do Monte”) foi encontrada a sua imagem, pela sua significativa altitude, era todos os anos “visitada” pela neve.
XIII - Assim sendo, não será de estranhar que ao realizar os respetivos trabalhos de campo no século XVII, se tenha colhido, na zona do coração do maciço montanhoso em questão (onde se encontra, precisamente, o Santuário), aquele nome de “Peneda” para baptizar a Serra, ou, pelo menos, a zona montanhosa situada na área mais adjacente daquele local religioso. Aliás, esta tese ganhará maior credibilidade se atentarmos em que o fenómeno religioso assumia enorme relevo a vários níveis na vida portuguesa, sendo múltiplos os exemplos de oronomias e topografias com conotação ou origem religiosa.
XIV – Recorrendo, uma vez mais, à citada obra da Professora Elza Ramalho, descobrimos, entre muitas outras, mais uma informação relevantes relativo a esta temática e, assim, a fls. 230, lemos o seguinte: “Desconhece-se a época em que teria surgido o fervor mariano, mas, a primeira metade do séc. XIII poderá ser aventada. Contudo, o culto à Senhora das Neves, na Peneda, poderia ter tido um grande desenvolvimento na segunda metade do séc. XVI devido às fortes epidemias que grassaram por todo o país, nomeadamente, em Braga e Viana do Castelo, o que justificaria a deslocação de muitos devotos à Peneda (PINTOR, 1976: 24-25).”
B
I – O fenómeno já aqui mencionado, que se antevê como dotado de alguma lógica, que é esse de se perguntar “aos de lá” e a quem “por lá riscava”, acerca dos nomes “de lá”, poderá estar na origem da primeira menção, cartográfica, ao nome de uma serra na zona aqui em questão, a qual, como se viu, ocorreu no contexto do mapa de Álvaro Seco, no ano de 1561 (cfr. pag. 24).
II - Depois desse primeiro mapa, vimos a encontrar no que será - em princípio - o segundo mapa de Portugal, mais concretamente a versão “deitada” do mapa de 1662 de Pedro Teixeira Albernaz (cfr. pág. 35) no qual figura a primeira referência, também cartográfica, à existência da “Serra da Peneda”.
III - Cem anos depois daquela primeira menção serrana do mapa de Álvaro Seco, e contemporaneamente com a versão vinda de mencionar do mapa de Pedro Albernaz, surgiu o mencionado mapa de Lescolles de 1661, e o seu (re) assinalar da existência da mesma “Serra da Peneda” (pág. 39).
Não pode deixar-se de voltar a sublinhar que esse mapa foi o primeiro de realizado com uma representação regional da zona mais a norte de Portugal, e pioneiro – também - em figurar com alguma pormenorização a respetiva representação orográfica.
IV - Com as ressalvas vindas de assinalar, após esses mapas encontramos depois um significativo hiato temporal sem que o nome “Serra da Peneda” voltasse a ser nomeado, isto pelo menos no que se refere ao domínio da cartografia.
Ou seja, o nome “Peneda” para designar aquele conjunto serrano, não se terá, aparentemente, sedimentado, e essa designação terá perdido a força então potencialmente emprestada por aquela versão (Teixeira Albernaz) e por aquele mapa (Lescolles).
V – Assim, ao passo que o nome serra do Soajo foi surgindo recorrentemente, sobretudo no período situado entre os meados do século XVII e o ano de 1793 (cfr. pag. 51 – mapa 27), que voltou a surgir um mapa a mencionar a existência da “Serra da Peneda”, aquele que ficou já acima mencionado, da autoria de Custódio Vilas Boas, englobando essa serra o ali designado “Outeiro Maior”, correspondente à zona do “Alto da Pedrada”. Essa situação, a ser real, ditaria – mal –, por consequência, a supressão da Serra do Soajo.
Ou seja, durante cerca de 150 anos imperou o nome de “Serra do Soajo”.
VI - Depois desse mapa de 1793, temos que 7 anos depois, em 1800, surgiu o acima mencionado mapa de Benito Chias (pag. 47), o qual, como se referiu, foi, sem grandes margens para dúvidas, o mapa mais pormenorizado produzido até este final do século XVIII. Nele surgiu assinalada, apenas, a “Serra da Peneda”, omitindo, assim, a existência da “Serra do Soajo”.
Mais, este autor, tal como o fizera Custódio Vilas Boas, também assinalou o “M. Pedrada” como o ponto culminante da dita “serra da Peneda”, com 1415 mts e tampouco assinalou o nome do cume “Peneda/Alto do Pedrinho”. Sem margem para grandes equívocos esse é um erro grosseiro deste mapa, bem como o do mapa do Custódio Vilas Boas.
VII - Depois do ano de 1800 e até meados do respectivo século XIX, por cerca de 50 anos, voltam a desaparecer as referências à “Serra da Peneda”, ressurgindo em força o nome da “Serra do Soajo”. No entanto, essa designação surgia então a par da referenciação da “Serra da Estrica” e, ainda que em menor número, também à “Serra de Penegache”, surgindo duas menções a uma tal de “Serra de Gamon”.
Refira-se, de passagem, que, de uma maneira geral, a “Serra da Estrica” era figurada nos mapas na zona mais a poente do maciço (zona do Corno do Bico-Sistelo) e a “Serra de Penagache” envolvendo mais a zona de Castro Laboreiro.
