domingo, 17 de maio de 2020

Trilhos seculares - Entre o Arado e a Sesta da Amarela


O dia anterior havia terminado com a chuva a marcar a sua presença e a desiludir aqueles que já procuravam as águas do Rio Arado. É certo que não esperava a chuva, se bem que os dias anteriores haviam sido a amostra, ou não, de mais uma Estação do ano atípica... ou não, pois com estes dias tão estranhos, muitas vezes confundimos a ficção da existência com uma realidade que nos é cada vez mais estranha.

Bom, adiante... a ideia era fazer uma «épica» jornada pela Serra do Gerês e o céu azul bem cedo pela manhã trazendo uma brisa que afagava a pele à medida que esta se ia humedecendo de suor, ajudava a ir percorrendo a distância que se alongava ao longo do caminho que ia ficando para trás.




O «estacionamento» do Arado estava ainda deserto, ou quase, não fosse a presença de um (agradavelmente) ruidoso rebanho de cabras e dos cães que as guardavam sobre o olhar sempre atento do pastor que guardava toda aquela algazarra. Em pouco tempo a mochila estava às costas e as botas apontavam o caminho levando a alma na direcção da Malhadoura e Curral dos Portos, passando de seguida pela tranquilidade da Tribela e descendo para a Ponte de Servas.

Entrando-se nos domínios de Fafião subia-se então para Pinhô com o seu característico forno pastoril e tomava-se o carreiro que levaria às bordas de Pousada em direcção aos magnânimos Bicos Altos. Paisagem que criação épica como somente a Natureza no seu caos a poderia criar num cenário quase entrópico, mas que se vai modificando com o passar das épocas geológicas. São fragas vertiginosas, rochedos alcantilados, prados verdejantes e ondulantes na mercê da brisa que vai lambendo as ondulações do granito. É um silêncio que se espalha e entranha a alma, uma soberba tranquilidade.

Depois da beber a refrescante água que brota da fonte junto da cabana de Bicos Altos, o caminho leva para as alturas mais agrestes. Virando a volta da serrania, como que se entra num domínio mitológico. O Gerês alonga-se por quase todo o horizonte!



Em tempos escrevi que "... ninguém diga conhecer a Serra do Gerês sem antes visitar os domínios de Fafião. Ali, onde o Gerês flecte os seus músculos, onde a serra arranha os céus, as sombras pedem licença para se retirar e o Sol tem orgulho em iluminar e aquecer aquelas paragens. Os domínios da vezeira de Fafião apresentam-nos das paisagens mais deslumbrantes de todo o Parque Nacional, e da Serra do Gerês em particular, rivalizando com outras que são, por excelência, verdadeiros ex-líbris para quem as visita com regularidade." Não tiro uma palavra ao que então escrevi e só lhe posso juntar adjectivos de admiração e estarrecimento!

O Curral da Amarela e pouco depois a Sesta da Amarela, eram os objectivos deste dia. Verdadeira varanda sobranceira à vastidão sobre o Porto da Laje e o Curral da Touça, a Sesta da Amarela é um verdadeiro altar de consagração da Serra do Gerês aos deuses de outrora, os que trazem o verdadeiro significado à existência. Ali, vemos a Natureza no seu esplendor; o nosso olhar está absorvido numa sempre presente contemplação que não é transcendental, mas que nos transcende na sua grandeza. Dali vê-se o mundo!

Deixando a Sesta da Amarela para trás, envereda-se na direcção do Estreito regressando ao Curral da Amarela. As grandes extensões de granito antecipam a chegada ao Estreito caminhando por um 

carreiro marcado por tímidas mariolas que se vão perdendo na imensidão da memória. Do Estreito seguiu-se para o Curral de Iteiro d'Ovos e «atacou-se» a Rocalva pela sua vertente Nascente. A intenção não era chegar ao cume, isso é para os «deuses», e dali fez-se a descida para o Curral de Rocalva, local de descanso por excelência.

Do verdejante Curral de Rocalva em toda a sua pujança primaveril, iniciou-se o regresso ao ponto de partida, descendo então para as funduras do Cando aos pés da Roca Negra e seguiu-se pelo vertiginoso carreiro que levaria às vertentes de Arrocela caminhando pelas paisagens sobranceiras à Roca de Pias, avistando «lá ao longe» o Estreito e lá ao fundo Entre-Águas. A parte final da jornada fez-se pelo estradão e secretos carreiros entre o Curral de Coriscada, com o seu telhado destruído pelas últimas borrascas, e o Arado... cheio de gente.

Ficam algumas fotografias do dia...



































Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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