VIII - Depois, em 1854, surge um momento importante para algum tipo de reviravolta, com o mencionado mapa de Agostinho José Lopes Dinne (pag. 54), denominado «Carta geral dos triangulos fundamentaes do reino de Portugal». Este mapa assume grande relevância uma vez que nele surge, pela primeira vez, a referenciação de um cume (e não serra) de nome “Peneda”. Sem dúvida que este mapa, no que se refere à referenciação do nome ”Peneda”, resultou do trabalho de campo realizado por Pedro e Filipe Folque (pai e filho) levado a cabo a partir do ano de 1835.
Assim, ambos receberam, em 1843, a incumbência de realizar a carta topográfica de Portugal, à escala de 1:100.000, sendo que o filho, Filipe Folque, entre 1844 e 1870, exerceu mesmo as funções de Diretor-Geral dos Trabalhos Geodésicos e Cartográficos do Reino.
Assim, quando os já mencionados Filipe de Sousa Folque, António José Pery, Gerardo Augusto Pery e Joaquim José dos Santos, apresentaram no ano de 1860 a sua – “Carta Geographica de Portugal” (pag. 55), nele mencionaram, precisamente, a existência de um cume com o nome “Peneda”.
Ora, em termos geomorfológicos parece-me, muito humildemente, que esse terá sido, um erro deveras grosseiro, e que em muito contribuiu para o actual dissenso, motivo pelo qual se regressará à análise desta situação na parte final deste trabalho.
Mencione-se, ainda, que o mapa destes últimos referencia também o Santuário de “Nossa Senhora da Peneda”, enquanto localidade.
IX - Um ano depois, em 1861, talvez influenciado pelo trabalho vindo de mencionar, surge o já citado mapa com a designação de “Depósito dos Trabalhos Geodésicos” (ver pag. 56), de Francisco de Paula Rebelo e Nicolau Trant (ou melhor, Nicholas Trant, que chegou a ser Governador da cidade do Porto após a expulsão dos Franceses), nele ressurgindo a referência à “Serra da Peneda” (e não apenas o - mero - cume “descoberto” no trabalho anterior) e ao Santuário de Nossa Senhora da Peneda. Este mapa assinala também, como se disse, o “Outeiro Maior”.
X - Ou seja, os meados do século XIX foram fundamentais para o surgimento de uma espécie ponto de viragem na questão da nomenclatura que aqui nos traz, pois, para futuro, o nome “Peneda” passou a assumir um outro destaque.
Todavia, tal como aqui já se referiu, até 1890 o nome “Peneda” surgiu, maioritária mas não exclusivamente, associado à designação de um cume e não de uma serra.
Simultaneamente, e de forma gradual, o nome “Serra do Soajo” foi de algum modo perdendo protagonismo e surgindo, em crescendo, quer aquele nome (Peneda), quer a referência ao monte da Gaviera ou Gaviarra e, bem assim, à “Serra da Estrica”.
XI – É em 1890 que vem a surgir o mapa que, salvo erro, mais e maior polémica suscitará entre os Soajeiros que vivem com maior fervor a que chamarei “causa soajeira”. Trata-se do mapa de Paul Choffat, no qual apenas surge referenciada a Serra da Peneda (omitindo, assim, a do Soajo), e que surge aqui representada ocupando toda a zona que se encontra no nordeste do Alto Minho (pag. 65 – mapa 69).
Porém, tal como se acabou de verificar, não foi essa na verdade a primeira ocasião que surgiu nos mapas o nome da “Serra da Peneda”. Apesar disso, certo é que foi após esse mapa que sobreveio a tendência de se dar destaque ao nome “Peneda”, com algum tipo de esquecimento do nome “Serra do Soajo”.
XII – Aliás, o próprio Professor Amorim Girão, um dos mais reputados Geógrafos portugueses do século XX, quiçá na esteira do que propugnara Choffat, sinalizou a “Serra da Peneda” ocupando toda a zona montanhosa a norte do Rio Lima. Ou seja, também este eminente professor aportou achas para a fogueira do dissenso aqui sob escrutínio.
XIII – Em relação a obras científicas de cariz geográfico e de produção nacional, destaco aqui, muito embora correndo o sério risco de negligenciar muitas outras que possam existir com interesse, para lá da já mencionada de André de Resende, a obra de D. Nunes de Leão, com o título «Descripção do Reino de Portugal», publicado em 1610 (já após a morte do autor em 1608), o qual ao referir-se às serras existentes no nosso país, relata, em relação à zona situada entre os rio Douro e o rio Minho, as serras de “Monte Coroa de Coura” (Serra de Coira/Corno do Bico), a “serra de Lurez” (Gerês) e a “Serra de Soaja”.
XIV - Por sua vez, Manuel de Faria e Sousa (1590-1649), que de acordo com a Wikipédia foi um fidalgo, humanista, escritor, poeta, critico, historiador, filólogo e moralista português, numa das suas obras menciona a existência da “Serra de Soaya”, omitindo a eventual existência da “Serra da Peneda”.
XV - De todo o modo, em jeito de balanço, sobressai que sobretudo a partir do início do século XX, a tendência foi a de o nome das duas serras passaram, maioritariamente, a coexistir na zona em questão e que, pelo menos até ao ano de 1907, os manuais escolares referenciavam, apenas (ou também) a existência da “Serra do Soajo”.
XVI – De todo o modo, por força de variadas circunstâncias, nomeadamente aquelas que determinaram as opções dos mais destacados Geógrafos e professores catedráticos portugueses ao longo do século XX, assistiu-se, em termos gerais, a um acentuar da tendência de situar no espaço em questão duas serranias, a da Peneda e a do Soajo.
Aliás, a ocorrer o detrimento de alguma delas, parece-me que a tendência tem sido a de olvidar a “Serra do Soajo”
C
I – Voltemos agora um pouco atrás para relembrar que no ano de 1875 ficou terminada a obra do actual Santuário de Nossa Senhora da Peneda. Esse facto, aliado à circunstância de Soajo ter deixado de ser sede de concelho em 1852, e ter passado a integrar, geográfica e administrativamente, o território do que se perspetiva ter sido, de algum modo, um seu rival ancestral, ou seja, o concelho de Arcos de Valdevez, propiciou a que a Igreja, associada ao crescente poder arcuense, a par de outras circunstâncias impossíveis de aqui escalpelizar, lograsse promover o nome “Peneda”, em detrimento do nome “Soajo”.
II – Terá sido uma questão de marketing à moda do século XIX, que culminou, em suma, no mapa de Paul Choffat, que deu azo a uma maior divulgação daquele nome para a serrania envolvente daquele templo e, assim, do Santuário, bem como da religião enquanto todo.
Como é óbvio, esta será uma explicação provavelmente simplista, mas pormenores existem, que a corresponderem integralmente à realidade então vivida, contribuem, também eles, para que se compreenda a génese daquela ascensão do nome “Peneda”.
III - Assim, na já mencionada página, “Soajo em Noticiário”, cuja leitura se recomenda (desde que se “perdoe” o que considero uma espécie de exacerbado “amor à camisola”), e que é da autoria do já mencionado Dr. Jorge Lage, e cuja importância justifica que aqui nos detenhamos nela mais demoradamente. Na verdade nela encontramos algumas curiosidades, bem como informação diversa, que nos podem trazer boa luz para a compreensão desta matéria.
Assim e nomeadamente, alega-se ali que Gerardo Augusto Pery (já aqui mencionado a propósito de mapas de 1860 e 1884 – “Carta Geográphica de Portugal”), terá sido muito influenciado no seu trabalho e, desse modo, na nomenclatura adoptada, por dois fidalgos de Arcos de Valdevez, que estariam fortemente ligados ao poder autárquico daquela vila.
Também surge nessa página uma crítica importante e que se prefigura pertinente, a propósito do trabalho realizado pelo já mencionado Paul Choffat, cientista de origem Suíça (falecido em Lisboa em 1919), o qual, recorda-se, em 1890 publicara a «Carta Geológica de Portugal», nela mencionando a “Serra da Peneda” e, em simultâneo, como que eclipsando a “Serra do Soajo”.
Assim, consigna-se ali que: «[…] em 1932, foi publicada a primeira Geografia de Portugal, dita «científica» e moderna, trabalho universitário de elevado rigor científico, da autoria do alemão H. Lautensach, para efeitos de doutoramento. Exigiu-lhe a obtenção deste grau académico a pesquisa em inúmeras obras geográficas, o que lhe permitiu apreciar criticamente o que considerou «erros» cometidos por Choffat, de chamar à serra de Soajo, Peneda, e à Serra Amarela também Serra de Soajo! O Professor Doutor Hermann Lautensach através do «Centro de Estudos Geográficos», agregado ao «Instituto para a Alta Cultura», em 1948, viu publicado o notável trabalho intitulado «Bibliografia Geográfica de Portugal», obra onde consta que Choffat «tentou fixar a nomenclatura das principais serras portuguesas, [mas] não isentas de erros.»! De facto na sua notável obra Geografia de Portugal, em alemão, só tardiamente, traduzida para português, colocou a «Serra de Soajo» a norte do rio Lima, a culminar a 1415 m, e a sul deste rio difundiu que a serra tem um só nome, «Serra Amarela»! Deitou, portanto, para o caixote do lixo «Peneda» como nome de serra, e o de «Suajo» a sul do Lima!”.
Igualmente ali se relata uma circunstância, a que ainda regressaremos infra, que nos ensina que: “[…] o intelectual arcuense Dr. Félix Alves Pereira, também criticou o nome «Peneda» que foi posto em vez de «Pedrinho», atribuindo a culpa do disparate ao guia que acompanhou “os homens dos marcos geodésicos””.
Com essa alusão o Dr. Félix Pereira pretenderia talvez referir-se aos que estiveram na origem do trabalho de Agostinho José Lopes Dinne, sendo que este, tal como aqui já mencionei, em 1854, na sua «Carta geral dos triangulos fundamentaes do reino de Portugal» referenciou um cume de nome “Peneda”, assinalando-o como um dos “Triângulos”, ou marcos/vértices geodésicos de 1ª ordem de Portugal.
Tanto quanto é dado a saber (e ficou também aqui já referido), terão sido Pedro e Filipe Folque (pai e filho) a colaborar no terreno, sobretudo a partir de 1835, para determinar tais triângulos, indicando, também e por arrastamento, a respetiva nomenclatura.
Porém, essa crítica do Dr. Félix Pereira também poderia ter por destinatários este Filipe de Sousa Folque e, simultaneamente, Gerardo Augusto Pery, pois em 1860 apresentaram, em colaboração com outros personagens, a “Carta Geographica de Portugal”, nela assinalando o cume com o nome “Peneda” (com 1379 mts).
Todavia, existe ainda uma terceira hipótese, a de aquele intelectual arcuense ter então em mente o trabalho realizado por Francisco de Paula Ribeiro e Nicolau Trant, que em 1861 produziram o «Depósito dos Trabalhos Geodésicos», um mapa de índole regional, nele se destacando a referência à “Serra da Peneda”, e omitindo a do Soajo.
IV - Ainda a propósito dos motivos que possam ter estado subjacentes à ascensão do nome “Peneda” e à concomitante penalização de “Soajo”, encontramos no dito blogue este interessante trecho: “[…] convém dizer que os «fidalgos da Casa Real», António Sá Sottomayor, e Gaspar de Azevedo Araújo e Gama, protagonistas da extinção do concelho de Soajo, tiveram também como principal objectivo sentarem-se à «Mesa da Tesouraria» das «Finanças do Santuário da Peneda». E não perderam tempo, pois nos anos seguintes à tomada do concelho de Soajo, lá apareceram para as gerir, porque naquela época, um dos principais “bancos” do norte do país, era o do muito importante Santuário do Alto Minho!”
V – Também algumas achegas interessantes são-nos também servidas pelo Arqtº Fernando Cerqueira Barros, que tenho o prazer de conhecer pessoalmente, o qual, debruçando-se sobre o fenómeno aqui em estudo, chama a atenção para a importância das instituições monásticas, fomentadoras do povoamento nacional, bem como da contínua cristianização dos pontos mais distantes da nação. Nessa sequência, cita a “Carta de Foro de Monte de Laboreiro quod vocatur Padron”, de 15 de janeiro de 1271, pela qual o rei D. Afonso III deu carta de foro a seis casais de Sistelo (que seria então uma Póvoa medieval), para povoarem e trabalharem o então “monte ermo” de Padrão (lugar da freguesia de Sistelo). Mais importante é, no entanto, para o que ao caso interessa, a referência no próprio título da Carta de Foro da alusão ao nome “Monte de Laboreiro”.
Na verdade, tendo-se também em atenção o facto de Castro Laboreiro ter sido concelho por vários séculos (criado bem antes do concelho do Soajo e sendo extinto 3 anos após tal ter sucedido com o desta Vila), não será de estranhar que a zona de montanha em que a vila se situava pudesse receber o seu nome. Por isso mesmo e por outras razões, creio que o nome “Montes de Laboreiro” será de preservar, ainda que se possa propender a considerar que tais montes se integrarão na “Serra da Peneda”, ou, consoante o que se possa concluir, ou ter por convicção, na “Serra do Soajo”.
Contudo, verdade seja dita que sob o ponto de vista geomorfológico o “Monte” ou “Montes” de Laboreiro”, são deveras distintos da juventude serrana que subjaz ao que possa ser a “serra da Peneda”, pelo que aquela inclusão não poderá cobrar créditos geográficos, mas apenas e eventualmente, históricos ou culturais.
VI - Refiro, na oportunidade, que também encontrei uma publicação espanhola antiga que menciona a existência da “Serra de Castro Laboreiro”, sendo nela também referida a existência do “Vale de Ollelas”, descobrindo-se que correspondia ao que é o vale do Rio Castro Laboreiro.
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I - No que diz respeito a eventuais conclusões, permito-me ter para mim como segura aquela que há cerca de 30 anos me assalta o pensamento. Assim, o ter-se, num determinado momento da história, a que já acima nos referimos, apelidado de “Peneda” o cume corresponde ao “Alto do Pedrinho”, constituiu um momento deveras infeliz, ainda que de importância mais regional, na história da geografia portuguesa.
II – Assim, tal como principiei por manifestar, aqui firmo a minha convicção, ainda que amadora, de que nada em termos geomorfológicos permitiria retirar esse cume daquele conjunto em que reina e pontifica o “Alto da Pedrada”.
E, por sua vez, se o “Alto da Pedrada” é, incontroversamente, o ponto mais proeminente da “Serra do Soajo”, o cume apelidado “Peneda” teria que fazer parte desse conjunto e, assim, em coerência, ser parte constituinte da “Serra do Soajo”.
Esse que parece constituir um erro grosseiro ficou, aliás, já realçado em alguns momentos da história e por alguns geógrafos com reputação
III - Assim, na já mencionada página do “Soajo em Noticiário”, encontra-se a este propósito alguma informação que se prefigura com credibilidade, e que poderá trazer alguma luz sobre a génese daquela situação de erro. Lê-se ali o seguinte relato: “Moller [Adolpho Moller, naturalista alemão] foi mesmo enganado pelo guia, sacristão no Santuário, pois na Pedrada, sita no Outeiro Maior, em 1890, já havia uma pirâmide geodésica de 2ª ordem em que a altitude fora avaliada em 1415m, portanto superior ao valor declarado no PEDRINHO (falseado com o nome Peneda)! De facto, em 1888, todo o Atlas com a Carta Corográfica do Reino, com 37 folhas, já tinha sido publicado, na escala de1/100 000. A altitude no vértice da pirâmide do Pedrinho (falsa Peneda) fora corrigida para 1373 m, do anterior valor de 1446 m referido por Pery! Na Pedrada, ponto mais elevado do Outeiro Maior, e de toda a Serra do Soajo, já estava em 1887 o vértice da sua pirâmide geodésica avaliado em 1415 m de altitude. Enquanto as torres para instalar as pirâmides (vulgo Marcos), considerados pontos de 1ª ordem subiam a 9 m de altura e tinham na base cerca de 9 m2, nas de segunda ordem elevavam-se a 2,5 m.”
IV - Mais impactante nesse papel de reposição do que se objetiva como incontroverso, ou seja, a existência da “Serra do Soajo”, terá sido o desempenhado por Hermann Lautensach, um conceituado geógrafo, de origem alemã, especialista em geografia física, e que publicou importantes obras sobre a geografia de Portugal.
Este escreveu acerca dos erros dos nomes das serras cometidos pelo mencionado Choffat, fazendo-o na sua obra «Bibliografia Geográfica de Portugal», publicada em 1948. Esse geógrafo alemão concluiu, em suma, que o espaço montanhoso em questão deveria receber o nome de “Serra do Soajo” e não um outro qualquer.
Uma situação curiosa, que será facilmente comprovável pela leitura das respetivas obras, foi a de que Geógrafos houve, como por exemplo Francisco Xavier da Silva Telles, que ao “entregarem” a zona montanhosa em questão à “Serra da Peneda”, e cientes que a “Serra do Soajo” não poderia simplesmente eclipsar-se, pretenderam colocá-la a ocupar a área que, por direito, pertence à “Serra Amarela” (esta já referenciada, por exemplo, no mapa de Custódio Vilas Boas no ano de 1793). Como é sabido esta “Serra Amarela” está situada a sul do vale do Rio Lima.
Assim, este Geógrafo, declarou, por exemplo, que a “Serra Amarela” também se poderia denominar – pasme-se - por “Suajo ou Louriça”!
Ora, se Louriça seria uma designação perfeitamente aceitável, por corresponder ao ponto mais alto da Serra Amarela (ou talvez, mais genuinamente, D’Amarela), já o designá-la por “Suajo” corresponderá a um erro tão grosseiro que nem merecerá outros comentários.
V - Uma abordagem também interessante relativa a esta temática, foi realizada no contexto da obra do General Marquez D’Avila e de Bolama, de nome “A Nova Carta Chorographica de Portugal”, 3º volume, publicado em 1914, na qual se lê:
“Ao norte do rio Lima o a oeste do rio de Castro Laboreiro encontram-se as serras da Gavieira, […] e Suajo ou Amarella, com as cotas de 1268-1373 e 900 metros aproximadamente de altitude.”
Como é óbvio este trecho está prenho de asneiras, sobressaindo o ter-se ali mencionado “Soajo ou Amarela”, ademais quando estava em causa, segundo próprio autor, uma zona a norte do Rio Lima.
Mais adiante, acrescentou o autor alguns trechos mais interessantes (ainda que voltem a conter inverdades). Assim lê-se ali: “Na serra da Peneda está construída a pirâmide geodésica de 1.ª ordem, denominada Peneda. É esta a altura maior da montuosa região de entre Lima e Minho, numas cumeadas a que chamam Outeiro Maior e o seu ponto culminante […] a Pedrada. Esta serra não tem nem jamais teve outro nome genérico senão aquele e, por isso, eu penso que a melhor designação para todas estas montanhas seria a da serra de Soajo; uma parte ao N. de Tibo poderia chamar-se serra da Gavieira ou da Peneda. Outro sítio importante desta região, por ter uma grande pirâmide geodésica, tem o nome de Pedrinho, e fica a 1.373"' de altitude. É o mesmo que a Carta Geodésica chama (menos exatamente, Peneda).”
VI – Ainda no domínio da busca da génese do que me parece constituir o predito erro, encontra-se uma obra muito interessante, e que já acima referi (pag. 103) do mencionado arcuense, Dr. Felix Alves Pereira, que escreveu para “O Archeologo Portuguès” (Volume VII) pags. 193 – 209, um artigo com o nome “Um passeio archeologico no concelho dos Arcos de Valdevéz”. Este autor realizou diversos desses passeios durante o ano de 1893.
Refira-se, por uma questão de enquadramento, que o Dr. Félix Alves Pereira (1865-1936), nascido na Vila de Arcos de Valdevez, foi advogado, mas também (ou se calhar, sobretudo) arqueólogo e historiador, bem como especialista em etnografia e antropologista, estudos que abraçou por vocação. Veio a estabelecer-se em Lisboa em 1901 e a ser Oficial e Conservador do Museu Etnológico Português, onde foi dedicado colaborador do Dr. José Leite de Vasconcelos.
Foi, precisamente, quando tropecei na publicação de um excerto desse concreto “passeio”, na página facebookiana de um amigo soajeiro, que voltei a despertar e a ganhar alento para o presente tema.
Assim, a folhas 207 desse volume VII, discorre assim o autor: “O Calcado é uma lomba de serra que na carta geodésica n.º 1 tem a cota de 1:250 e fica a SE do marco lá inexatamente designado com o título de Peneda em vez de Pedrinho.”
Em nota de rodapé, prossegue depois o Dr. Felix Pereira: “Esta inexatidão provém naturalmente de informação confusa prestada pelos guias ao distincto engenheiro que levantou a carta geodésica [Gerardo Pery] nesta região. O marco a que na carta n.º 1 se assigna o título Peneda, é conhecido pelos habitantes com o nome de marco do Pedrinho, e teve a cota de 1:373. […] Esta grande serra tem sido designada pelos que consultam esta carta com a epigraphe de serra da Peneda, em consequência da facilidade com que salta à vista a palavra Peneda (aliás, Pedrinho) escrita em letras maisculas, mas deverá ser chamada serra do Soajo, porque o seu ponto culminante (Pedrada 1:415 metros) está dentro de limites da freguesia de Soajo.”
Mais ali se acrescenta, ainda em rodapé, que: “isto não impede que se possam chamar serras da Gavieira as montanhas situadas na área da freguesia da Gavieira, embora sejam seguimento da cordilheira principal ou Serra do Soajo.”
VII - Dito tudo isto e aproveitando os meus razoáveis conhecimentos no terreno, propiciados por cerca de 30 anos como andarilho pelas serranias do PNPG, apresento os seguintes factos: Quem observa de sul o conjunto do espaço montanhoso situado a Norte do Rio Lima e partindo de jusante para montante (de Viana do Castelo para o Lindoso), encontramos, sucessivamente, em traços gerais, os seguintes espaços montanhosos:
a) Uma primeira secção corresponde ao Monte, ou Serra de Santa Luzia, que atinge os 549 mts de altitude, sendo limitada a Poente pelo oceânico Atlântico e a Nascente, em termos genéricos, pela “Serra de Arga”.
b) Segue-se esta Serra de Arga (825 mts, no Alto do Espinheiro), limitada a Nascente pelo vale onde corre o Rio Estorãos.
c) De seguida encontramos a Serra/Montanha de Corno do Bico (883 mts). Esta serra tem adjacente, a norte, a “Serra do Cotão”, sendo limitada, a nascente, em termos genéricos, pelo vale do Rio Vez (envolvendo a zona da “Portela da Estrica”). Corresponderá, em termos mais gerais, à denominada “Serra de Coira” representada no primevo mapa de Álvaro Seco.
d) O Monte ou Montanha do Gião (821 mts), será a montanha seguinte, integrada já no maciço da “Serra do Soajo”, a cujo núcleo se liga pela zona da Portela do Mezio.
e) Por último, colada às terras galegas, temos a Serra do Soajo, que atinge no Alto da Pedrada os 1416 mts. Esta serra é delimitada, a Nascente, pelo vale do Rio Castro Laboreiro.
VII – Sendo para mim segura e incontroversa a existência da “Serra do Soajo”, e tudo em virtude, no essencial, de tudo quanto aqui ficou relatado, a questão essencial passará então pelos seus concretos limites.
A minha convicção é a de que, a não ser que tenha lugar uma intervenção por parte de académicos que, pela sua valia formal e conhecimento, concretizem, em definitivo, essa delimitação, a mesma jamais será pacífica, ademais porque são muitas as variáveis e os pontos de vista para que se propicie essa definição.
VIII – Valendo pouco, ou muito pouco, certo é que a minha lógica “grita-me” que em termos geomorfológicos a “Serra do Soajo” tem, necessariamente, pelo seu lado Norte, que abranger o cume posteriormente rebaptizado de “Peneda”.
Ora, abarcando-o terá - também necessariamente - que alcançar o Rio Vez na zona em que este inflete a Poente, percorrendo o vale em que situam a Branda da Aveleira, a Branda do Furado e a de Vale de Poldros. Na verdade, toda aquela área montanhosa é “farinha do mesmo saco”, quer em antiguidade quer em continuidade espacial.
A Norte situar-se-á, depois, a “Montanha do Fojo” (Srª da Guia). No entanto, este monte terá a mesma idade geológica da “Serra do Soajo”, e partilha as suas características a nível de relevo. Esta montanha apenas se encontra separada da sua área montanhosa mais a sul em virtude da erosão provocada pelo vale glaciário do Rio Vez. Posto isso, não me custa considerar, embora tenha que aceitar opinião diferente, que essa montanha integra a “Serra do Soajo”.
De todo o modo, no mínimo, a “Serra do Soajo” alcançará o vale norte do Rio Vez.
A Noroeste e a Nascente, e recorrendo à mesmíssima lógica geomorfológica, a “Serra do Soajo” alcançará a zona do denominado “Batateiro” e o vale de “Part’Águas”. A serra soajeira estender-se-á depois para Sul sempre com a sua delimitação firmada pelo vale do “Rio Pomba” e, mais adiante, na zona da aldeia de Gavieira, pelo “Rio Peneda, “descendo” depois até à Várzea e à foz do Rio Laboreiro, quando este vem a abraçar do Rio Lima.
Na verdade, do vale do “Rio Pomba” para Nascente surge um maciço montanhoso de maior juventude, mais caótico e menos castigado pela erosão, em que se encontram, por exemplo, os cumes de “Outeiro Alvo”, “Penameda” e “Rajada”. Ou seja, trata-se de uma zona de montanha de formação posterior àquela que lhe fica a Poente (a “Serra do Soajo”).
Recordo que, tal como acima mencionei, a zona que aqui chamo de “Serra do Soajo” terá entre 320 a 380 milhões de anos, e que esta outra zona, mais agreste e mais jovem em termos geológicos, terá, em média, cerca de 290 milhões de anos.
A esta zona mais jovem, também porque terá raízes históricas que poderão justificar tal nomenclatura (nascidas no séc. XIII), chamarei aqui “Serra da Peneda”.
Todavia, se quisermos fazer uma leitura de conjunto de todo aquele espaço de montanha, terei então como mais plausível que a “Serra da Peneda” seja, apenas, considerada como constituindo os “Montes da Peneda”, integrando então, nesse caso, o conjunto maior de toda aquela área serrana, da que será a “Serra do Soajo”.
Tenho também para mim como verdade, aceitando-a, porém, como relativa, que a par desta “Serra de Soajo” e – da talvez provável – “Serra da Peneda”, se deverá dar depois algum tipo de autonomia aos chamados “Montes de Laboreiro” (que, em coerência com o que venho de referir, a par dos ditos “Montes da Peneda”, quiçá possam a integrar a “Serra do Soajo”).
Estes “Montes de Laboreiro” terão, sensivelmente, a mesma idade da “Serra do Soajo”, em relação à qual constituirão uma espécie de irmandade, mas ficando de praticamente isolados desta pelo permeio da “Serra da Peneda”, mas mantendo, no entanto, algum tipo de ligação física no seu estremo Norte pla zona da nascente do “Rio Mouro”.
IX - Por último e recorrendo à dita lógica geomorfológica, que parece a mais plausível em termos científicos, não vejo qualquer motivo (com a excepção da tradição mais recente associada ao recurso ao termo “Brandas da Peneda”), tal como resulta do que acima escrevi, para que esta “Serra do Soajo” não se prolongue, a Poente, ao vale do Rio Vez, onde este rio vem correr aos pés de Sistelo, Cabreiro e Vilela.
IX – Esta dita lógica, fundada, pelo menos em parte, em critérios histórico e culturais, mas, sobretudo, geomorfológicos, para além de passível de muitas outras controvérsias, resulta, sublinho, de uma observação realizada a partir do Sul do Rio Lima e olhando a Norte.
Ora, se a abordagem for realizada do lado Galego, outro galo poderá cantar. Quem vem por essas bandas tampouco consegue observar a “Serra do Soajo”, pelo menos a parte que, incontroversamente, a compõe. Vêem-se, isso sim, em termos genéricos, os “Montes de Laboreiro”, bem como a chamada “Montanha de Picos” (cujo ponto mais alto é “Cabeço do Pico” com 1256 mts) e a mencionada “Montanha do Fojo”.
Nesse caso, torna-se pertinente chamar-se a terreiro os ensinamentos da Professora Elza Maria Gonçalves Rodrigues de Carvalho, Professora do Departamento de Geografia da Universidade do Minho, que coloca a hipótese de a “Serra da Peneda” constituir um elemento integrador dos “Montes Laboreiro”, sendo que, por sua vez, estes “Montes Laboreiro” constituirão um complexo montanhoso que se desenvolverá desde Celanova (província de Orense), até às proximidades do Rio Vez, da freguesia de Sistelo. Ou seja, são sempre possíveis muitas e diversas interpretações. Aliás, entre essas interpretações está aquela, que já aqui mencionei, de a “Serra do Soajo” integrar - ela sim - o conjunto de todas aquelas montanhas.
De todo o modo, refira-se que esta Professora no contexto da sua obra, na qual muito se aprende, menciona e de alguma forma aceita, em inúmeras ocasiões, a existência, em paralelo, das Serras de “Soajo” e da “Peneda”.
X – Por último, e na esteira até do que venho de discorrer, recordo aqui uma vez mais que uma serra vem a ser um conjunto de montanhas e que na zona em causa serão muitos os montes e montanhas existentes.
Todas essas montanhas farão parte de um conjunto, ou seja, de uma serra. Ou poderão, inclusivamente, essas montanhas constituir, por motivos diversos (essencialmente geomorfológicos ou histórico/culturais), mais do que uma serra.
Se todas as montanhas aqui em causa, porque unidas fisicamente, constituírem uma única serra, parece-me que, em termos históricos, face sobretudo ao volume de mapas e trabalhos que fazem essa referência, a “Serra do Soajo” deveria ter a primazia.
Todavia, quiçá o caminho mais sensato e mais consentâneo com as realidades geológicas, dite a coexistência das duas serras. Essa coexistência, creio eu, não deverá colocar entraves a que se distinga, neste conjunto serrano, os ditos “Montes de Laboreiro”, o que se poderá verificar em simultâneo com o reconhecimento da existência de outros montes ou montanhas, como serão o caso do “Monte Gião”, o “Monte de Padrão”, ou até o “Monte do Fojo” e a “Montanha de Picos”.
XI - É então este um trabalho modesto, talvez algo atabalhoado e, necessariamente, incompleto, a carecer da contribuição de quem mais e melhor saiba, tudo no sentido de trazer luz a um tema que tem todo o potencial para extravasar da mera disputa do que seja uma coisa ou outra e, como tal, uma mero ponto de partida para as delícias do conhecimento.
Por fim, volvidas estas décadas, posso agora eu dizer: “penso eu de que”, e, ainda assim, mais do que apresentar conclusões, trazer à superfície alguns episódios, curiosidades e relíquias relativos a esta bela região montanhosa.
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Algumas palavras do autor sobre o seu texto:
"Agora que este meu modesto trabalho veio a público, não posso deixar de agradecer, e assinalar, que este “parto” apenas foi possível em virtude do amável convite do Rui Barbosa, consabido autor do blogue “Carris-Gerês”, local privilegiado para um mergulhar no conhecimento apaixonado e enciclopédico das coisas serranas do nosso único Parque Nacional.
Obrigado também a todos vocês que, como nós, partilham a paixão pelas montanhas e pelo saber a elas associado.
E, já agora, votos de um excelente ano 2022, e que ele nos permita continuar a coleccionar sorrisos e amizades por esses espaços amplos de saborosa liberdade."
Quando ao vector que se utilizou para mostrar e disponibilizar este trabalho, vou repetir o texto que utilizei aquando da publicação da sua primeira parte...
"Desde que comecei a visitar o Parque Nacional da Peneda-Gerês e a partir do momento em que entramos neste mundo mágico de Natureza e presença humana, que procuro saber cada vez mais sobre as suas características, pequenas curiosidades e histórias de definem estas paisagens entre o Planalto de Castro Laboreiro e o Planalto da Mourela com a sua paisagem montanhosa moldada pelo Homem.
Recordo as primeiras visitas ao Soajo e a imensidão dos vales na passagem para a Peneda, uma paisagem que na altura seria das mais selvagens do país e que ainda nestes dias me proporciona uma sensação de entrar em algo único em Portugal.
Nessas viagens nas quais se vai conhecendo um pouco mais do território, sempre me intrigou o momento físico no qual «passava» da Serra de Soajo para a Serra da Peneda. Aquele instante que tão bem é definido noutros limites, aqui sempre me trouxe a curiosidade da sua definição. Por vezes, esta definição não é tão fácil, pois para mim a serra é sempre algo (numa primeira aproximação) definida à distância e temos de aprofundar um pouco mais para conseguir estabelecer limites que a distância não nos deixa definir.
Nos últimos anos, tem surgido um «debate» interessante sobre estes limites, mas que rapidamente se torna numa troca de argumentos muito pouco esclarecedora quando entramos no palco do insulto e da exaltação. O debate é ainda menos esclarecedor quando surgem no éter opiniões que são apenas caixas de eco sem sentido crítico, reflectindo apenas a sua postura de analfabetos funcionais sobre o tema.
O trabalho que hoje aqui vos apresento faz parte de um estudo do Paulo Costa que será publicado em cinco partes e que somente pretende esclarecer-nos um pouco acerca desta temática, ajudando a compreender um pouco mais a dinâmica do território a Norte do Rio Lima. Quem nestas palavras escritas vir algo mais do que isso, não vai compreender o objectivo destas linhas e não será merecedor de consideração num debate que posteriormente possa surgir noutros espaços no éter.
Este texto representa apenas, e nada mais do que isso, uma visão sobre o assunto. Em tempos, convidei outros para o fazerem sobre o mesmo tema aqui neste blogue; infelizmente, não houve vontade para isso..."
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
2 comentários:
Sem dúvida uma boa contribuição para este debate aberto. Gostava de saber tanto como Paulo Costa para poder dar o meu parecer sobre o assunto, já que pouco ou nada acrescentaria ao trabalho. Pois bem, quando mais souber falarei. Rui, outra questão que seria interessante apurar, é a existência de abrigos pastoris e estruturas medievais na mata do cabril. A mata do cabril é um local de acesso difícil e muito inexplorado. Como o seu acesso é condicionado, seria interessante tentar obter informações perto dos habitantes mais antigos sobre estas construções. Ouvi falar da cabana do lameirão bem no centro da mata. Aos poucos esta informação vai se perdendo, como por exemplo os nomes das pontes e locais dentro da mata. O Rui já ouviu falar de tal abrigo?
Caro Rui Barbosa,
A toponímia antiga constitui de facto um terreno tão fascinante quanto "armadilhado". Paulo Costa, neste seu interessante ensaio sobre o tema pelas serras do Soajo e Peneda, conseguiu lidar bem com essa dificuldade, deixando, modestamente, amplo espaço para novas indagações que confirmem ou não tudo aquilo que pôde apurar. Será trabalho a levar a cabo no terreno e em arquivo, ou na… Internet. Isto para dizer que, olhando para aquele sector no Google Earth (com o observador longe da vertical), se distingue bem como, à semelhança do que sucede com a serra do Gerês, também a da "Peneda" não termina burocraticamente na linha de fronteira. Ambas possuem ainda prolongamentos significativos para o lado espanhol, até irem findar (a uns 5 ou 6 Km) em terras galegas já basicamente planas e de fraca altitude, por onde corre o Lima.
E, também para acrescentar que, curiosamente, nas descrições, bastante detalhadas, produzidas em 1537-1538 pelo visitador régio Mendo Afonso de Resende –
Demarcações de Fronteira, Humberto Baquero Moreno (coord.) e Isabel Vaz de Freitas (introd. e índices), 3 vols., Porto, Universidade Portucalense Infante D. Henrique, 2003 –, não surge (salvo erro), como sendo nome de serra, nenhum dos topónimos em causa. No vol. III, p. 152, diz-se, sim, que, perto do rio Tibo, "se chama a dicta serra Monte da Travaçam e Obyeiro". Seria uma indicação a tentar deslindar, e há na fonte inúmeras outras de teor equiparado, embora especificamente nomes de serras não haja assim tantas.
Saudações,
Pedro Cid
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